sábado, 23 de maio de 2009

ME LOVE TO GET THE MONEY


Primeiro as exceções: micaretas metálicas que ainda têm força nas distantes highlands (Wacken, Dynamo Open Air, Gods of Metal, Download, Graspop, Sweden Rock e euro afora); estrelas que se reviraram em formações e nuances para manter o status multiplatinado (Metallica/Iron Maiden); por último, os raríssimos dinossauros que empilham gerações e destroçam tudo por onde passam (só me vem à cabeça o Heaven & Hell). A impressão que se tem é que o metal ainda vai penar mais uns bons anos nos serviços de proteção ao crédito. Aliás, eu digo "metal", mas pode atrelar isso a todos os seus subgêneros e vizinhos de radicalismo musical, como o hard rock, o industrial e o hardcore, por exemplo. Movimento? Que movimento, cara-pálida?

Como resultado, vemos algumas anomalias outrora impensáveis, devidas as proporções: bandas veteranas como Testament, Overkill e Exodus fazendo show pra dez pessoas nos EUA, Gary Holt (Exodus) reclamando que não tem nem carro e um Sepultura desCavalerizado na estrada com o Angra (!). Todas elas - e muitas outras - cada vez mais distantes da MTV e da marca das 100 mil cópias vendidas.

Mas cada um se vira como pode. E neste sentido, poucos tiveram uma visão de mercado tão objetiva quanto Jeff Waters, guitarrista e líder... ou melhor, o próprio Annihilator, em carne e osso. Contabilizando quase uma formação nova por disco lançado, o cara vem atravessando crise após crise (no metal e fora dele) desde 1984. Sem dúvida, encontrou um nicho de sobrevida underground aí. Quem conhece a banda, sabe do esquema de Waters: "contrato pelo piso do sindicato, sem vale-transporte, nem plano de saúde ou ticket-refeição, mas com direito a muito headbangin' e thrash no talo".

A seguir, um trecho de uma entrevista com ele publicada na revista Rock Brigade (#214, maio/2004). Uma lufada de sinceridade em estado bruto e ainda em plena garantia da sua fórmula venc(d)edora.


RB - A gravadora nunca fez nenhum tipo de pressão para o Annihilator se tornar uma banda de fato?
WATERS -
Claro que fez. Volta e meia tem essa história de "você precisa fazer o Annihilator parecer uma banda de verdade". Acho isso meio idiota, pois todo mundo sabe que o Annihilator é mais um projeto solo meu do que qualquer outra coisa. Lógico que, quando estamos em turnê, somos uma equipe, cada um tem sua função, porém, em sua essência, é um projeto solo mesmo. Mas gostaria de frisar que na hora da divisão do dinheiro dos cachês, todo mundo ganha igual, eu não recebo um centavo a mais do que os outros músicos.

(...)

RB - A maioria dos músicos que centralizam tudo na banda, como Dave Mustaine e Yngwie Malmsteem...
WATERS -
[interrompendo às gargalhadas] Blackie Lawless, você esqueceu de mencionar o Blackie Lawless, do WASP!!!

RB - Ok, gente como Lawless, Mustaine e Malmsteen têm fama de serem pessoas difíceis de trabalhar, por isso estão sempre mudando a formação da banda. É difícil trabalhar com você também?
WATERS -
Tão difícil quanto trabalhar com qualquer chefe. Alguns chefes são legais, outros são chatos. Eu tenho que ser um chefe legal, pois não posso pagar tanto quanto o Megadeth ou o WASP, por isso, compenso sendo um cara muito legal [risos]. Todo músico tem aquele lado do ego que precisa ser massageado, que precisa ser o centro das atenções. Quando um músico assim entra numa banda como o Annihilator, fica meio frustrado porque as atenções estão sempre voltadas para mim, as entrevistas são sempre comigo. Além disso, no início, todos topam qualquer coisa, porém, depois de um ano começam a querer mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro. Foi o que aconteceu com o Randy Black, ele saiu porque o Primal Fear podia pagar mais para ele. Ele queria um aumento de salário, eu não pude pagar e ele foi embora. E, apesar de todas as mudanças de formação do Annihilator, apenas duas ou três vezes fui eu quem tirou o cara da banda. Na esmagadora maioria das vezes, os músicos saíram para ganhar mais ou por questões familiares.

RB - Você não fica um pouco frustrado quando percebe que o dinheiro é mais importante do que a música em si?
WATERS -
Eu vejo a coisa de um modo diferente. Nos anos 80, o heavy metal enriqueceu muita gente. Quem era suficientemente esperto para não se afundar em drogas e álcool, ganhou muito dinheiro no heavy metal. Eu, por outro lado, ganhei bastante dinheiro com o metal nos anos 90. Porém, perdi quase tudo quando me divorciei - e aconselho todo mundo a jamais se divorciar no Canadá, eles arrancam tudo da gente [gargalhadas gerais]. Hoje em dia, quem quiser sobreviver tocando heavy metal tem que ser bom músico, fazer bons contratos e ter alguma sorte, senão vai passar fome. Lógico que sempre há um James Hetfield nadando em milhões sem precisar fazer quase nada, mas isso é exceção. Mesmo bandas consagradas como o Slayer precisam suar muito para ganhar um bom dinheiro. E eles realmente ganham, mas precisam estar em turnê todo ano e vender bem seus CDs para manter seu padrão de vida. Por outro lado, bandas do nível do Annihilator precisam trabalhar muito para sobreviver, para poder comprar, por exemplo, uma casa própria. E é por isso que eu não condeno os músicos que trabalham por dinheiro, pois eles precisam sobreviver, precisam pagar aluguel e fazer as compras de supermercado. O mundo funciona por dinheiro e na cena heavy metal não é diferente.

(entrevista concedida a Fernando Souza Filho)


No meu entender, um perfeito microempresário.





Na trilha: ver meu LastFM na barra à direita.

domingo, 3 de maio de 2009

BLAME CANADA


Não parecia uma má ideia. De um lado, Gavin Hood, diretor oscarizado escolhido a dedo. De outro, o astro Hugh Jackman e o expoente mais popular de uma trilogia que já ultrapassou há tempos os nove dígitos. Pra garantir, uma publicidade massiva em ritmo spammer despejando na mídia toneladas de teasers, trailers, spots e promos diversos - era impossível abrir browser que seja nos últimos meses sem ser cutucado por seis garras de adamantium. Nem precisaria tanto: qualquer um com residência fixa no planeta Terra já ouviu falar no baixinho invocado canadense, que completou em abril 35 anos de existência. Hoje, Wolverine é tão ou mais conhecido que Jesu... o Homem-Aranha. Sendo assim, não é exatamente uma surpresa que X-Men Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine, EUA, 2009) se revele um filme de ação absolutamente genérico. O que surpreende mesmo é o afinco com que os realizadores se apegam a esta fórmula batidaça, como se a história do personagem não fosse extraordinária o suficiente.

É sintomático que o nome de Jackman conste também nos créditos de produção. Durante todo o filme nota-se o tremendo esforço em defender aquela sua (boa) versão que já conhecemos através de X-Men, X2 e do subestimado X-Men: O Confronto Final. O galã alto com a fuça do jovem Eastwood, notadamente mais sociável que o Taz violento e beberrão dos quadrinhos. Aquele carcaju que aprendemos a aceitar, como diria um desalinhado amigo meu.

Créditos à parte, quase tudo que é demais cansa. E, pra mim, o filme atingiu essa cota com menos da metade de projeção.


O início é muito bacana. Sintetizou a saga Origem, de Paul Jenkins e Andy Kubert, com competência, esmero dramático e boa caracterização dos personagens. As contrapartes jovens de Logan e Victor Creed (Troye Sivan e Michael-James Olsen, respectivamente) fazem por merecer mais tempo de tela, bem como seus pais, John Howlett e Thomas Logan (Peter O'Brien e Aaron Jeffery), perfeitos até na semelhança física. Em seguida, acompanhamos Logan e Creed (Liev Schreiber) através dos anos, se valendo de seus fatores de cura no front das maiores guerras da História, onde se destacam uma eficiente produção, zero de grafismo e a fraca trilha sonora de Harry Gregson-Williams. Normalmente, eu nem esquentaria com esse detalhe, não fosse o tipo da sequência em que a trilha, ao exemplo da intro de Watchmen, personifica "apenas" o coração das cenas.

Como era de se esperar, os dois acabam chamando atenção das esferas superiores do exército, representadas por William Stryker (Danny Huston, infelizmente sem inspiração aparente no marcante trabalho de Brian Cox, que encarnou o personagem mais velho em X2). Logo, ele os convoca para integrar um grupo mutante black ops. Além deles, participam da equipe Wade Wilson (Ryan Reynolds), o Agente Zero (Daniel Henney), o eletrocinético Bolt (Dominic Monaghan, de Lost), John Wraith (o rapper will.i.am) e o irremovível Blob (Kevin Durand). Durante uma missão ligeiramente hardcore na Nigéria, as coisas saem do controle, para a tristeza de Logan e felicidade do psicopático Creed.

Contrariando Victor e Stryker, Logan decide pendurar as garras. Durante seis anos, ele leva uma vidinha pacata como lenhador nos cafundós do Canadá, ao lado da namoradinha Kayla (a fabulosa Lynn Collins, de True Blood). Até que um dia, Stryker dá as caras e avisa Logan que alguém está eliminando seus ex-companheiros de batalha. Quando o pior acontece, ele se vê obrigado a voltar a fazer o que sabe melhor.


É com esse script de Jeph Loeb's Comando para Matar que o filme se apóia, com direito a uma breve escala pela saga Arma X. Numa estrutura narrativa encontrada facilmente em qualquer filme do Van Damme, vê-se que os roteiristas David Benioff e Skip Woods beberam mais na fonte do baixinho belga que na do baixinho canadense do sr. Windsor-Smith. Até os fragmentos de lembranças de Logan mostrados ao longo da trilogia X foram mais fiéis. E sanguinolentos. Há algo muito errado quando um sujeito transtornado, com seis lâminas indestrutíveis nas mãos, sai por aí atrás de confusão e o máximo que consegue são umas gotinhas de sangue. Aí fica impossível ilustrar a extensão de sua natureza mutante.

No filme, Wolverine é soterrado por uma avalanche de toras e atropelado por um caminhão em alta velocidade, mas só o que contabiliza são leves arranhões no rosto. O fator de cura nem deve ter sido ativado. Só como um comparativo, nos quadrinhos, a mesma situação soa muito mais visceral.

Isso é particularmente prejudicial na cena em que Logan decide largar a equipe mutante. Pode me chamar de insensível, mas uma única morte inocente para mudar a cabeça um cara que participou de mais guerras que o deus Ares é muito, muito pouco. Sinceramente, até demorei em entender qual foi a bronca do herói ali, já que todo mundo escapou ileso e só um ficou caído. Quer impacto dramático de verdade numa situação de crise contextualmente similar? Pegue O Senhor das Armas, com Nicolas Cage. Melhor ainda: Hotel Ruanda, com Don Cheadle.

X-Men Origens: Wolverine é PG-13 ("intensas sequências de ação e violência, e alguma nudez parcial"), mas nem um terço do potencial dessa classificação é aproveitado. Ah sim, tem crianças assistindo. Deixa a violência pro playstation.

Pra piorar, a única nudez parcial mostrada foi a de um cara. As menininhas que acham o Wolvie "um gato" agradecem.


Não só a demora em acontecer algo realmente arrebatador incomoda, mas também os contornos de melô romântico que o filme vai adquirindo. E quando a ação chega, é uma cacofonia coreografada de qualidade duvidosa, com muitas poses, explosões e nenhuma criatividade. Lutas sem razão excedem o limite do razoável. Logan enfrentando Blob foi ridículo em motivação e concepção (mudança por mudança, seria muito melhor se deixassem o gordo com o visual Juggernaut do início) - cena piorada pela legendagem que se enrolou toda no trocadilho com o Blob-"bub". O mesmo acontece na treta gratuita com o Gambit (um desperdiçado Taylor Kitsch).

Sem qualquer sensibilidade com o material original ou com as possibilidades de uma série, Travis (James, nos quadrinhos) e Heather Hudson deixam seu posto no Departamento H para se tornarem um doce casal de velhinhos. Patologicamente simpáticos, eles acolhem Logan em circunstâncias bastante inverossímeis para os dias atuais. Nem a Tia May seria tão solidária.

Alguns cacoetes visuais são regurgitados ad nauseum e beiram o humor involuntário, como os sucessivos gritos de Logan para a câmera em plongée (de cima pra baixo) e a mania dele e Creed em iniciarem suas lutas se jogando um contra o outro - e confie em mim que o clicherômetro bate no mil quando dois personagens atravessam juntos uma janela que está logo atrás. Na hora lembrei da mesma cena em Blade Trinity. Ótima referência, hein?

Mas não é só!


Spoilers à frente.


Existem dois tipos de reviravolta final: aquela que muda toda a ótica do que sabemos, não raro nos deixando no lado oposto do que gostaríamos, e aquela que dá um gostinho de inutilidade a tudo o que aconteceu até ali. É o que acontece no filme. Nada de uma bela saga de redenção, altruísmo e sacrifício heróico, mas uma simplória e frustrante farsa, sugerindo que Stryker, além de proeminente insider militar, também é fã de um dramalhão mexicano. A cena em que Kayla se mostra viva, fitando Logan em silêncio, é estranhamente longa, como se quisessem potencializar o "choque" daquela revelação. Demora tanto que até pensei que a garota fosse um robô, um clone ou algo que o valha.

A luta final contra Deadpool/Agente XI é autosabotada. Primeiro, porque escalaram para o papel Scott Adkins, um dos pancadeiros mais impressionantes da atualidade. Segundo, porque colocam Wolverine e Dentes de Sabre juntos para esmerilhar o fulano na unha. Expectativas superando as escalas. E o que fazem? Levam a peleja para um espaço impraticável pra qualquer coisa, quanto mais pra uma coreografia marcial decente. Um caralho de uma borda lá nas alturas onde, providencialmente, as leis da Física impedem qualquer queda que não seja intencional. Haja paciência.

Aliás, se Wade era o Deadpool, porque chutaram Ryan Reynolds do clímax? Adkins não precisou fazer nada mesmo de excepcional naquelas cenas e Reynolds esteve excelente na sequência em que levou uma espada para um tiroteio.

Nem vou citar - já citando - a morte imbecil do Agente Zero. Com poderes que parecem saídos da adaptação de Procurado e uma técnica bacanuda à Gun kata, seria motivo de sobra para um mano a mano retalhador com o Wolvie. Mas acharam melhor botá-lo para brigar "de helicóptero" - treta concluída com o clichê mais constrangedor do filme. E toma ceninha de herói caminhando friamente de costas para uma explosão (fake, por sinal). Eu lembro quando isso já foi cool, lá pela década de 70.

E com tantos sketches de ação estereotipada, logo esquecemos o Oscar que enfeita a lareira do diretor Gavin Hood para lembrarmos de seu passado de ator - American Kickboxer, Kickboxer 5 e os clássicos Força Delta 2 e 3 te dizem alguma coisa?

Como se não bastasse, a reta final se aproxima perigosamente de Star Wars: A Ameaça Fantasma. Vide Logan dando cobertura à fuga dos prisioneiros enquanto encara o Agente XI, numa cena que praticamente reedita o aparecimento de Darth Maul para os jedi Qui-Gon Jinn e Obi-Wan. E também a conclusão dessa luta, com o vilão despencando de maduro e um pedaço de seu corpo se separando durante a queda.

Afe. Assim parece até que detestei totalmente.



Contudo, curti o filme em certos aspectos. Liev Schreiber, numa ótima performance, é Victor Creed até o olhar assassino. Os links com os eventos da franquia X são respeitados no limite do possível e até conferem uma nova dimensão àqueles filmes. Destaque positivo para as participações do jovem Scott Summers (Tim Pocock) e de Emma Frost (Tahyna Tozzi), sem comprometer a continuidade. O mesmo para a rápida aparição do Professor Xavier, eternizado por Patrick Stewart.

E Hugh Jackman, carismático que só, nos relembra o quanto é legal ver um ator se divertindo horrores com um personagem. Nada mais justo, já que sem o Wolverine, ele provavelmente ainda estaria criando ornitorrincos na Austrália.

Não, bub, não foi dessa vez. Mas, como bom leitor de quadrinhos, o amor aos personagens vem primeiro. Torçamos para que as bilheterias mantenham o ritmo avassalador e viabilizem mais e melhores continuações - o que não é assim tão difícil (LoL & perdão). Material pra tanto não falta, afinal, já chegamos ao Japão e Madripoor é logo ali. Quem sabe numa dessas, o carcaju possa realmente fazer o que sabe melhor.

Ps: atenção para o final pós-créditos.
Pps: saudações rubro-negras!