sexta-feira, 11 de fevereiro de 2005

ESQUEÇA COMPARAÇÕES


Nesses tempos de marketagem audiovisual agressiva, é natural que uma boa propaganda de um produto cause uma certa desconfiança, principalmente em termos de Cinema. Afinal, qualquer cinéfilo mediano já passou mais de uma vez pela experiência ir ao cinema seduzido por teasers, spots ou trailers acachapantes e ter uma bela decepção. Então, o que anda acontecendo? Os profissionais de propaganda estão melhores que os cineastas? O responsável pela edição dos previews é quem deveria estar lá na cadeira do diretor? Mesmo essa lógica (distorcida, pois não tem via de regra) cai por terra quando ocorre o famigerado efeito do marketing reverso. É quando apenas uma simples imagem ou frase (estilo, hã, deixa eu ver... "Esqueça Seven"?) causa uma sensação imediata de repúdio, por tratar o consumidor um pouco mais "esclarecido" como um mala que considera, sei lá, Pearl Harbor, de Michael Bay, como o mais fiel relato de guerra já filmado.

Desconsiderando as demais elucubrações mercadológicas e/ou de mídia, é justamente esse ponto que eu quero chegar. Atualmente, há uma sombra meio cínica... meio não, cínica mesmo... que teima em subestimar filmes que são referências de estilo até hoje, como Seven e o pioneiro O Silêncio dos Inocentes. Esses, em suas épocas, foram os mais bombásticos que o gênero suspense policial poderia oferecer. Inclusive, criando recursos que hoje são usados à exaustão: argumento cuidadoso, um razoável nível de indução psicológica, fotografia sombria e decadente, protagonistas humanos beirando a imagem do anti-herói, assassinatos tenebrosos sendo descobertos com ênfase em procedimentos reais de perícia policial, e uma mente perversa comandando meticulosamente todos os eventos até o final, que, por sua vez, não traz qualquer tipo de redenção.

Tudo bem que hoje é mais fácil digerir a cena em que o Hannibal espanca aquele policial com um cacetete, ou ver o que John Doe fez com o cara que cometeu o pecado da preguiça. A violência subseqüente acaba nos anestesiando, mas isso não é desculpa para passar por cima da importância do formato atemporal que esses filmes forjaram. Ainda mais no caso de O Silêncio dos Inocentes, que ao contrário de Seven, não se utilizava de um susto final como força motriz (o grande mal-entendido do público cinéfilo nos últimos anos). O que sobra é uma ignorância absurda e um total desserviço a uma nova geração de cinéfilos que só tem como referência "filmaços" na linha Pânico. Só por esses fatores, o projeto de publicitário que criou a frase "Esqueça Seven", deveria ser condenado a vagar dia e noite pela Faixa de Gaza com uma camiseta escrita "Odeio Palestinos" em bom dialeto muçulmano.


Jogos Mortais (Saw, 2004), do estreante James Wan, traz uma trinca que já esteve em contato com o "lado negro": Danny Glover (Um Assassino à Solta), Monica Potter (Na Teia da Aranha) e Cary Elwes (Beijos que Matam e The Riverman, no qual ele fazia o próprio Ted Bundy). No filme, dois estranhos, o médico Lawrence Gordon (Elwes) e um rapaz largadão chamado Adam (Leigh Whannell, um novato surpreendente), acordam acorrentados em um banheiro imundo. Aparentemente, tudo faz parte de um jogo promovido por um serial-killer conhecido como Jigsaw (no filme, "o assassino do quebra-cabeça"), que encerra suas vítimas em maquinações bem armadas e mortais, mas com uma chance real de escapatória. Na sua cola, está o obcecado detetive David Tapp (Glover) e seu parceiro Sing (Ken Leung).

Mesmo em uma estrutura já utilizada, James Wan, que assina o roteiro junto com Whannell, demonstra: 1) A energia natural de um principiante empolgado; 2) Um talento inequívoco. Considerando as dificuldades de se concretizar um filme sem abrir mão de sua essência, Wan se sai bem como principiante talentoso. Algumas pequenas vaciladas pipocam lá e cá (edição à base de loops histéricos e velocidade vertiginosa, desnecessários em boa parte do tempo), mas os joguinhos do assassino, pra lá de cruéis, me fizeram lamber os beiços algumas vezes. Não, não sou psicopata, mas certas seqüências foram carregadas de um tal nível de terror claustrofóbico, que eu só desejava não estar lá no lugar da vítima. Certas peculiaridades, como barulhinhos de mecanismos enferrujados ou sussurros abafados de desespero, foram espertamente colocadas com a intenção de triplicar a sensação de impotência e estupor. E consegue.

Um mérito do filme é não se segurar em cenas um pouco mais gráficas. Nada exagerado, já que 80% é auto-sugestão, mas ao menos passa longe da atual inanição do cinema americano. As atuações, por sua vez, estão bem distintas. Elwes está ótimo como o médico racional e sensato que vai se desesperando e perdendo a razão à medida em que o jogo vai avançando. Whannell funciona como contraponto, fazendo um indivíduo comum em uma situação extraordinária e, portanto, agindo como tal, num mix de assombro e incredulidade pela situação em que se encontra. O filme se apoia nos dois em boa parte, mas sinceramente...? A parceria poderia durar durante toda a projeção, pois o embate entre as personalidades de cada um foi claramente o ponto alto. Ótima química.

Já Danny Glover, classificado por aí erroneamente como o "Morgan Freeman" do filme, tem uma função bem clara, e pertence mais ao aspecto funcional do roteiro do que ao exercício dramático. Seu personagem é obviamente mais uma peça no tabuleiro da dúvida levantada pelo argumento. Aliás, esse é o tipo de filme que eu costumo classificar como "filme-scooby doo". E é sobre isso que eu gostaria de comentar logo a seguir.

Marque o texto logo abaixo da imagem - mas atenção: S P O I L E R !

E nem adianta você querer ler só pra saciar sua curiosidade, pois você não entenderá nada se não assistiu ao filme e ainda vai estragar totalmente sua experiência.


Não custa nada eu recomendar mais uma vez... S P O I L E R ! :)


A principal característica de Jigsaw - matar suas vítimas por tabela - complica automaticamente o desenvolvimento do roteiro. Então é normal que isso acabe suscitando dúvidas e/ou questionamentos. E como diria Jack, o Estripador (argh, odeio esse jargão)...

No total, foram dadas 6 horas para que o dr. Gordon matasse Adam e vice-versa, caso contrário, os dois iriam morrer pelas mãos do enfermeiro Zep. Este, por sua vez, foi envenenado por Jigsaw e para obter o antídoto, tinha de prender a esposa e a filha de Gordon (ao mesmo tempo em que o vigiava através da câmera do banheiro) e matar a todos (esposa, filha, Gordon e Adam) assim que o prazo de seis horas terminasse.

Pois bem, a dúvida imediata é: por quê Zep, um enfermeiro, não procurou um hospital para encontrar uma cura? Ele tinha 6 horas disponíveis para tanto. Subentende-se que Jigsaw simplesmente mentiu dizendo que o vigiava o tempo todo, e que o telefone da casa de Gordon, aonde ele mantinha esposa/filha cativas, também estava grampeado - dessa forma, isolando-o. Ficou por demais sugestivo, com muita carga para o espectador imaginar por si só.

Outro ponto foi a total ineficiência de Tapp, que não conseguiu nem mesmo subjulgar o enfermeiro (magrelo) numa luta corpo a corpo, sendo que a esposa de Gordon havia conseguido. Tudo bem que Tapp estava lá apenas para ser mais um "personagem-incógnita", mas aí o roteiro escorregou, sem dúvida. Por fim, o assassino. Isso eu até defendo. Mesmo exigindo do espectador a "compreensão" que David Fincher exigiu no ótimo Vidas em Jogo (e se Michael Douglas tivesse pulado do outro lado do prédio?), a presença daquele cadáver estava justificada por ele estar de punho da arma tão almejada e do gravador, necessário para o transcorrer do jogo.

Segundo o IMDB, Saw 2 já está em fase de pré-produção, mas dadas as condições de saúde de Jigsaw... será que agüenta ficar vivo até lá? :)



No final das contas, Jogos Mortais acaba acenando com boas notícias para o futuro dos filmes de horror/supense. E James Wan já pode ser citado tranqüilamente ao lado de outras promessas como Zack Snyder, Marcus Nispel e o quase-xará James Wong.

Ao que parece, o legado de Wes Craven parece ter acabado, finalmente.


dogg, feliz por ter sido enganado durante 100 minutos... até que enfim! E na trilha... When I Was Young, do The Animals, tocada primorosamente pelo Ramones...

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