segunda-feira, 15 de julho de 2024

Sopão de letrinhas

Lendo sobre os longos floreios e solilóquios do quadrinista Don McGregor no delicioso livro Todas as Aventuras Marvel (valeu a dica, Luwig!), lembrei dos textões que frequentemente abarrotavam os gibis da Era de Ouro. E não estou só.

Do Facebook de Walt Simonson:

“Nyoka the Jungle Girl 12. Da história Clibo, Congo King. Pp 2 & 3. Charlton Comics. 1955. Estou postando isso como um exemplo de escrita de quadrinhos que vi recentemente, de tempos passados. De vez em quando, encontro alguém que está lendo meus Thors da década de 1980 e reclama de todas as palavras que precisa percorrer no quadrinho. E vejo o mesmo tipo de crítica dirigida ao trabalho de alguns dos meus contemporâneos. Gente, vocês não têm ideia. Duas páginas de uma história em quadrinhos cerca de 30 anos antes de nós. Adoro! É melhor você gostar de ler! LOL!!!”
Por "contemporâneos", certeza que ele se refere ao Chris e ao Claremont.

Pode ser algum desejo reprimido de encaixar um romance épico num gibizinho, mas o fato é que era uma carga desembestada de letras chegando ao ponto de soterrar a arte. Balões e recordatórios disputavam cada milímetro do quadrinho com os personagens. Era uma briga de foice e mesmo na Era de Prata ainda deixava vítimas famosas.

Infelizmente, a ausência de créditos também era uma constante naquela época. Não achei o nome desse Tolstói no Grand Comics Database e nem na própria HQ. Mas não duvidaria que tenha sido algum admirador do Ken Fitch.

Isso se não for o próprio!

6 comentários:

Valdemar Morais disse...

Acho que pra quem gostar de ler além de gibis, ter um certo volume de texto nas HQs nem sempre é um ponto negativo.

Eu mesmo acho o texto do Walt Simonson bem agradável em seu Thor e o do Monstro do Pântano de Alan Moore então flui como água morro abaixo.

Não é a quantidade de palavras que incomoda, mas o uso que se faz delas: se servem a complementar a arte, ok! Se é só redundância ou não levam a lugar nenhum, aí é de irritar até o bibliófilo mais devoto.

Em relação ao Chris Claremont, creio que o pessoal exagera um pouco. Sim, sou como muitos da nação quadrinística brasileira que o tinham em grande conceito como escritor antes de saber o "trajeto" percorrido pelo texto de sua máquina às nossas mãos - obrigado, Jotapê e redação Abril!

Mas em materiais editados já pela Panini encontram-se momentos tanto de recordatórios e balões escritos na medida ("X-Men - Deus Ama, o Homem Mata", "Eu, Wolverine") como eivados de uma verborragia desatada ("Liga da Justiça - O Décimo Círculo"). Não descarto, porém, que a qualidade divergente do argumento das referidas HQs tenham influenciado essas minhas impressões.

Aproveitando o ensejo, vale ressaltar também o caso oposto: do autor que sintetiza tanto o texto que a história quase fica incompreensível. Já tive em tempos recentes algumas doses de autores "visionários" de Marvel e DC que a mim soaram tão ou menos eloquentes que o Horácio.

Abraço, Doggma!


doggma disse...

Excelentes tópicos.

A edição da Abril descaracterizava tudo. Como não tinha ace$$o aos importados, só fui ter a real noção do que era ler Claremont, Thomas, Kirby, Englehart, Wolfman e outros com a Panini e a internet.

No caso específico do Claremont, ele ainda tem o hábito de narrar as cenas que o desenhista já está mostrando no quadrinho. Então, as alterações da Abril aparavam esses excessos, porém, é exatamente essa jornada irregular e imperfeita que valoriza ainda mais os pontos altos. Imagina ver a clássica cena de Wolverine no esgoto ou a morte de Jean Grey na Área Azul da Lua sem a carga verborrágica que veio antes? É tudo parte da experiência...

Alan Moore realmente concilia texto pesado com fluidez como ninguém. MdP, Miracleman e até o chatinho Promethea são um tour-de-force de leitura, mas longe de soarem prolixos e cansativos. Putz, A Liga talvez seja o maior exemplo disso.

Pra não ficar só em cima do muro, digo que o Bendis conseguiu fazer disso um exercício de estilo. E dos bons. E entendo completamente o ponto de seus detratores, só não coaduno.

Quando o autor é sintético/pretensioso e os desenhos ainda são confusos, aí ferrou...

Abração, meu amigo!

Luwig Sá disse...

Quase ninguém comenta isso, mas um grande Sr. Verborragia, contemporâneo do Claremont, é o Marv Wolfman. Confesso que li a maioria dos Titãs desse relançamento recente no modo leitura dinâmica. Por outro lado, vejo isso também como um sinal dos tempos, já que o escritor trabalhava com a noção de que um título mensal jamais voltaria a ser reimpresso, tendo, portanto, a obrigação de se repetir sempre pensando no ingresso de novos leitores.

Aliás, nesse contexto, dá sempre pra pular as duas ou três primeiras páginas do Dreadstar do Starlin. Se fosse editor de republicações assim, confesso que mandaria o preciosismo histórico (no sentido de História) às favas e cortaria* algumas coisas.

Abração.
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(*) Figa was right.

doggma disse...

Blasfêmia! Quero build up. Quero a crosta e as partes queimadas antes de chegar no miolo. Nem que seja pra zoar o roteirista depois.

Só não dinamizo a leitura dos Novos Titãs pelas artes do Pérez e do Barreto. Não dá pra passar correndo nesses aí. Pode o mundo estar acabando que tenho que parar pra apreciar.

A cronologia contínua tinha/tem um impacto direto na fórmula. Como assinala o Douglas Wolk várias vezes no livro, cada gibizinho tem que avançar a continuidade E ser amigável o suficiente para servir como porta de entrada para algum leitor novato.

E tome textinho de introdução, prólogo, infográfico e recordatórios de apoio nas primeiras páginas para aclimatar os neófitos.

Abç! ✂️

Valdemar Morais disse...

Eu acho que, num mundo ideal ou com uma editora mais corajosa, poderia ser como fazem com filmes: disponibilizar a versão original e a versão editada pra encadernados, nas quais as páginas de recapitulação poderiam ser facilmente substituídas por textos introdutórios, como o saudoso "Os fatos até o momento" ou simplesmente limadas do miolo da HQ!

Luwig, eu também defendo que o pessoal da Abril foi sábio em vários momentos nos poupando de trechos que só atravancavam a leitura. Eu só não perdoo a cagada que foi a linha Super-Heróis Premium.

Foi o que decretou o meu segundo hiato quadrinístico. O primeiro (1993-1998), a propósito, foi resultado das sequelas psicológicas da "leitura" de "Batman No Brasil" e a crença juramentada de que o Superman estava morto e o Batman paralítico para sempre. Ah, as crianças de 5 anos dos anos 1990...

Super-Heróis Premium me privou dos Vingadores de Busiek e Pérez, Capitão América de Waid e Garney, Homem de Ferro de Busiek e Chen e Thor de Jurgens e Romitinha, justo quando eu acabava de redescobrir os heróis Marvel em Heróis Renascem (mea culpa).

Tudo isso, é claro, sem falar no desfecho de Terra de Ninguém, o canto do cisne da saudosa editoria de Dennis O'Neil no Morcego. Malditos!

P.S.: Aproveitando o ensejo, Luwig, por influência do Doggma dei uma olhada em alguns posts do "The Pulse" e gostei muito! O texto sobre a icônica Batman Anual#3, com as HQs "Votos" e "Imagens", foi um agradável achado! Parabéns!

doggma disse...

Putz, Valdemar, nem fala na Super-Heróis Premium... Tive uma experiência semelhante à sua: fiquei afastado dos gibis durante os anos 1990 e quando comecei a ensaiar um retorno, lançaram essa linha. 10 contos a edição pra mim era impraticável, absurdo de caro. Fiquei mais uns anos afastado até a Panini finalmente pegar o bastão. Na época isso foi uma ótima notícia! :D

O Luwig não vale um copo de cachaça! Mas escreve bem pra diabo e entende mais de HQ do que 110% dessa indústria vital.