hã... HELLBOY
Aos poucos os super-heróis patrocinados pelo coisa-ruim estão saindo do inferno. Desde o filme do Spawn, no longínqüo 1997, que não vem uma única alma boa do reino das trevas pra salvar os indefesos traseiros humanos (excetuando o Ozzy, no final do Little Nick). No momento, estou em stand-by from hell, aguardando notícias do enrolado filme do Motoqueiro Fantasma (Nicolas Cage deve rezar todo dia pra ver se sai). E me parece que já houveram conversações à respeito de um longa com o Etrigan também. Tenho certeza de que um dia algum executivo de Hollywood (da New Line ou da Lions Gate, de preferência) ainda terá a grande idéia de adaptar Lúcifer - Estrela da Manhã, do Gaiman. O inferno será pop, se Deus quiser. E não esperem muito de Constantine. Tenho quase certeza que aquilo não vai vingar.
Mas por hora, curvem-se, súditos das profundezas... a malevolência quadrinhística a serviço de Hollywood ganhou um novo fôlego: Hellboy finalmente chegou à terra do Carnaval. E boas notícias: o filme é ótimo! Aêêê...!
Não é pra menos... O diretor Guillermo Del Toro é gente que nem a gente. Ele é fanático por HQs, Cinema (com ênfase no gênero Horror), enfim... é o meu melhor amigo dos que eu não conheço. E ele empreendeu uma verdadeira cruzada pra realizar esse filme, principalmente para manter o grande Ron Perlman no papel principal ("eles" queriam Vin "Riddick" Diesel) - para maiores detalhes, confira a ótima entrevista publicada no Omelete, o templo do timing.
Outro fator que somou vários pontos na qualidade da produção foi o respeito de Del Toro com o material original. Sabiamente, ele manteve o pai do personagem, Mike Mignola, perto da equipe criativa do filme. Em geral, diretores de adaptações não estabelecem conexão alguma com os criadores, o que é uma lástima.
Acho que numa altura dessas, todo mundo já conhece o background de Hellboy. Eu mesmo, já escrevi sobre isso várias vezes aqui e antes daqui também. Campanha de conscientização, saca.
Essa cena original da HQ também comparece no filme, intacta
Ainda sem o tratamento digital... o resultado ficou maravilhoso
"Gente... olha... o Hellboy é demais, é o que há. Sabem o Grigori Rasputin? É, aquele monge russo doido que fez a cabeça e a esposa do czar Nicolau II...? Então... na verdade ele não morreu em 1916... no fim da 2ª Guerra, ele, Dr. Karl Ruprect Kroenen e Ilsa Haupstein, tentaram abrir um portal para o inferno, a serviço do Fürher... mas foram impedidos por um destacamento Aliado e pelo dr. Trevor Bruttenholm, especialista em paranormalidade... durante a batalha houve uma enorme explosão e, em meio aos destroços, lá estava ele... Hellboy... um guri vermelho com uma enorme manopla de pedra no lugar da mão direita..."
Foi mais ou menos isso. Lembro que, na época, coloquei umas imagens cool e uns providenciais scans também. Inclusive tinha um todo azulado do então exaurido scanner do Eudes, ex-OutZ (aliás, fico me perguntando como é que ele respirava naquela época. Eram mais de mil HQs publicadas todos os dias... nem a FedEx trabalhou tanto).
Voltando ao filme, fica evidente o conhecimento que Del Toro tem sobre o universo do Hellboy e o feliz resultado de sua interação com Mignola. Por exemplo: para saber exatamente como são os 15 minutos iniciais do filme, é só conferir o começo da história Sementes da Destruição, roteirizada por John Byrne e publicada no Brasil pela Mythos. Até a lapidar sentença de Rasputin está lá: "Eu prometi um milagre a Hitler, e a promessa foi cumprida". Pô, ouvir isso live-action é uma maravilha. Dá vontade de gritar pra todo mundo da sala que você já leu isso há muito tempo.
Algumas das poucas alterações foram muito bem-vindas. Liz Sherman (a gatinha deprê Selma Blair), não tem aquele sex-appeal todo na HQ. Aliás, nos quadrinhos, ela é até bem feinha, não sei se de nascença ou se por causa do traço "caixotão" do Mignola (com todo respeito). E quando ela usa seus poderes pirocinéticos (criação e controle do fogo), é impossível não lembrar da Fênix Negra. Fico só imaginando as possibilidades visuais que X-Men 3 terá com essa personagem.
Já o veteranaço John Hurt exibiu um notável desempenho no papel do dr. Bruttenholm. Ele ficou igualzinho à HQ, é incrível. Mais incrível ainda foi a atuação de Kevin Trainor, na juventude do mesmo. As inflexões vocais e os tiques faciais dos dois estão totalmente sincronizados, e o resultado ficou perfeito.
Eu tinha algumas reservas em relação ao personagem John Myers (Rupert Evans), que não existe na cronologia das HQs. Mas ele não atrapalha, muito pelo contrário. Ele funciona como um contraponto sensato ao sempre insubordinado, sarcástico, agressivo e gente-fina Hellboy.
Talvez o Kroenen - vilão bacana por excelência - poderia falar uma ou duas palavras, como nas HQs, pois aqui ele entra mudo e sai calado. Contudo, sua habilidade com armas afiadas já faz valer o ingresso, assim como o momento em que a sua carinha linda é revelada.
A história em si, não tem nada demais. Fora a origem do Hellboy, é o tradicional "heróis tentando impedir que os vilões destruam o mundo". Mas sem nada que lembre aquela responsa incômoda que mutantes e adolescentes aranhudos têm de levar nas costas em suas incursões cinematográficas. Tudo aqui funciona tão harmoniosamente, tão fluído e despretensioso, que lembra até aquela época em que você ainda se impressionava com um filme de ficção/aventura.
Outra coisa: a trilha de abertura é muito show. Se eu não me engano, é do Marco Beltrami. Baixará-la-ei (sic?).
Agora, o trabalho de maquiagem foi realmente impecável. Hellboy tem uma das cabeças maquiadas mais legais do Cinema, ao lado do Escuridão (personagem tenebroso interpretado por Tim Curry no filme A Lenda, de 1985) e do hors concours Predador (Van Damme, durante uns 10 segundos, e depois Kevin Peter Hall).
Sem falar no trampo inacreditável que fizeram no Abe Sapien, mil vezes superior ao original. Foi um personagem que rendeu trabalho pra dois atores: Doug Jones na batera e David Hyde Pierce nos vocais. Um trabalho explêndido, que enche os olhos, e me faz pensar se eu não deveria ter prosseguido com a carreira de maquiador (brincadeira...).
E antes que alguém reclame que colocaram muito enchimento no peitoral do Hellboy, fique sabendo que aquele é o corpo do Ron Perlman de verdade. Só pintaram de vermelho. Quando eu chegar aos meus 54, vou comparar e tomar vergonha na cara.
Que venha Hellboy 2!
E Hellboy 3, 4, 5, 6... um por ano tá bom.