sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Zeros e uns nos trouxeram até aqui


Em 30 de abril de 1993, a World Wide Web entrava em domínio público. Três meses antes, o Jesus Jones já antecipava em Perverse o admirável cybermundo novo que surgia no horizonte. Trinta anos mais tarde, temos que convir que não é exatamente admirável, mas tanto a WWW quanto o disco foram divisores de águas. Perverse é o mais ousado e ambicioso registro do grupo britânico. Caso tivesse dado continuidade às trips revisionistas de 1991 e 1992, ele seria presença certa na leva seguinte.

Aliás, fico admirado em saber que a banda também curte.

Perverse está numa lista dos “10 álbuns matadores de carreira” não é à toa. O Jesus Jones vinha de sensação alternativa no Reino Unido com o debut Liquidizer, de 1989, ao sucesso mainstream com Doubt, de 1991, puxado pelo hit “Right Here, Right Now”. Até ali, seu techno-rock (ou rocktrônica) era associado às cenas rave e indie dance, mas também tinha ressonância com o público das rádios e da MTV.

Com Perverse, a história foi diferente. O tom do álbum era denso e sombrio, com muita influência de industrial e trance. A capa, estranhíssima, trazia um luchador sob um filtro psicodélico e uma saturação vermelha estoura-retina.

O figura Mike Edwards (vocalista, letrista, guitarrista, tecladista, faz-tudo) experimentou uma imersão tecnológica completa. Escreveu tudo em casa usando um sampler Roland W-30. Foi o 1º álbum gravado inteiramente por computador, com exceção dos vocais. As faixas foram registradas em jurássicos disquetes de 3½ polegadas (lembra disso?). A produção ficou a cargo de Warne Livesey, que trabalhou em discos do The The e vários do Midnight Oil, entre eles o clássico multiplatinado Diesel and Dust. Ele certamente encontrou ali o material mais esquisito de sua carreira.

A obsessão de Edwards por ciberespaço e pela revolução digital imprimiu em Perverse contornos de álbum conceitual.

De cara, em “Zeroes and Ones”, ele prevê, com notável precisão, os impactos positivos e negativos da internet na vida das pessoas. “The Devil You Know” tem camadas trance, climas orientais e recortes de guitarra onde se percebe nitidamente a influência da banda suíça The Young Gods. As animadas “Get a Good Thing”, “Magazine” e “Don't Believe It” atualizam a velha sonoridade, as soturnas “From Love to War” e “Yellow Brown” navegam em ondas synth DepecheModescas, “The Right Decision” traz um groove electro infeccioso, “Your Crusade” é uma paulada pop/rave'n'roll, o tribalismo industrial de “Tongue Tied” emenda na raivosa techno com Ø BPM de “Spiral” e no grand finale com o épico progressive house “Idiot Stare”. Um álbum espetacular.

E complicado de tocar ao vivo. Do setlist atual, apenas três faixas comparecem. Como o próprio Edwards comentou, foi uma abordagem fascista: “'essa é a canção, nada mais importa'. Havia músicas no álbum que os membros da banda não tocaram." E mesmo nas exceções, a execução ainda é cabulosa.

É o caso de “The Devil You Know”, a música de Perverse mais próxima de um hit.


Em várias aparições na TV e mesmo no DVD Live at The Marquee, de 2005, o riff – na verdade, uma saraivada de guitarras sampleadas à “Skinflowers”, do TYG – soa precário ao vivo. A menção honrosa vai para a esforçada apresentação no programa The Word, na ocasião em que promoviam o single.

Mesmo inevitavelmente ultrapassado pelo futuro, Perverse ainda soa refrescante e intenso. Uma experiência memorável de ousadia eletrônica de uma banda de rock em plena era grunge.

E, ao contrário de todo aquele futurismo e tecnologia de ponta, tive a K7 original. Comprada na Mesbla.

Bons tempos, ainda que low tech.

4 comentários:

Vicente Cardoso disse...

Ei Dogg, você também tem conta no (futuro) falecido twitter? Me passa aí para eu te seguir lá!

doggma disse...

Aí:

https://x.com/DoggDoggma

Nos últimos segundos da prorrogação!

Marcelo Andrade disse...

Anos 90 e sua elasticidade unica e incomparavel...grandes albuns, otima decada...

doggma disse...

Total. Pra mim, a última grande década para a música pop. Depois disso, o palco, literalmente, caiu...