domingo, 30 de novembro de 2008

TODOS NO PAREDÃO

Quando comentei sobre o infame Big Brother Zombie, até estava empolgado com a possibilidade de sair algo minimamente divertido dali. O que eu não imaginava mesmo, ou talvez nem acreditasse de fato, era que o resultado fosse tão surpreendente. Pois bem, Dead Set, a série, é um filmaço (fazendo as contas... 1 piloto de 45 minutos, mais 4 episódios de 24-25... duas horas e vinte e poucos, é isso?). Então... duas horas e vinte e poucos minutos de podreira hardcore, numa das produções "de zumbi" mais carniceiras já registradas. Os caras do E4, talvez querendo fazer a diferença, pegaram realmente pesado no projeto. Violento e nauseante até para veteranos na mordeção cadavérica. Mesmo se valendo de algumas convenções recorrentes no gênero, Dead Set traz uma altíssima voltagem de tensão e grafismo, proibitivos para o público não-iniciado e reiterada pela mensagem "eu avisei" que introduz cada episódio. E se for seguir a recomendação "este programa é melhor apreciado em widescreen/surround sound e deveria ser assistido em uma sala escura" é o mesmo que concordar em sofrer uma parada cardíaca à prestação.


O logo oficial do BB
devidamente zumbificado
Dirigido por Yann Demange e criado pelo roteirista, comediante e quadrinhista britânico Charlie Brooker, Dead Set, se não traz um pingo de humor mais rasteiro, traça observações cáusticas sobre esse bicho, o ser humano. O que, se levarmos em conta que a maior parte da história se passa na própria casa do Big Brother, é quase como observar a mediocridade da espécie confinada em um tubo de ensaio. E pelo que se vê na série, os bróderes ingleses têm tanta relevância e profundidade quanto os brazucas (e, por extensão, todos os demais bróderes ao redor do globo). Os estereótipos são os mesmos, só muda o idioma. Tem o pitboy burraldo, a gostosa estressada, a gostosa acéfala, o introvertido, 01 negra, 01 gay e por aí vai.

Daí sai muita farpa do roteiro para se degustar (e para se lamentar) e é justo onde o conceito do reality show (existe?) converge com as sinistras marcações de um zombie movie: somos ao mesmo tempo nossos maiores aliados e nossos piores inimigos.

A princípio insólito, o crossover entre os dois mundos não demora em fluir furiosamente. Com a subversão de um ícone moderno do mainstream, fica claro que não existe cenário mais apropriado para essa montanha/roleta russa macabra. Crítica social que vai até o âmago do objeto de estudo, com um vigor que faria o próprio Romero circa Dawn of the Dead atacar a dentadas os incautos traseuntes de um shopping, tamanha a satisfação em ver seu legado se reinventando através dos anos.

Claro que essa tralha toda aí é puramente observação circunstancial. Subtexto e essência. Em termos práticos, a produção se vira tão bem em seu case ação-terror-pop que poderia figurar tranqüila ao lado dos melhores exemplares da nova safra - incluindo aí a releitura snydeana de Dawn of the Dead e os magnifícos Extermínio 1 e 2 (que, embora não sejam zombie pieces verdadeiros, emulam tanto de sua estrutura fílmica que seria uma heresia não co-relacioná-los).

A história parte dos bastidores do programa, onde somos apresentados à assistente de produção Kelly (Jaime Winstone), ao produtor Patrick (o ótimo Andy Nyman) e aos participantes do programa, prestes a trocar o Big Brother por uma versão doentia do Survivor. No primeiro episódio, a dinâmica avassaladora por trás de um líder de audiência dá o tom e traça rápidos perfis dos protagonistas. Interessante como a doce e prestativa Kelly, a mais próxima de ser a "mocinha" aqui, de cara transgride alguns dos principais tabus que separam sobreviventes de presuntos nos filmes de terror: sexo, fidelidade e afins. Entendo isso como uma analogia ao fato de que no universo dos zumbis nada é exatamente preto ou branco, bom ou mau e por aí vai. Então a regra jurássica não se aplica? A resposta vem, mas só no final.

Já o insidioso Patrick, o Boninho do Reino Unido, desde a primeira cena não dá muita margem para especulação: é um dos mais arrogantes, traiçoeiros, escrotos e cruéis vilões do cinema em muito, muito tempo. Esse vai pra galeria. Veja bem... você tem vilões que não dão a mínima para a dor, sofrimento e morte que causam, muitas vezes por mera incapacidade de estabelecer vínculos emocionais com seus atos, como foi o caso de Burke (Paul Reiser), de Aliens: O Resgate. É a definição do psicopata corporativo. E também temos aqueles que sabem exatamente o dano que estão causando, mas não hesitam em se promover ao status quo da humanidade, como o ricaço Kaufman (Dennis Hopper), em Land of the Dead. Patrick é uma mistura bastarda dos dois, com sotaque britânico, sociopatia aguda e narcisismo terminal. Memorável, mesmo quando o ideal seria apagar da memória um filho da puta desse calibre.

Contando com pontas de vários ex-participantes da casa - afinal os zumbis precisam se alimentar - não deixa de surpreender a entrega generalizada do elenco de apoio, que parece mesmo estar em uma situação real idílica violentada por uma situação real caótica (a seqüência da invasão dos zumbis no estúdio é espetacular). Talvez isso esteja relacionado à natureza visceral do gênero, que não reserva espaço para poses fake ou glamourização de porra nenhuma, principalmente na hora em que a casa está caindo. Destes cameos um tanto curiosos, o destaque vai para Davina McCall, atriz e apresentadora do BB britânico, no papel dela mesma, tomando o lugar que por direito deveria ser do Pedro Bial, mas só se fosse pra valer.

De crítica pungente a diversão pop por excelência, Dead Set é uma experiência singular. Fica a torcida para que o DVD (lançado no início de novembro na Inglaterra e cheio de cenas extendidas, deletadas e ultra-sanguinolentas), também saia por aqui. Nada mais justo, após tantas edições de imbecilidade televisionada em flashes ao vivo.

Aliás... fosse preciso um apocalipse zumbi pra dar cabo do reality show, por mim já tava valendo.