






hehehe
Certa vez, quando eu era moleque, ganhei uma moralzinha extra com a galera da minha rua: promovi uma sessão sold-out de Re-Animator, horror clássico de 1985. O sucesso foi tão grande que, a pedidos, marquei uma segunda data, com direito à superfaturamento sobre o preço da locação (Cr$). Pilantragens à parte, vejo que o filme - um sarau lovecraftiano com cientistas malucos, mulépeladas e zumbis a jato - é mais lembrado hoje pela menção honrosa em Beleza Americana (o inesquecível momento romântico aí em cima) do que propriamente assistido. A Noiva do Re-Animator, continuação de 1990, então, nem se fala. Irregular e 987 vezes mais sanguinolento, era reprise certa no finado Cine Trash e acho que isto resume sua exposição de um modo geral. Não viu estas pérolas? Larga esse computador e alugue os dois urgente. Ah, já viu? Então reassista.

E, cara, é o Jeffrey fuckin' Combs! ...o sujeito mais freak, obsessivo/paranóico, transtornado=sociopata desde que Malcolm McDowell entregou a alma ao Kubrick e nunca mais a teve de volta, acrescido daquela malevolência nerd sem igual, mesmo porque só ele a tem!

Um zumbi saudável vale por dois!
Mas não sou fácil assim. Já estou bem calejado nesta estrada de produções B que dificilmente vingam suas premissas instigantes. Cansei de ver outrora grandes atores, atrizes, roteiristas e diretores que, após um grande início, sucumbem artisticamente a sabe-se lá o quê (mas que deve ter a ver com grana). É até um espanto quando isto não acontece. Nem todos partem de um suspense mãos-à-obra como Encurralado pra desembocar numa carreira repleta de mega-produções importantes e rentáveis. Poucos realizadores de cinema "marginal" conseguem a almejada credencialzinha para reverter seus projetos autorais em grandes eventos de Ruliúdi. Para os que ficam à margem do sistemão, só resta a attitude, some fuckin' attitude - "Pfsodam-se as críticas. Tenho meu público e minhas produções se pagam. Eles precisam de mim. Sou um mal necessário." - aí entra aquela risada luciférica [hueuheuahuahuahue].
Penso nisto como sendo uma diretiva básica na carreira de algumas pessoas do ramo. O roteirista/produtor/diretor Brian Yuzna é um extremo disto aí, e na verdade só pensei a respeito porque vi o "Espanha" lá nos créditos da produção. Quando a coisa muda de endereço como se fosse acampamento cigano é porque tem café neste bule. Yuzna, malandraço, deve ter visto mão-de-obra muito mais contabilizável e com a especialização e o profissionalismo que se espera de um pólo cinematográfico em franco desenvolvimento (essa sentença parece slogan institucional da Embrafilme, mas vai assim mesmo).
Tá e daí? Daí que o Yuzna-Man Director Tabajara não vem equipado com o filtro que deixa suas idéias pervertidas e insanas transcorrerem fluidamente, e as coisas acabam soando algo desconexas, irregulares, cheias de camadas e volumes, UUUuuuUUUOOoooOOOooonnNNNnn. Você vê lá várias arrobas de soluções originais e "ynuzitadas", mas bastante desproporcionais ao contexto geral.


Se Yuzna fosse Jack, O Estripador, Gordon seria seu bisturi. Mick Jagger e Keith Richards. Lennon/McCartney. Suas colaborações em Dolls, Do Além e no Re-Animator number one não me deixam mentir. Crossovers cinemáticos de uma hora e meia onde a palavra de ordem é diversão amoral, esquisita e até meio irresponsável, já que, por vezes, resvalam quase naqueles ensaios experimentais pós-vanguardistas à Gerald Thomas (urgh), só que acrescido de sangue e vísceras. Sai o "você é uma macieira gerando seu primeiro fruto em plena estação das uvas passas", entra o "você é uma massa protoplásmica com tentáculos e glândula pituitária hiper-evoluída, e está tentando violentar aquela loira boazuda".
No entanto - não quero dar a impressão errada - não são nenhum Lawrence da Arábia de perfeccionismo em concepção (rá!), ou tratado definitivo de porra nenhuma. Só são divertidos pra caramba, ora pois.


Uma característica que sempre gostei em Re-Animator e nas seqüências (inclusive esta), é que as criaturas passam ao largo da influência de Romero. Tá certo que eles são assassinos em potencial e querem destruir o mundo, mas são antes de tudo, narcisistas e dominadores. Zumbis machos-alfa. O ressuscitado via reagente perde todo e qualquer resquício de compaixão e moralismo, e é embriagado com as piores nuances de seu caráter em vida. São esquizofrênicos, muito violentos, falam bastante (pelo menos, os que ainda têm mandíbula) e preservam alguns traços de sua sistemática cotidiana. Não têm hábitos canibais, mas não se furtam em distribuir dentadas quando lhes convém. Sua resistência é variável e não obedece a nenhum padrão. As criaturas são duronas, muito mais fortes que humanos normais, e resistem a praticamente qualquer coisa (até tiro na cabeça). Cada parte de seu organismo é autônoma. Só são neutralizados mesmo após um arregaço muito bem dado. Pra completar, são mortos-vivos velocistas - muito antes de Extermínio e Madrugada dos Mortos.

Não posso deixar de destacar o excelente nível dos atores espanhóis. É foda chegar à esta conclusão logo em um trash movie, mas é justamente por isto. Foge da panela almodóvariana. Estão lá Santiago Segura (de Blade 2, o preso junkie que chapa com o reagente), Enrique Arce, Simón Andreu e a revelação Nico Baixas (sujeitinho impressionante... é o novo Michael Berryman!).

"É sal de fruta ou sal de fru-tas...?"
Jeffrey Combs, entre um filme e outro, deve se trancar em alguma câmara criogênica. Só pode. Ele continua lá, com aqueles óculos fundo-de-garrafa e aquela gravatinha de colegial à Angus Young. Fisicamente, o cara envelheceu quase nada em comparação com o filme de 1985 - se bem que lá ele não era bem o estereótipo de "jovem estudante universitário". E ainda mantém a mesma expressão de quem está muito incomodado com o mundo à sua volta e que a raça humana poderia se extinguir só pra ele poder trabalhar em paz. É o gênio irracional por excelência. Qualquer sacrifício é justificável e qualquer um é dispensável em nome da Ciência. Menos ele. Já estava com saudades.
Re-Animator: Fase Terminal, embora não tenha a mesma dinâmica frenética dos filmes anteriores, consegue reproduzir o humor bizarro e o climão lovecraftiêro da série. Para os veteranos fangore, tem a velha abertura estilo aula de anatomia e o tema de Psicose na versão aloprada (faltou só a presença ilustre do Dr. Hill*, a cabeça decepada tarada e antagonista máximo do Dr. West!). De ruim, tem vários furambaços, escorregões absurdos e invencionices over que, puta que pariu, até eu assistindo sozinho fiquei constrangido. É aquele lance do Yuzna sem filtro.
Mas isto é o que menos importa. Recentemente foi anunciado o quarto filme da série, House of Re-Animator, desta vez com a line-up clássica! Stuart Gordon na direção, Yuzna produzindo, mais Jeffrey Combs, Bruce Abbott e a eterna "Bnup" Barbara Crampton. William H. Macy fará o presidente dos EUA e Crampton será a Primeira Dama. Quem diria que a mocinha que ilustra o início deste texto chegaria tão longe?
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Dr. Carl Hill: [a cabeça do Dr. Hill "despertando"] Wesssssssssst...
Herbert West: Yes, Doctor, it's Herbert West. What are you thinking? How do you feel?
Dr. Carl Hill: [sussurando] Youuuuuuuuuu...
Herbert West: [tomando nota] "You..."
Dr. Carl Hill: Bassssstaaaaaarrrrrd!
_______________________________Re-Animator, 1985
Na trilha: Killing Joke - The Death And Resurrection Show.