Que
Jerry Siegel e
Joe Shuster comeram o pão que a
DC amassou por causa do
Superman, todo mundo sabe. A pindaíba da dupla foi nervosa: Siegel, a esposa e a bebê passavam fome num
apartamento minúsculo sob constantes ameaças de despejo e Shuster, quase cego e sem condições de desenhar, dormia em
bancos de praça. Já a DC, bem...
Superman tinha vendas mensais estimadas em
mais de 1 milhão de exemplares na época em que os dois foram demitidos.
Eventualmente (e por
intermédio de Neal Adams), a editora do Detetive resolveu levar à dupla alguma justiça, ainda que tardia e irrisória. Mas durante aquele meio-tempo, só restava a Siegel fazer o que sabia melhor, escrever. E muito. E com raiva, muita raiva. Ele escreveu inúmeras cartas diretamente para a DC descascando a editora e seus diretores.
Hoje em dia, Jerry Siegel seria infernal nas redes sociais.
Escavando ao acaso pelo site-lojão
MyComicShop, topei com algumas dessas correspondências à venda. Uma delas é a notória
"Maldição de Natal" que Siegel enviou para
Paul Sampliner, fundador da distribuidora Independent News Co., braço da National Periodical Publications, do grupo DC.
O que, decodificado pelo Google Translator e copydeskado pelo escriba da casa, seria algo como:
“Paul: Pode aumentar a alegria de sua festa de Natal saber que terei que ir para o Relief.* — Enquanto você ganha milhões com as minhas criações... — Você não me daria a chance de escrever novamente e ter uma vida decente. — Ao se apropriar do SUPERBOY, você me destruiu. — Mas todo mundo sabe como você recompensou o criador de SUPERMAN e SUPERBOY por ajudá-lo a fundar seu império de quadrinhos. — Você pode ver o que eles realmente pensam de você, não nas palavras deles, mas no que eles NÃO dizem... e nos olhos deles. — Eles sabem que você me destruiu por lucro e que não está oferecendo ajuda à minha família para que possamos sobreviver. — Como você pode usufruir suas conquistas, sabendo que elas estão sendo construídas sobre a minha carreira destruída? O DINHEIRO vale isso? Quando você enfrentar seu criador, ele aceitará as letras miúdas dos ‘#legalismos’ de seu advogado? Você está preocupado com sua alma imortal? — Quando você come, bebe e tem abrigo, lembre-se de que o homem que você destruiu enfrenta a pobreza. — Quando você comemorar na sua Festa de Natal, lembre-se que estarei lá em espírito, olhando para você, caminhando ao seu lado e perguntando: — POR QUE VOCÊ FEZ ISSO COM OUTRO SER HUMANO? — POR QUE VOCÊ ESTÁ ME FORÇANDO A IR AO RELIEF? — ENQUANTO EU VIVER, E DEPOIS, ASSOMBAREI VOCÊ E OS SEUS. DIANTE DE DEUS, COLOCO UMA MALDIÇÃO SOBRE VOCÊ. — Jerry Siegel”
* um dos programas assistenciais do governo americano.
Outra missiva era uma
singela lembrança a Jack Liebowitz, fundador da National/DC Comics, pelo casamento de sua filha. Nos dias atuais, uma medida protetiva e um processo por
stalking seriam certos.
“Querido Jack: Congratulações pelo noivado de sua filha Linda Ann com Ronnie Stillman de University Heights, Cleveland. — UMA VEZ, morei em University Heights, Cleveland, em uma bela casa, até que uma injustiça podre arruinou a minha vida e a minha carreira. — Sinceramente, Jerry Siegel — Criador do SUPERMAN”
Mas a carta mais surpreendente, sem dúvida, veio dos geniais
Jack Kirby e Joe Simon... em
apoio à DC contra o
malévolo Jerry Siegel!
“Prezado Sr. Liebowitz: Foi com um sentimento de profundo desgosto e vergonha que lemos a literatura malévola publicada por um antigo contemporâneo, Jerry Siegel. — Tendo sido anteriormente associados à sua organização em uma capacidade semelhante, sentimos que é nosso dever desmentir uma exibição tão chocante e indecente e assegurar-lhe que as opiniões mordazes do Sr. Siegel certamente não são compartilhadas por ninguém da antiga equipe da D.C. Estamos em contato com todos eles e eles estão tão indignados quanto nós com a injustiça deste ataque. — Tenha certeza de que sua justiça e generosidade, especialmente durante os anos de serviço de guerra, embora obviamente perdidas pelo Sr. Siegel, não foram esquecidas por aqueles que conhecem a verdade. — Sinceramente, Joe Simon e Jack Kirby”
Lembrando que, nesse período (
circa 1951), Kirby e Simon estavam nadando em dinheiro com os quadrinhos românticos que faziam para a Crestwood Publications. Só as revistas
Young Romance e a spin-off
Young Love, juntas, vendiam dois milhões de cópias/mês.
Seis anos depois, porém, o próprio Kirby passaria a sentir o que sentia Jerry Siegel.
Instant karma é isso aí. Felizmente, quem é Rei...