Houve um tempo em que Tobe Hooper era sinônimo de cinema outsider, contraventor. Com uma câmera vagabunda na mão e algumas idéias insanas na cabeça, ele mandou vários recadinhos malcriados ao american way of life (contundentes até hoje). O que é interessante, visto que Hooper, texano da gema, perverteu sua terrinha natal já em seu 2º filme, o esquartejante Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974). Após essa ode à visceralidade rústica, o que se seguiu foi, até determinado momento, uma trajetória explosiva: Noites de Terror (Eaten Alive, 1977, bloody feast com as vivisecções que não couberam em Massacre), o enfarta-miocárdio Pague para Entrar, Reze para Sair (The Funhouse, 1981), Poltergeist (de 1982, mais de Spielberg que dele, mas os detalhezinhos hardcore são inconfundíveis) e o grandioso Força Sinistra (Lifeforce, 1985, o único épico living dead que se tem notícia). Mas lá pela metade dos anos 80, o motor de Hooper começou a expelir fumaça. Em Invasores de Marte (Invaders from Mars, 1986) ele rodou na pista e a continuação desastrosa de Massacre resultou em perda total.
Mortuária (Mortuary, 2006) marcaria o retorno em grande estilo de Tobe Hooper, após anos de défict produtivo. Numa época em que CG mal e porcamente utilizado e sensações teen do momento avacalham qualquer tentativa de insuflar medo, nada melhor que uma atitude slasher de macho pra honrar a camisa ensangüentada (pô). Primitivismo e minimalismo = é disto que eu preciso.
O filme começa mostrando a família Doyle se mudando para uma pacata cidadezinha da California, a fim de recomeçar a vida. Os filhos Jonathan (Dan Byrd) e Jamie (Stephanie Patton) acompanham a mãe Leslie (Denise Crosby) meio à contragosto. O fato dela assumir o cargo de preparadora de cadáveres do local e ter de usar o porão de sua nova casa como "escritório" só deixa a situação mais confusa para os guris. Claro que, além disto, ainda pipocam outros detalhes bizarros pra dar o tom: a residência fica em frente a um antigo cemitério e existe um 'causo' horripilante (destes de acampamento, em volta da fogueira) envolvendo os antigos moradores do lugar.
O casarão tenebroso, os corpos no porão e os caixões espalhados em um cômodo, davam conta de que, quando a matança começasse, só iria parar quando elenco, equipe técnica e espectador estivessem estrebuchando no chão. Não por acaso, a premissa (mais simplória que cordel falando de Lampião) se ocupava exclusivamente em preparar a atmosfera enegrecida na qual Hooper faz e acontece. Ou fazia.
O roteiro de Jace Anderson e Adam Gierasch parece mesmo aquelas histórias de acampamento, especialmente na conclusão (ou na falta de uma). Sabe quando o contador da história, na ânsia de assustar o ouvinte, dá um grito de horror no final (ou alguma onomatopéia qualquer), sem, no entanto, descrever o desfecho? É o que ocorre aqui quando o caldo começa a entornar. Somos confrontados diretamente com o terror da situação por uns quarenta minutos até o final, e o impacto é praticamente o mesmo de um episódio de Scooby-Doo (com todo respeito ao dogue alemão e àqueles garotos intrometidos). O resultado é uma hesitação gráfica modorrenta e uma pífia tentativa de pegar leve com o público não-iniciado. Mesmo delegando responsabilidades, é clara e evidente a péssima direção de algumas seqüências, como aquela em que os mortos irrompem dos túmulos. Só faltaram dizer "booo". A cena do 'ataque de sal' (!) é a idéia mais jumenta que eu já vi na vida. E foi preciso dois roteiristas pra escrever aquilo.
O elenco principal, surpreendentemente, funciona, tem química e chega até ser cativante, com destaques para a veterana Denise Crosby, a encantadora jovenzinha Stephanie Patton e a hilária Lee Garlington (no papel da dona da lanchonete, uma ex-groupie). E é realmente incrível como Alexandra Adri passa tranqüila por 15-16 aninhos, mesmo tendo 33. Já as pinups bagaceiras e boas de grito também comparecem aqui, como todo o Hooper-combo que se preze (a loira falsificada é a melhor). Mas até aí a coisa parece ter adquirido contornos mais comportados e puritanos. Foi-se o tempo da superficialidade travestida num topzinho molhado.
Daquele Hooper estradeiro, poeirento e sacana sobrou pouco, pra não dizer nada. As únicas auto-referências old school que comparecem aqui remetem ao pastelão estético de Massacre da Serra Elétrica 2. O subvilão tem os mesmos trejeitos do Leatherface abobalhado daquele filme, além de morar num shit-hole igualzinho, com os túneis, esqueletos pendurados e tudo (existe COHAB pra assassino slasher desfigurado?). Mas o pior mesmo foi a inserção de um antagonista principal que nada mais é que uma geleca verde-escura que controla cadáveres e seres vivos. Totalmente sem explicação, destino ou sentido - ou talvez fosse um reflexo do final, que é exatamente assim.
Sendo sincero, eu comecei a assistir este filme já prontinho pra gostar e sair recomendando. É triste ver que qualquer Cemitério Maldito faz embaixadinha com os sustinhos de Mortuária. Hooper parece sofrer da "síndrome de Chris Claremont" - foi (e ainda é) muito influente, mas a cada nova empreitada fica mais longe daquela energia irreprimível dos velhos tempos. E, no que depender de Mortuária, não tem como ficar mais longe.
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