quinta-feira, 31 de agosto de 2023

A insustentável complexidade do simples

Comentando sobre o Rick Beato outro dia, comecei a rever alguns vídeos antigos dele e me diverti demais. Produtor, engenheiro de som, compositor, multi-instrumentista e educador universitário, o músico nova-iorquino usa sua incrível articulação – e seu ainda mais incrível ouvido absoluto – para levar aos neófitos os rigores da teoria musical de maneira prática, espirituosa e mastigadinha. O que rende muito em suas entrevistas, causos de bastidores e análises de sucessos pop.

Foi nessa última que ele descobriu "a música pop mais complexa de todos os tempos". Que foi lançada por um brasileiro®...


Ok, artisticamente, "Never Gonna Let You Go" é tão brasileira quando "Sweet Home Alabama". Sérgio Mendes, ou Sergio Mendes, a incluiu em seu álbum homônimo de 1983 apenas porque precisava de uma balada para dar uma quebra no clima festivo e carnavalesco do disco. E saiu dali com um hit mundial nas mãos. Talvez o seu maior, o que é notável.

Mendes, radicado nos EUA desde 1964, foi um gigante pop nas décadas de 1960-1970. Contabilizou alguns sucessos, como "The Look of Love", "Scarborough Fair", a versão de "The Fool on the Hill", dos Beatles, e, lógico, o clássico "Mas que Nada", do Jorge Ben. Foi indicado várias vezes ao Grammy (levou alguns) e até ao Oscar. Tocou com Deus, na figura de Stevie Wonder, e o mundo. Tocou na Casa Branca para dois presidentes – não que isso valide alguma coisa, mas é a moralzinha agregada. Sacumé.

Lembro de crescer ouvindo "Never Gonna Let You Go" tocando sem parar em tudo que canto, em rádios, novelas, na casa vizinha, na rua. Por décadas. É daqueles standards do gênero adulto contemporâneo que não saem nunca das 50+. Mas sempre notei que havia algo muito estranho naquelas progressões de guitarra e vocais. E por "sempre", leia-se "sempre". Mesmo.

Iria para o túmulo com essa, mas graças aos céus pelo Rick Beato. E só levou 40 anos.

Ps: às vezes as canções pop mais simples são mais difíceis do que se imagina...

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

This is not my idea of a good time

Line up do Reading Festival '98. Só de bater o olho, a pupila se dilata com a (então) relevância comercial do Garbage se sobressaindo à relevância histórica do New Order. E foram os únicos laureados pelo critério, visto que o mesmo não ocorreu nos dias anteriores.

25 anos depois, a banda ainda não esqueceu. Principalmente a frontwoman Shirley Manson.

“25 anos atrás. Passei o dia inteiro me sentindo mortificada por sermos a atração principal acima do New Order. Foi no mesmo verão que alcançamos os postos mais altos, acima de Bob Dylan, Nick Cave e Patti Smith. A cada vez queríamos rastejar de vergonha aos pés de nossos heróis.
Mas éramos jovens e inexperientes. Ainda não tínhamos aprendido que a indústria da música não trata seus veteranos com mãos gentis.
No devido tempo, desfrutando do grande privilégio de permanecer por aqui, nos encontramos em posições similares nas escalações dos festivais, conforme enfrentado por nossos heróis antes de nós. Viemos a aprender que é a ordem natural das coisas. As posições das escalações têm pouca influência em qualquer coisa além do simples continuum da vida.
Estamos gratos por ainda estarmos aqui. Brincar e surfar e planar através do tempo enquanto é curado pelas pessoas. Vocês, pessoas – agradecemos por nos permitirem um lugar à mesa por mais de 25 anos. Estamos para sempre em dívida com vocês.”
Palavras sóbrias e com uma honestidade pungente sobre a natureza do business. Em especial nos dias atuais, num cenário pop onde os astros são youtubers e tocadores de pendrive...

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Giménez e os Defensores do Universo


Mestres da Aventura e Ficção é mais um lançamento espertíssimo da Tai Editora. Trata-se de uma antologia de histórias de, duh, aventura e ficção científica produzidas na Argentina durante os anos de chumbo. Apesar de Emilio Balcarce e Juan Zanotto responderem por 2/3 do compilado, dava para enxergar a presença do gigante Juan Giménez a parsecs de distância só pela capa.

E aí vem um momento confissão: decidi apoiar o projeto porque a arte me lembrou uma mistura de Prometheus com Masters of the Universe...

Ps: há pouco, a edição recebeu um recall da Tai. Parece que alguns exemplares saíram com a ordem das páginas trocada. A ver. Mas é assim que faz, editoras.
Pps: por aqui, tudo oquei, com a graça de Kirby.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

O Silo da Caverna


Assisti a 1ª temporada de Silo há alguns dias e minha cachola ainda está fervilhando. Vou além: neste momento, tudo o que queria era contratar os serviços da Lacuna, de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, e apagar esses 10 episódios da memória. Só para experimentar tudo de novo do zero, clean install. Não que a série de Graham Yost seja um diamante perfeito, não mesmo. Mas ela envolve até a medula. Já chego lá.

Silo é co-produzido pela AMC para a Apple TV+, cada vez... +... ganhando terreno da concorrência com seu catálogo diversificado e interessantíssimo.

A história é uma adaptação da série de livros Wool, iniciada em 2011 pelo self-made bestseller Hugh Howey. O escritor é relativamente novo no mercado – suas primeiras publicações datam de 2009 – e já registra um volume de produção impressionante. Molly Fyde, The Sand Chronicles, Beacon 23 e Wayfinding são algumas das séries de livros que ele vem lançando sem parar. Todas autopublicadas em parceria com a Kindle Direct Publishing, do nosso tubarão do varejo predileto, e em acordos diretos com distribuidoras. Mas foi Wool, com seus nove títulos (e mais um a caminho), que acertou em cheio a Maçã.

Inicialmente, a obra seria adaptada para o cinema pela finada Fox. Graças aos céus pela fome do rato corporativo. O conceito de um mundo fechado, opressivo, Orwelliano, pós-apocalíptico, se desenvolve muito melhor de forma seriada. É um caso que lembra, inclusive em premissa, a graphic novel O Perfuraneve, de Jacques Lob e Benjamin Legrand, adaptada para os dois formatos live action.

Wool também ganhou quadrinização escrita por Jimmy Palmiotti e Justin Gray com desenhos de Jimmy Broxton. Saiu pela Grande Irmã mesmo.


Rebatizar Wool para Silo foi, sobretudo, providencial. Além de funcionar igual para uma porrada de idiomas, é uma palavrinha que captura a essência da série, inclusive sua natureza misteriosa e claustrofóbica. O tal Silo é uma estrutura subterrânea abismal que abriga 10 mil pessoas distribuídas em 144 níveis. É uma comunidade autossustentável administrada pelos xerifes de cada setor, pela prefeita, pelo chefe de TI e pelo temível Judicial. Tudo é controlado com rédea curta, da taxa de natalidade ao acesso à informação, inclusive as de natureza histórica.

A ambientação e as condições são muito similares às do filme Cidade das Sombras (City of Ember, 2008), com Bill Murray e Saoirse Ronan. Que também foi adaptado de um livro, The City of Ember, de Jeanne DuPrau, lançado em 2003, oito anos antes de Wool. 🧐

🧐 E se fosse elaborar mais, apontaria que o caso repete ipsis litteris o que ocorreu com o livro/filme Running Against Time (1986/1990), e o livro/série 11.22.63 (2011/2016). Mas isso é papo para outra vez.

O Silo existe há gerações imemoriais. Ninguém sabe quem o construiu, nem por quê. O que se sabe é que houve uma grande revolução interna em determinado momento. Para prevenir novos distúrbios, os chamados Fundadores criaram o Pacto, um calhamaço de leis draconianas para serem seguidas à risca. Entre os maiores crimes, estão a posse de objetos pré-revolução, de brinquedos a HDs (comumente ligados ao passado pré-Silo), a busca por informações sobre as origens do lugar e até avanços tecnológicos/científicos não autorizados.

Mas ainda existe a ofensa mais grave, que parafraseia o nosso Capitão Nascimento: pedir para sair.

Tudo o que os habitantes do Silo conhecem do mundo exterior está exibido em monitores ligados a uma única câmera. O alcance do equipamento é limitado: o pouco que se vê é uma paisagem estéril e inóspita. Quem se atreve a sair, mesmo com traje de proteção, morre fulminado após 1 ou 2 minutos. Mas não sem antes atender um último pedido dos residentes, que é levar um pano para limpar a lente da câmera, já bastante empoeirada (por motivos óbvios) – daí o substantivo "Wool", de tecido de lã, em contraponto com a gíria "Wool", de coragem, determinação, caráter.

Isso parece remeter diretamente à engenheira Juliette Nichols, personagem defendida pela atriz sueca Rebecca Ferguson.


Em Nichols, Ferguson desenha uma autêntica anti-heroína, mas orgânica, com seus traumas, falhas e valores pessoais lhe servindo de guias – ou obstáculos, dependendo da situação. Já é uma das minhas personagens favoritas dos últimos anos. Infelizmente, não dá para esmiuçar os detalhes sem comprometer a experiência inteira.

Em geral, costumo fugir de premissas mystery box que enrolam o espectador ad eternum, mas o caso de Silo, assim como o de Ruptura, é de puro talento mesmo. Cada episódio é, no mínimo, um espetáculo técnico e artístico. O design de cenários e figurinos é absurdo, com muita influência steampunk. E o elenco brilha na escuridão.

É impossível não passar a temporada inteira pensando no Xerife Holston, personagem de David Oyelowo, e sua esposa, a técnica de TI Allison Becker, da talentosa Rashida Jones. Só assistindo para entender a extensão desse elogio. Outro destaque é a britânica Harriet Walter, que confere humanidade e sabedoria como Martha Walker, veterana engenheira elétrica e uma figura materna para Juliette. Já o ator e rapper Common, mesmo carismático, se limita a uma austeridade meramente clichê com seu Robert Sims, o ameaçador chefe de segurança do Judicial.

Quem é escolado, sabe exatamente por que o Will Patton está ali no meio, como o Delegado Marnes. Provavelmente o telefone do Sean Bean estava ocupado. O exato oposto é o ator escocês Chinaza Uche, como o delegado aspirante Paul Billings. Pai de família exemplar, Billings é um ex-associado do Judicial. Apesar de adepto fervoroso do Pacto e do sistema, ele esconde que é portador da Síndrome, uma condição que causa tremores e o desqualifica para o cargo. Papel ambíguo e repleto de camadas, que Uche potencializa com discreta maestria. Uma atuação imensa que vai se revelando (bem) aos poucos.

Sem maiores comentários sobre o grande Tim Robbins no papel de Bernard Holland, o pragmático chefe de TI. Apenas que Robbins não é um calouro em futuros autoritários e distópicos. E que, além disso, também figurou no elenco subterrâneo de Cidade das Sombras...

Claro que é preciso comentar sobre o início, o meio e o fim com aqueles SPOILERS MOLEQUES NO TEXTO OBSCURECIDO.

No desktop e notebook é só marcar o texto. No celular, é Até a próxima, pessoal!


Para mim, David Oyelowo e Rashida Jones entregaram as melhores atuações da série. E isso é um problema, já que ambos vão para o céu distópico logo nos dois primeiros episódios (!). O trabalho dos atores foi tão marcante que fica a expectativa de que eles retornarão vivos e serelepes na reviravolta final. Vai querendo.

Amo a Rebecca Ferguson (ei, Becky, luv u!). Até hoje, sua assustadora e sexy Rose Cartola, de Doutor Sono, não sai da minha cabeça. Mas Juliette e seu tom introvertido, com um certo TEPT, não coaduna com o de sua contraparte mirim, interpretada pela ótima Amelie Child-Villiers. Nada que atrapalhe, porém.

Toda a sacada da Martha Walker mobilizando esforços da Mecânica para trocar as fitas de vedação e salvar a vida de Juliette no mundo exterior foi antológica e emocionante. Mas nunca é explicado por que o ar externo é tão letal. Pela velocidade das mortes, dá para descartar radiação e patógenos. Só pode ser algum agente químico, desses de uso militar. Porém, quando Juliette cruza a borda da cratera, se vê ao longe a silhueta de uma metrópole em ruínas (que já descobriram ser Atlanta — https://imgur.com/a/KwSPW1i ), o que inviabiliza minha teoria. Em parte.

Outra tese que foi para o vinagre é a de que tudo não passava de um O Show de Truman pós-apocalíptico. E que o personagem de Robbins exercia o mesmo papel de Ed Harris naquele filme(aço). Parecia uma boa.

Fica claro que o holograma de uma Terra verdejante e cheia de vida é exibido apenas no visor do capacete (que tecnologia, hm?). Mas não explicam a motivação de todo esse engodo para alguém com apenas mais alguns segundos neste plano. Conforto na hora da morte seria uma explicação, se o Judicial ou o TI tivessem alguma empatia por alguém. É mais provável que seja um incentivo para o condenado limpar a câmera e revelar para todos os internos a linda paisagem que só ele está vendo. Que sacanagem.

Na cena final, é revelado que eles são vizinhos de vários outros Silos – no mínimo 18, se considerar a numeração do HD-MacGuffin com o desenho estrutural da edificação. Inclusive a porta gigantesca que jaz nas fundações do Silo deve ser a ligação com os demais. Neste caso, eles são, literalmente, "vizinhos de porta".

E por que a tal porta sempre foi mantida fechada e deliberadamente apagada dos registros? O que escondem os outros Silos? Ou quem...



Se na próxima temporada (já confirmada) ao menos metade destas questões for respondida, topo até um tour pelo Silo.

domingo, 20 de agosto de 2023

“More than words to show you feel...”


O retorno do Extreme após 15 anos de molho foi marcado da forma mais rock and roll possível: com um incendiário solo de guitarra. Crédito para o virtuose Nuno Bettencourt. O vídeo da música "Rise" bateu 1 milhão de visualizações só na primeira semana e seu engenhoso solo foi elogiado por gente como Justin Hawkins (The Darkness) e o multi-instrumentista e produtor Rick Beato. Merecido.

E não custa lembrar que o guitarrista luso utilizou a mesma técnica na música "Peacemaker Die", do álbum III Sides to Every Story, de 1992. É praticamente o mesmo solo, mas, na época, passou batido. Faz parte.

O reencontro de Nuno com o hype também rendeu suas turbulências – e fazia tempo que não surgia uma treta rockeira interessante.

Durante o gap no Extreme, o músico integrou a banda ao vivo da diva pop Rihanna, onde precisou assimilar uma variedade de estilos além do rock. O que não era nada novo para ele, tendo em vista (e ouvidas) suas colaborações anteriores com Robert Palmer, Perry Farrell, Lúcia Moniz e Toni Braxton, entre outros. O cara é bom. E sentiu que precisava lembrar isso ao mundo.

Em entrevisa à rádio inglesa Planet Rock, Nuno caminhou até a proa e bradou a plenos pulmões:
“Quando alguém como Rihanna te chama para tocar, todo mundo pensa ‘oh, que fofo. É uma artista pop, que seja’. Deixe-me dizer uma coisa, o que eu tinha que fazer noite após noite... botar um chapéu de reggae para um lance de reggae, em seguida tocar um R&B, então tocar algum punk rock e pop rock que ela fez, e então faixas dançantes de clube. Todos os tipos (de coisas), todas essas sensações diferentes. Desculpe, mas a maioria dos guitarristas que admiro não conseguiria fazer aquele show em seu tempo de vida. Digo isso da maneira mais elogiosa possível. Slash é um dos maiores guitarristas de rock de todos os tempos, mas eu garanto – e ele seria o primeiro a dizer a você – que se ele tentar tocar uma introdução limpa para 'Rude Boy' de Rihanna, não vai acontecer. Ele teria que lutar. Acredito que se eu não fosse tão diverso musicalmente e conhecido todo tipo de música quando era mais novo, não teria como estar nessa. E também ser aberto, ser um músico aberto no sentido de absorver tudo.”
Quem não ficou nada satisfeito com a declaração foi o Richard Fortus, guitarrista do Guns 'N Roses e amigão do Saul Hudson.

E instagramou seus sentimentos:


O que, no idioma de Luiz Carlini, quer dizer mais ou menos...
“Eu tenho que respeitosamente discordar. @nunobettencourtofficial é um dos grandes, com certeza. No entanto, há muito pouco que @slash não poderia fazer na guitarra (se ele quisesse). Eu fiz turnê com Rihanna antes de Nuno e passei muito tempo tocando com Slash. Este show não seria uma luta para ele.”
A reação de Nuno foi, metaforicamente, extreme escrevendo um TCC de morde-e-assopra em formato de Bíblia, Guerra e Paz e catálogo telefônico:


Resultando na seguinte revisão do que me entregou o Google Translator:
“Bem... sabia que isso eventualmente iria acontecer.

Você não pode ser abençoado e estar em várias capas de revistas de guitarra aos chocantes 56 anos de idade, receber tanta atenção por sua forma de tocar e pelo novo álbum como um guitarrista de rock sem que algum outro guitarrista agite alguma merda.

Estou respondendo a isso não porque eu dou a mínima para o que esse guitarrista pensa sobre mim, mas, em vez disso, porque eu odiaria pensar que minhas poucas palavras ofenderam um herói meu, @slash e possivelmente foderam meu relacionamento com ele.

@4tus eu ‘respectivamente’ nunca ouvi você tocar uma nota em meus 56 anos de vida e só sei seu nome do acampamento Rihanna e como um músico substituto no Guns.

Tenho certeza de que você é um músico decente, mas você realmente precisava repassar uma manchete que me fez parecer que estou falando mal de um colega músico, Slash.

Como se eu fosse pensar que Slash não é capaz de tocar nenhuma música da Rihanna enquanto dorme.

Vamos esclarecer uma coisa. Para mim, Slash é um dos maiores guitarristas de rock da minha geração e de todos os tempos. PONTO.

E @4tus, se você me conhecesse e onde está meu coração, saberia que o que eu quis dizer nesta declaração não era sobre Slash ou sua capacidade, era sobre guitarristas de rock como eu ou Slash trocando de estilo e a estranheza de tocá-los.

É óbvio que Slash pode tocar essas músicas, muito obrigado por apontar isso como se nós já não soubéssemos.

Mas para mim, como um guitarrista de ROCK predominante, obviamente não sou tão talentoso quanto você e achei um desafio acertar todas as diferentes pegadas e tons de guitarra de gêneros como Reggae, R&B, Electronic Dance, Trap e pop.

No que diz respeito à minha afirmação ridícula de que Slash iria ‘lutar’, sim, uma má escolha de palavras da minha parte, eu pessoalmente espero que Slash, que é um colega e uma influência, seja mais maduro o suficiente para entender o que eu realmente quis dizer como guitarrista por esse comentário.

Ao mencionar Slash como um exemplo icônico do Rock, quis dizer que, em geral, um guitarrista de rock o acharia, NÃO UMA LUTA, mas se sentiria como um peixe fora d'água como músico.
ISSO É TUDO QUE EU DISSE.

Eu não tive NADA além de respeito e admiração por @gunsnroses e @slash.

Peço desculpas se ofendi alguém sem querer.

N.”
Difícil tomar algum partido quando os dois têm sua cota de razão. Nuno, por observar os rigores de alguns (grandes) músicos do rock e Fortus, por observar o modo canhestro de Nuno afirmar isso.

De qualquer forma, esse episódio me lembrou algo que o baixista Jason Newsted articulou em entrevista à Rock Brigade sobre a diferença entre Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, e James Hetfield e Kirk Hammett, seus ex-companheiros de Metallica.


Entrevista a Fernando Souza Filho — Rock Brigade #190 (Maio/2002)

E ainda concluiu com uma voadora no Yngwie Malmsteen. Assim é que se faz, Nuno.

Jason é o cara.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Enquanto isso, na redação da Conrad...

Finalmente algo concreto sobre a edição revisada e ampliada do icônico A Guerra dos Gibis, do jornalista e pesquisador Gonçalo Junior.

E rufem os tambores...



Bem, uma imagem (de capa) vale mais que mil palavras.


Mas salvo duas:

Porra, Conrad!

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Lana & Clark


A Rede Brasil vem mantendo um combinado bacanudo de séries live action do Superman em sua programação noturna. O Filho de Krypton costumava aterrissar exclusivamente nas noites de quarta – ou, como era carinhosamente vendida, na Superquarta. Mas ultimamente tem se fragmentado também pelas terças.

Pegaram de tudo. Desde o romcom Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman e o folheteen Smallville: As Aventuras do Superboy, que envelhece dignamente apesar da saturação e da sensação cabulosa de ver a Allison Mack saltitando por ali, até As Aventuras do Super-Homem, o "Superman PB" com George Reeves e as melhores Lois Lane's saídas dos quadrinhos – as maravilhosas Phyllis Coates na 1ª temporada e Noel Neill nas demais.

E ainda um produto kryptoniano adulterado que nunca tinha ouvido falar: Superboy. O seriado é coisa dos picaretas Ilya e Alexander Salkind, produtores dos três primeiros filmes do Super. Entre 1988 e 1992 foram produzidos 100 episódios em impressionantes 4 temporadas. Ao que consta, manteve uma boa audiência nos EUA. Como, só Rao explica.

Os efeitos são de uma trasheira olímpica. Chapolin perde. A estética é de produção Z com figurinos de pornô softcore.

O elenco é pavoroso. Os Superboys John Haymes Newton (na 1ª temporada) e Gerard Christopher (nas seguintes) são canastríssimos. E Stacy Haiduk, como Lana Lang, também matou as aulas de artes cênicas. George Lazenby, o James Bond de 007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969), chega a fazer umas pontas como Jor-El.

Krypton deve ter rolado no que sobrou do seu eixo gravitacional.


Claro que sigo acompanhando. Gosto de testemunhar a catástrofe até o fim. Mas também tenho curiosidade por alguns episódios. Consta que vários quadrinistas trabalharam nos roteiros, incluindo gente como Mark Evanier, J.M. DeMatteis e Denny O'Neil. Pois é.

Os boletos dos anos 90 não eram brincadeira.

Ps: apesar da cara de fotonovela, a HQ spin-off era melhor, de longe. Li as 22 edições + especial quase numa tacada só.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Godspeed, Friedkin


William David Friedkin
(1935 - 2023)

Hoje à tarde estava relendo um artigo do saudoso Roger Ebert sobre a versão do diretor de O Exorcista, lançada em 2000 com grande badalação. No texto, ele explicava por que detestou as alterações feitas para o corte – em particular, o tom otimista cravado no novo final. Claro que o combativo William Friedkin rebateu cada ponto levantado pelo crítico, gerando um novo e divertidíssimo artigo.

E, num momento mais terno, o cineasta defendeu o final "alegre", pois era a oportunidade de mostrar um pouco mais do Detetive Kinderman, papel de Lee J. Cobb, falecido 3 anos após a estreia do original e de quem ele gostava muito. Assim era Friedkin.

Sempre foi um cúmplice die hard de seus atores. Mas também era um conhecido linha dura no set e colecionou diversos entreveros durante a carreira. E foram seis décadas dela.

Ele extraía o sangue de seu elenco e o resultado era sempre espetacular, ao menos no aspecto performático. Ali inexistia medo ou hesitações. Poucos poderiam reger trocas tão viscerais quanto as de Possuídos (2006) e Killer Joe (2011). Ou enfileirar na sequência três clássicos tão distintos quanto Operação França (1971), O Exorcista (1973) e O Comboio do Medo (1977 e, sim, o Sorcerer é um clássico no meu livro). Quer ação e porradaria? Dê um play em Caçado (2003), como papeamos outro dia, e confira algumas das cenas de luta mais criativas e sanguinolentas já filmadas.

E Jade (1995) é a naba que confirma a regra. Mas pelo menos tinha a Linda Fiorentino para compensar...

Com todas as transgressões e idiossincrasias, Friedkin talvez seja o meu diretor predileto. O fato de, justo hoje, ter dedicado uns minutos de leitura ao seu respeito não foi nenhuma coincidência sobrenatural. Foi hábito mesmo.

Thank you, Mr. Friedkin!

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Vida, o Grande Momento da Morte


As Muitas Mortes de Laila Starr traz uma premissa simplista: a imortalidade está prestes a ser descoberta e, no panteão divino hindu, a Morte é dispensada de suas atribuições. Pior ainda, é remanejada para a Terra, onde viverá como mortal no corpo de Laila Starr, uma jovem suicida. Inconformada, ela parte para uma caçada ao futuro criador da imortalidade, então ainda um bebê de nome Darius. A empreitada, cheia de contratempos, literalmente apresenta à Morte o sentido da vida. E da humanidade.

Lançada aqui em abril pela Devir, a mini em 6 partes foi publicada originalmente em fevereiro de 2022 pela BOOM! Studios. É uma das obras mais ou menos indie da sensação Ramnarayan Venkatesan, o Ram V. Atualmente, o roteirista indiano tem exclusividade com a DC, mas também escreveu para a Marvel até há pouco tempo. Não deixa de ser irônico ele criar uma obra tão existencialista e reflexiva enquanto trabalhava nas revistas solo do Venom e do Carnificina. Isso que é trafegar entre o luxo e o lixo.

O homem é um craque. Com um insuspeito bom humor, confere leveza e fluidez às camadas e transições – além de facilitar a compreensão da complicadinha hierarquia bramânica para os neófitos. A ex-Morte Laila Starr é uma protagonista improvável e irresistível, assim como a sua jornada de crescimento e adequação. Sua trajetória é um contraponto à de Darius e as duas se completam numa espécie de arco coming of age. Isso é novidade.

Por vezes, lembra a estrutura de Castelo de Areia, de Pierre Oscar Lévy e Frederik Peeters (e que virou filme do Shyamalan), mas a pegada é menos visceral e mais espiritualista. Neste colorido metafísico da condição humana, Neil Gaiman é sempre uma referência, mas talvez Hayao Miyazaki tenha tido uma maior ressonância aqui. Particularmente A Viagem de Chihiro, com o divino e o abstrato personificados por animais (Kah, o corvo funerário) e até objetos e lugares (o templo chinês do Sr. Wei). Filosofia da lisergia.



O traço do desenhista alfacinha Filipe Andrade tem uma discreta exuberância. Com linhas soltas, mas efetivas, as composições passeiam da simplicidade à complexidade. Por vezes, lembra algo entre uma estilização pop à Stuart Immonen/Jamie Hewlett e uma abordagem mais artsy e barroca, mais Ziraldo, mais Tarsila do Amaral. Exagero? Provavelmente. Mas a linda e tocante sequência protagonizada pelo caseiro Bardhan não merecia menos. É a minha predileta, por sinal.

E juro que ainda vi detalhismos à Sergio Toppi no decorrer da leitura. Que, aliás, é tão rápida quando envolvente. Ou talvez por isso mesmo.

São 120 e poucas páginas, mais as belas capas por artistas diversos, que passam voando. Impressiona, portanto, a imersão em temas inesgotáveis como o embate Eternidade X Finitude e a gradual mudança de perspectiva da Morte/Laila Starr, bem como suas novíssimas experiências humanas. Neste último, senti falta de mais background. Um exemplo é a cena em que ela está ficando com uma garota numa festa, no segmento "Virando fumaça", narrado do ponto de vista de um cigarro (!). Óbvio que gostaria de saber como ela chegou até ali, seus erros, acertos e tudo o mais.

O mesmo se aplica às divertidas interações com a deusa Agni, aqui vertida a uma secretária celestial, com Prana, o bon vivant deus da vida, e com Munmun, uma fantasminha simpática (e camarada). O texto de Ram V é delicioso e elas podiam ter durado bem mais. Isso me leva à única reserva que faço à HQ.

É compreensível o mistério sobre a imortalidade e suas consequências, afinal, não é esse o ponto central. Porém, a demissão precoce da Morte gera uma inconsistência cronológica: até a imortalidade ser desvelada, seus serviços seguiriam absolutamente necessários no mundo – e foram em várias ocasiões, só naquele microcosmo.

Mas dá pra arrumar jogando na conta da elipse. De outro modo, isso inviabilizaria a história e essa é daquelas que vão me acompanhar por um bom tempo...

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Durante a leitura, uma lembrança recorrente veio à tona com força total: A Desintegração da Morte, do imortal paulistano Orígenes Lessa. Publicado em 1948, o romance é curto e direto, com pouco mais de 100 páginas. Li pela 1ª vez na adolescência.

Fiquei impressionado com a distopia assustadora gerada pela imortalidade e suas consequências. É um take pessimista e paradoxalmente apocalíptico, na linha "cuidado com o que você deseja".


Recomendo demais.