quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A VOLTA DO HOMEM DE VERDE


Enquanto as adaptações dos quadrinhos da DC para o cinema vão tomando rumos incertos (salvo as do orelhudo de Gotham, claro), o departamento de animações straight-to-DVD vão indo muito bem, obrigado. Lanterna Verde: Primeiro Voo (Green Lantern: First Flight, EUA, 2009) mantém o bom nível com uma aventura divertida e lançada sem muita cerimônia - talvez para aproveitar o bom momento do universo do personagem nas HQs e as constantes notícias sobre o filme. Com nomes do porte de Bruce Timm (aqui produzindo) e Alan Burnett (roteirizando, ao lado de Michael Allen), não tem erro. Esses dois, ao lado de Paul Dini, moldaram a cara das animações da DC nas últimas duas décadas. Além de estabelecerem um padrão de excelência para as séries animadas daqui do ocidente, foram, de longe, a melhor alternativa à invasão animê daquele período.

Com esse timaço nivelando tudo por cima, Primeiro Voo se torna uma boa oportunidade para acompanhar a evolução da "novata" Lauren Montgomery. Co-diretora de Superman/Doomsday, ela participou do storyboarding dos bacanas Hulk Vs e dirigiu o surpreendente Wonder Woman, ilustrando frame a frame como a personagem funcionaria na telona às mil maravilhas (sem trocadilho). Se destacando cada vez mais nessa nova fase de animações pós-Liga da Justiça Sem Limites e assumindo projetos com as principais marcas da casa (aos 29 anos, num mercado concorrido e predominantemente Clube do Bolinha), a promissora cineasta é gente igual a gente mesmo.

Muito simpática, bem-humorada, fã da Cheetara (!), fissurada em A Pequena Sereia (a Disney é uma influência primordial), com blog e deviantArt à distância de um clique pra quem quiser curtir - impressiona a simplicidade. Pra lembrar como isso é raro no meio, confira qualquer entrevista com o Bruce Timm ou o Brad Bird onde eles emanam toda aquela aura übernerd/Brainiac híbrida e tão agradável quanto um banho de nitrogênio líquido. Creepy.


Historicamente, o Lanterna Verde sempre foi um personagem do segundo escalão. Senão vejamos: Clark, Bruce, Diana, depois Barry/Wally... o velho Hal Jordan é imediatamente o segundo herói abaixo da santíssima trindade world's finest da DC. Com poderes tão Era de Prata em essência, o maior risco era de uma interpretação camp, o que, felizmente, não ocorre em nenhum momento. E por aí se nota o quanto foi importante e definitiva a caracterização conceitual e estética criada para o Lanterna John Stewart nas séries da Liga. Praticamente toda aquela abordagem foi reeditada no longa, com as providenciais expansões que o herói sempre mereceu. Toda aquela dimensão e grandiosidade estão lá e a gama de possibilidades se mostra realmente universal. Fica bem claro: o lugar desse cara é no cinema.

Outro bom timing foi abreviar a origem do personagem, considerando que já foi mostrada recentemente em Liga da Justiça: A Nova Fronteira. Uma ótima ideia para agilizar a trama e evitar repetições, mesmo com Nova Fronteira sendo de um "elseworld". Assim, o background do Lanterna é bastante sintético e dura o tempo dos créditos de abertura: uma breve apresentação do piloto de testes Hal Jordan, seguido do clássico encontro com o alienígena moribundo Abin Sur e logo o herói chega ao planeta Oa para integrar a Tropa dos Lanternas Verdes. Lá, ele enfrenta os problemas típicos de adaptação de um recém-chegado em meio a veteranos, mais a perigosa rotina da maior força peacemaker do universo - além, é claro, de uma obscura ameaça que se revela na segunda metade da trama.

A dinâmica entre os personagens principais costura uma relação tensa, bem ao estilo do filme Dia de Treinamento, onde o novato Jordan passa dobrados cada vez mais sinistros com seu oficial... Sinestro. Que por sinal rouba a cena. Sua evolução e motivações pessoais são observadas bem de perto, desde a relação desgastada com os Guardiões de Oa até sua transformação no primeiro Lanterna Amarelo, ganhando mais tempo de tela do que o esperado. Isso acaba criando a interessante sensação de que Primeiro Voo se trata mais sobre a origem do vilão do que do herói.

Dono de um carisma arrogante e uma relação dúbia com Hal - ele admira a raça humana por tudo que ela tem de pior -, Sinestro ainda conta com uma irretocável dublagem.



Estreando em animações, o ator Victor Garber empresta elegância e sagacidade ao Lanterna renegado. Já Hal Jordan teve a ótima performance de Christopher Meloni, o Chris Keller, da série Oz (tão inesperado quanto irônico). Kilowog encontrou sua voz definitiva no gogó de Michael Madsen (superando até o excelente Dennis Haysbert, na série da Liga), Kurtwood Smith competente como sempre na voz de Kanjar Ro e a fabulosa Tricia Helfer bem à vontade na voz da Lanterna Boodikka.

Mas se for contabilizar tempo de tela x desenvoltura, quem sai na frente é a atriz Juliet Landau. Numa pequena (e sensacional) participação, ela confere sarcasmo e uma deliciosa vulgaridade na voz da alien Labella.

Até onde conheço do universo do Lanterna, Primeiro Voo se mostra bem fiel aos seus aspectos mais caros. E alguns deles tiveram uma ótima transição da arte sequencial para a arte animada. Um bom exemplo são os anéis que retornam à Oa quando seus portadores morrem. Isso rende cenas tão sutis quanto impactantes - o que parece ser o objetivo maior da diretora Montgomery nos 75 minutos da animação.

Se o vindouro filme tiver metade dessa vibe, o dia será mais claro e a noite menos densa para as adaptações da DC. Afinal, nem todos vivem de intimidações.