quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Welcome home, HALL🎃WEEN!


Halloween é um filme pouco compreendido. Especialmente aos olhos mais jovens. Dou um desconto para a geração "not impressed": mesmo imerso em projeções e chafurdações sobre a época, é difícil mensurar o impacto que a obra de John Carpenter e Debra Hill teve quando foi lançada em 1978. Uma produção B de 90 minutos com um assassino mascarado trucidando adolescentes não era dos projetos mais arrojados. E tampouco inédito. Mesmo assim, rendeu uma bilheteria mais de duzentas vezes maior que o seu orçamento.

Porém, Halloween não foi o primeiro de sua espécie. O gênero slasher já existia na prática há pelo menos 4 anos, com O Massacre da Serra Elétrica. E em conceito, desde as insanidades do Grand Guignol, ainda no século XIX, e atualizadas em 1931 com M, o Vampiro de Düsseldorf. Nem precisa tanto: estabelecendo o Big Bang estilístico-sanguinolento em 1960, com os clássicos Psicose e Peeping Tom, já está de bom tamanho.

Então, por que a comoção? Meu palpite: a ambientação.

Já comentei isso antes. Na época, o cinema de horror ainda era atrelado a lugares distantes, estranhos, inóspitos - ou tudo isso ao mesmo tempo. Florestas, castelos no leste europeu, mansões e até os cafundós do Texas. Nada muito próximo da rotina da vida urbana. As raras exceções só confirmavam a regra (e eu diria que O Exorcista foi o 1º passo nesse sentido). Com Halloween, Carpenter e Hill transportaram o horror para dentro do subúrbio e suas ruas, esquinas, quintais e casas.

Michael Myers espreitando entre arbustos, edículas e as roupas no varal era a certeza de que o terror finalmente estava chegando até a vida real. A influência foi longeva e completa agora um ciclo macabro, exatos 40 anos depois, no Halloween 2018.


É de admirar que o diretor David Gordon Green junto com Jeff Fradley e o comediante Danny McBride tenham concebido uma história tão climática quanto a original, destacando a natureza atemporal da premissa, mesmo numa época tão "conectada". É algo que nem a dupla Carpenter/Hill conseguiu reeditar totalmente no meio-bom Halloween II (1981), nem as suas outras seis irregulares sequências, nem o controverso e bom remake e nem a continuação ruim desse controverso e bom remake.

Obviamente, para que a coisa funcionasse, toda a tralha narrativa acumulada na franquia foi sumariamente ignorada. A ordem é back to the basics - ou, no caso, ao 1º filme.

Quatro décadas após aquela noite pavorosa, a final girl seminal Laurie Strode amarga uma realidade pós-traumática, armada até os dentes num muquifo isolado, em permanente estado de alerta. A vida seguiu, contudo: ela tem uma filha, Karen, e uma neta, Allyson, das quais se viu afastada devido ao seu comportamento paranóico e superprotetor. Ela sabe que é só uma questão de tempo até Michael Myers vir ao seu(s) encalço(s).

Durante todos esses anos, Michael (James Jude Courtney e o "Shape" original Nick Castle) esteve internado num rehab judiciário completamente mudo e sem reação. Um verdadeiro enigma para o psiquiatra Ranbir Sartain, que assumiu o caso após o Dr. Loomis. Até que um dia, um casal de podcasters arranja uma entrevista com Michael sobre aquela fatídica noite de Halloween... e o resto é a história.

É uma delícia ver Jamie Lee Curtis revisitando sua inesquecível personagem de estreia nos cinemas com toda a cancha e timing dramático de veterana. Dá quase pra comentar que "ela está se divertindo muito no papel", o que implicaria que ela não estaria levando nada daquilo muito a sério - e é exatamente o contrário, oras! Mesmo contido, o trauma de Laurie é tão palpável quanto um muro chapiscado e seus TOCs reativos - particularmente quando confrontada na cena da entrevista e, depois, no restaurante - já trafegam muito ao longe de uma mera atuação.

É uma mestra.


Judy Greer (a filha) e Andi Matichak (a neta), embora não pareçam a priori, também são um elemento essencial nesse enredo - possivelmente representando uma revisão atualizada da mensagem da série. E são igualmente parte de um dos melhores aspectos do filme: o storytelling, essa grande arte perdida.

Da babysitter gente-fina (Virginia Gardner), à dupla de podcasters (Jefferson Hall & Rhian Rees), ao marido de Karen/pai de Allyson (Toby Huss) e mais alguns outros: são todos bem escritos, respiram e têm ideias. Nenhum deles, por mais esquemático e figurativo que seja, soa aborrecido ou desinteressante. Em suma, ninguém tem cara de presunto ou merece morrer por ter sido mal-comportado, nem nada parecido.

Will Patton como o xerife Frank Hawkins claramente se sabe onde vai dar, apenas porque é o Will Patton ali - algo parecido com uma escalação do Sean Bean pra qualquer papel. E uma boa surpresa foi o veterano ator turco Haluk Bilginer como o Dr. Sartain, responsável por alguns minutos de puro WTF?! durante o filme. Esse deve virar a noite no carteado.

Halloween traz uma batelada de referências e tributos ao original, incluindo flashbacks e até momentos que mimetizam frame-a-frame algumas cenas do filme de 1978 (Laurie entediada na aula ontem é a Allyson entediada na aula amanhã). Também temos alguns easter-eggs relacionados às sequências e até uma alfinetada no parentesco entre Laurie e Michael empurrado pelo filme II. Boa.

Embora Laurie padeça da "síndrome de Sarah Connor em T2", o recurso é utilizado de forma muito mais profunda e tridimensional. Quando finalmente percebemos do que realmente trata a psique em frangalhos de Laurie, nossa percepção é alterada o suficiente para apostarmos em quem é o caçador e quem é a caça naquele cenário - ou melhor ainda, quem é o bicho-papão.

Ao meu ver, a ideia de ter assistido a um bogeyman versus bogeywoman fica mais do que justo.


Não é apenas pela dica do pós-créditos: Michael Myers provavelmente voltará. Ele que se cuide.

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