terça-feira, 31 de outubro de 2006

HEAD PUSSY LOVECRAFT
















hehehe

Certa vez, quando eu era moleque, ganhei uma moralzinha extra com a galera da minha rua: promovi uma sessão sold-out de Re-Animator, horror clássico de 1985. O sucesso foi tão grande que, a pedidos, marquei uma segunda data, com direito à superfaturamento sobre o preço da locação (Cr$). Pilantragens à parte, vejo que o filme - um sarau lovecraftiano com cientistas malucos, mulépeladas e zumbis a jato - é mais lembrado hoje pela menção honrosa em Beleza Americana (o inesquecível momento romântico aí em cima) do que propriamente assistido. A Noiva do Re-Animator, continuação de 1990, então, nem se fala. Irregular e 987 vezes mais sanguinolento, era reprise certa no finado Cine Trash e acho que isto resume sua exposição de um modo geral. Não viu estas pérolas? Larga esse computador e alugue os dois urgente. Ah, já viu? Então reassista.

A epidemia living-dead que se espalhou no cinema e nos quadrinhos despertou algumas franquias que jaziam em suas criptas cinematográficas. A Volta dos Mortos-Vivos foi uma delas e Re-Animator: Fase Terminal (Beyond Re-Animator, Espanha/2003) é outra que aproveitou a brecha. Sempre que eu ia à locadora, via o DVD ali, meio que jogado, entre o Lenda Urbana 2 e o Mão Assassina, sem nenhum resquício da linhagem noble-dead de outrora. Olhava pro Jeffrey Combs na capinha, ainda com aquele olhar alucinado, e lembrava da época em que o primeiro filme era novidade e causava o maior frisson. E daquela bagunça maneira que eu fiz.

E, cara, é o Jeffrey fuckin' Combs! ...o sujeito mais freak, obsessivo/paranóico, transtornado=sociopata desde que Malcolm McDowell entregou a alma ao Kubrick e nunca mais a teve de volta, acrescido daquela malevolência nerd sem igual, mesmo porque só ele a tem!


Um zumbi saudável vale por dois!

Mas não sou fácil assim. Já estou bem calejado nesta estrada de produções B que dificilmente vingam suas premissas instigantes. Cansei de ver outrora grandes atores, atrizes, roteiristas e diretores que, após um grande início, sucumbem artisticamente a sabe-se lá o quê (mas que deve ter a ver com grana). É até um espanto quando isto não acontece. Nem todos partem de um suspense mãos-à-obra como Encurralado pra desembocar numa carreira repleta de mega-produções importantes e rentáveis. Poucos realizadores de cinema "marginal" conseguem a almejada credencialzinha para reverter seus projetos autorais em grandes eventos de Ruliúdi. Para os que ficam à margem do sistemão, só resta a attitude, some fuckin' attitude - "Pfsodam-se as críticas. Tenho meu público e minhas produções se pagam. Eles precisam de mim. Sou um mal necessário." - aí entra aquela risada luciférica [hueuheuahuahuahue].



"Eu quero é róóóque!"
Penso nisto como sendo uma diretiva básica na carreira de algumas pessoas do ramo. O roteirista/produtor/diretor Brian Yuzna é um extremo disto aí, e na verdade só pensei a respeito porque vi o "Espanha" lá nos créditos da produção. Quando a coisa muda de endereço como se fosse acampamento cigano é porque tem café neste bule. Yuzna, malandraço, deve ter visto mão-de-obra muito mais contabilizável e com a especialização e o profissionalismo que se espera de um pólo cinematográfico em franco desenvolvimento (essa sentença parece slogan institucional da Embrafilme, mas vai assim mesmo).

Tá e daí? Daí que o Yuzna-Man Director Tabajara não vem equipado com o filtro que deixa suas idéias pervertidas e insanas transcorrerem fluidamente, e as coisas acabam soando algo desconexas, irregulares, cheias de camadas e volumes, UUUuuuUUUOOoooOOOooonnNNNnn. Você vê lá várias arrobas de soluções originais e "ynuzitadas", mas bastante desproporcionais ao contexto geral.


Ocasionalmente, todo aquele festim gore nonstop dá certo (como em Sociedade dos Amigos do Diabo, seu primeirão, louquinho de pedra), mas o ideal mesmo é a presença de um maestro tarimbado pra reger a horrorquestra, alguém que consiga filtrar devidamente todas aquelas pirações. E esse camarada, este Yuzna-Filtrator Tabajara, chama-se Stuart Gordon.

Se Yuzna fosse Jack, O Estripador, Gordon seria seu bisturi. Mick Jagger e Keith Richards. Lennon/McCartney. Suas colaborações em Dolls, Do Além e no Re-Animator number one não me deixam mentir. Crossovers cinemáticos de uma hora e meia onde a palavra de ordem é diversão amoral, esquisita e até meio irresponsável, já que, por vezes, resvalam quase naqueles ensaios experimentais pós-vanguardistas à Gerald Thomas (urgh), só que acrescido de sangue e vísceras. Sai o "você é uma macieira gerando seu primeiro fruto em plena estação das uvas passas", entra o "você é uma massa protoplásmica com tentáculos e glândula pituitária hiper-evoluída, e está tentando violentar aquela loira boazuda".

No entanto - não quero dar a impressão errada - não são nenhum Lawrence da Arábia de perfeccionismo em concepção (rá!), ou tratado definitivo de porra nenhuma. Só são divertidos pra caramba, ora pois.

A trama de Fase Terminal começa na época do segundo filme, justamente quando a coisa sai do controle. Lembra, aquela mortalhada trançando pela vizinhança, chapadona com o reagente do Dr. Herbert West (The Combs)? Um deles invade a casa do moleque Howard Phillips (homenagem ao H.P. Lovecraft) e mata a irmã do garoto. Antes do desmorto terminar o serviço, a polícia chega e dá cabo do monstro. Momentos depois, quando o Dr. West é preso, Howard encontra uma seringa que caiu do bolso dele contendo um pouco do reagente. O tempo passa, o guri se forma em Medicina (trauma psicológico, sabe como é), e vai fazer as vezes de Dráuzio Varela na penitenciária onde o estranho doutor está cumprindo sentença. Mas ele não quer vingança, pois os anos de estudos sobre as fenomenais propriedades do reagente o tornaram obcecado pela busca da "cura para a morte". E só quem pode ajudá-lo é o insano Dr. West. A cobaia? O presídio! huehuahuehuahua


Uma característica que sempre gostei em Re-Animator e nas seqüências (inclusive esta), é que as criaturas passam ao largo da influência de Romero. Tá certo que eles são assassinos em potencial e querem destruir o mundo, mas são antes de tudo, narcisistas e dominadores. Zumbis machos-alfa. O ressuscitado via reagente perde todo e qualquer resquício de compaixão e moralismo, e é embriagado com as piores nuances de seu caráter em vida. São esquizofrênicos, muito violentos, falam bastante (pelo menos, os que ainda têm mandíbula) e preservam alguns traços de sua sistemática cotidiana. Não têm hábitos canibais, mas não se furtam em distribuir dentadas quando lhes convém. Sua resistência é variável e não obedece a nenhum padrão. As criaturas são duronas, muito mais fortes que humanos normais, e resistem a praticamente qualquer coisa (até tiro na cabeça). Cada parte de seu organismo é autônoma. Só são neutralizados mesmo após um arregaço muito bem dado. Pra completar, são mortos-vivos velocistas - muito antes de Extermínio e Madrugada dos Mortos.

Fora Combs e o irlandês Jason Barry (o Howard Phillips adulto), o cast inteiro é de ator espanhol falando inglês igual chicano. Parecia que a qualquer momento o Danny Trejo ia mostrar a fuça por lá. Como de praxe, Yuzna nos presenteia com mais uma bela adição a sua lista de undead girls: a deliciosa espanhola - trocadilho involuntário - Elsa Pataky (de Serpentes a Bordo). Pena que ela não ganhou um tratamento parecido com o que a personagem de Barbara Crampton teve no filme original.

Não posso deixar de destacar o excelente nível dos atores espanhóis. É foda chegar à esta conclusão logo em um trash movie, mas é justamente por isto. Foge da panela almodóvariana. Estão lá Santiago Segura (de Blade 2, o preso junkie que chapa com o reagente), Enrique Arce, Simón Andreu e a revelação Nico Baixas (sujeitinho impressionante... é o novo Michael Berryman!).


"É sal de fruta ou sal de fru-tas...?"



Freakin' Combs
Jeffrey Combs, entre um filme e outro, deve se trancar em alguma câmara criogênica. Só pode. Ele continua lá, com aqueles óculos fundo-de-garrafa e aquela gravatinha de colegial à Angus Young. Fisicamente, o cara envelheceu quase nada em comparação com o filme de 1985 - se bem que lá ele não era bem o estereótipo de "jovem estudante universitário". E ainda mantém a mesma expressão de quem está muito incomodado com o mundo à sua volta e que a raça humana poderia se extinguir só pra ele poder trabalhar em paz. É o gênio irracional por excelência. Qualquer sacrifício é justificável e qualquer um é dispensável em nome da Ciência. Menos ele. Já estava com saudades.

Re-Animator: Fase Terminal, embora não tenha a mesma dinâmica frenética dos filmes anteriores, consegue reproduzir o humor bizarro e o climão lovecraftiêro da série. Para os veteranos fangore, tem a velha abertura estilo aula de anatomia e o tema de Psicose na versão aloprada (faltou só a presença ilustre do Dr. Hill*, a cabeça decepada tarada e antagonista máximo do Dr. West!). De ruim, tem vários furambaços, escorregões absurdos e invencionices over que, puta que pariu, até eu assistindo sozinho fiquei constrangido. É aquele lance do Yuzna sem filtro.

Mas isto é o que menos importa. Recentemente foi anunciado o quarto filme da série, House of Re-Animator, desta vez com a line-up clássica! Stuart Gordon na direção, Yuzna produzindo, mais Jeffrey Combs, Bruce Abbott e a eterna "Bnup" Barbara Crampton. William H. Macy fará o presidente dos EUA e Crampton será a Primeira Dama. Quem diria que a mocinha que ilustra o início deste texto chegaria tão longe?

*
Dr. Carl Hill: [a cabeça do Dr. Hill "despertando"] Wesssssssssst...
Herbert West: Yes, Doctor, it's Herbert West. What are you thinking? How do you feel?
Dr. Carl Hill: [sussurando] Youuuuuuuuuu...
Herbert West: [tomando nota] "You..."
Dr. Carl Hill: Bassssstaaaaaarrrrrd!
_______________________________Re-Animator, 1985



Na trilha: Killing Joke - The Death And Resurrection Show.

SEND MORE ROCK'N'ROLL


"Sua música pode ser descrita como zombiecore - uma tétrica fusão de thrash metal e punk hardcore moderno, contaminado e desfigurado por uma obsessiva fascinação por filmes B de mortos-vivos."

Os ingleses do Send More Paramedics talvez sejam os caras mais dedicados à "cultura zombie" dentro do circuito rocker atual. Eles levam a coisa à sério mesmo. Nos shows, os integrantes sobem ao palco devidamente caracterizados como mortos-vivos putrefactos - menos o baterista, que usa uma daquelas máscaras mexicanas de luta-livre (o que é tão trash quanto). As letras, verdadeiros relatórios de guerra narrando com detalhes um apocalipse canibal-zumbístico. E as músicas são abarrotadas de samplers com diálogos de filmes clássicos do gênero, como A Noite dos Mortos-Vivos, Dia dos Mortos, Zombie, etc. Fora o próprio nome da banda, tagline clássica de A Volta dos Mortos-Vivos. É a trilha sonora perfeita para um clip com trechos de filmes do George A. Romero.

B'Hellmouth [vocais], Medico [guitar], xUndeadx [baixo] e El Diablo [batera], formaram a banda em 2001 e, desde então, já atacaram os seres vivos com dois discos e dois EPs split. Seu mais novo álbum chama-se The Awakening, e mostra que eles retornaram sedentos por sangue quente e carne fresca. E cheios do profissionalismo! O crossover destruidor dos caras saiu do gueto e suas composições agora estão muito mais focadas, técnicas e furiosas. Chega a lembrar um mix thrashcore de Samhain/Misfits com a sonoridade do último do Slayer, mas com identidade própria. Jeff Walker e Ken Owen, dois integrantes do podraço e inesquecível Carcass, participam em duas faixas. Devem ter se sentido em casa.

Citar algum destaque é meio complicado, já que o CD 1 inteiro é um fôlego só. Mas na próxima festa punk que eu armar, tem de rolar The Crowd Is Crushing Me, Blood Fever, Virulence, Anthropophagi, Vital Signs e I Am Every Dead Thing. Sensacionais. Já no CD 2 a coisa atinge um nível de sofisticação inesperado. Trata-se de uma trilha instrumental com quinze faixas incidentais assustadoras, à John Carpenter, com toda aquela atmosfera tétrica horripilante de filme de terror.


Pra ouvir enquanto recarrega uma 12 com cano serrado e, munido de martelo, pregos e umas ripas de madeira, sela um barracão cercado por centenas de mortos-vivos pútridos com os estômagos necrosados roncando por tripas frescas. Hell yeah!


"Braaaaiinnss... braaaaiinsss..."

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

HAUTE T-TENSION










Caralho.

Delírio macabro de violência e desespero. Isto é Alta Tensão (Haute Tension, França/2003), um pacote de viagem completo para a versão mais sádica do inferno na Terra. Aqui, o Mal impera com arrogância, apronta das suas com uma indiferença aterrorizante. É preciso muito sangue-frio pra acompanhar esta... bad trip não, é muito pouco... esta forma de vida (sim, Alta Tensão, embora não seja uma criatura nada bonita, vive, respira e tem muito, mas muito sangue correndo nas veias), que ama e odeia com requintes de crueldade. O clima é tão denso que a atmosfera de perversidade jorra através da tela e afoga o espectador. Mesmo sem estar lá, a pressão sensorial é quase tangível.

Hannibal Lecter lamberia os beiços.

Alta Tensão é o terceiro filme do cineasta Alexandre Aja, e foi o seu divisor de águas. Graças à ótima recepção de estripados público de crítica, ele foi escolhido para realizar o polêmico Viagem Maldita, remake de Quadrilha de Sádicos, clássico B de Wes Craven.

Sempre fui muito curioso em relação aos trabalhos iniciais de artistas que começam a se destacar. Geralmente, é quando sua arte está menos infectada por questões tendenciosas e/ou comerciais. O que vemos ali é o resultado mais puro que sua genética criativa poderia produzir (inocência, raiva, simplicidade e despretensão são elementos primordiais inclusos). E neste filme você entra com tudo na cabecinha perturbada do menino Aja. É um abismo.


Marie e Alex são estudantes que caem na estrada pra passar um finde à base de livros e anotações. Grandes amigas, elas vão ficar na casa dos pais de Alex, localizada numa daquelas áreas rurais idílicas e bucólicas, intocadas pela urbanidade. À quilômetros de qualquer lugar, o ambiente parece mais que perfeito para mergulhar nos cadernos - imagem rapidamente destroçada por uma cena de trincar a espinha, na qual o vilão da trama é apresentado de uma maneira tão direta e brutal que chega a provocar mal-estar (é de arrepiar mesmo e saiba que aquela será a tônica do resto do filme). Se eu fosse um dos personagens e soubesse que meu possível algoz seria aquele, eu ia a nado pra ilha de Lost na mesma hora.

O título nacional não é por acaso. Desta vez eu defendo o standard. A tensão começa fina e pentelha e logo se estabelece uma contagem regressiva impressionista. É neste ponto aí que a bolinha de neve começa a rolar lá de cima da montanha.

Em Alta Tensão o silêncio faz barulho. Enquanto a fotografia claustrofóbica e sussurante sugere um megadeath iminente, Aja larga a tensão no último volume e vai embora. A sensação absurda de que algo vai acontecer atinge seu primeiro orgasmo - numa pusta triangulação de metáforas - logo na primeira noite em que as duas passam na casa, sugerindo que já chegamos a um suposto clímax. "Suposto", porque o caos chega varrendo o lugar impiedosamente como se não existisse amanhã e só se passaram, o quê, vinte e poucos minutos...? E ainda tem mais umas três sessões de sexo selvagem pela frente (calma, é outra metáfora) e uma senhora cravada final que te larga lá, estabacado no chão, com cara de "anotaram a placa...?"


A maior característica de Alta Tensão é sua habilidade em arrastar o espectador com tudo pra dentro do pesadelo. Ao acompanharmos os passos de Marie e Alex, somos atirados junto com elas naquela terra de ninguém. O fato do filme se valer de estética e premissa slasher, mas não ter nenhum freio funcionando (e muito menos seguro de vida), faz parecer que é só uma questão de tempo até o IML ficar abarrotado. Estratégia genial que Aja arquitetou para manter a "tensão alta"... o início nos soterra com a expectativa da chacina vindoura e inevitável; na metade, é um survivor from hell que sobrecarrega qualquer sistema nervoso; e o final... nó! Que final.

Tenho de agitar umas considerações aí. Nego de responsa nas parada' achou o final uma bela merda. Outros tantos acharam o Santo Graal Butcher das conclusões slasher. Eu achei do caralho. Até pelo fato de se estender de maneira over, desembocar numa cachoeira de hemácias deliciosamente gratuita e de preparar o terreno para uma última ceninha de quebrar o encosto do sofá. Sem contar que a porra do negócio estava mais do que... opa, parei. Quem quiser dissertar sobre, go to the comments. Use them!

Longe de mim levantar bandeira anti-imperialista, mas o fato do filme ser francês, e não hollywoodiano, já adianta para os mais escolados que a parada ali é realmente casca-grossa, não se rendendo a nenhum censorshit patrulhinha pra levantar bilheteria. O filme tá pouco se fodendo. E isto se aplica também ao elenco de primeira, anos-luz mais interessante que aquela panelinha teen que costuma cozinhar a paciência de quem procura um terror decente. O furacão assassino do filme aparece nos créditos como "Le tueur" (alguém?) e é encarnado pelo veterano Philippe Nahon com uma frieza que chocaria até Ted Bundy. No papel de Alex está a competente Maïwenn Le Besco, enquanto Marie recebe a performance surpreendente da bela Cécile De France (de Albergue Espanhol/Bonecas Russas). O que esta mulher faz é incrível.

O filme é gráfico ao extremo e cumpre até a beirola do que promete com precisão cirúrgica. Isto porque quem está lá no grotesque make-up é o velhinho Giannetto de Rossi, tradicional colaborador dos mestres do giallo, Mario Bava e Lucio Fulci. A produção também pode ser encarada como precursora desta leva de filmes anti-mochileiros que andam assolando o mercado (vide Abismo do Medo, Wolf "Eu Quero a Minha Mãe" Creek, O Albergue e o próprio Viagem Maldita) - pelo visto, o mais seguro hoje é fazer turismo na Antártida.


O mínimo que eu posso dizer, é que Alta Tensão te faz enxergar a vida com mais cautela. De repente, o barraco do Jason Voorhees parece mais seguro do que aquela rua deserta às duas da manhã. E a possibilidade de que qualquer coisa pode estar acontecendo enquanto você dorme profundamente só é menos assustadora do que acordar (ou ser acordado) e ter uma surpresa pra lá de desagradável. Assista o filme e veja sua paranóia subir 900 pontos percentuais para mais ou para menos.

Aja é mutcho loco e se continuar deste jeito, teremos ainda diversão redentora e primitivista por muito tempo (sim, ele nos faz reencontrar nossos ID's pré-civilização há muito adormecidos). Todo este do-it-yourself virulento e o filho da mãe é mais novo que eu. Seu próximo projeto, no entanto, é mais um remake - desta vez, do suspense sul-coreano Into The Mirror - programado pra 2007. Embora seja uma missão meio inglória, se existe alguém que ainda pode apavorar com remake de filme asiático, este é o cara.

Pra mim, até segunda ordem (ou até o próximo terror do Zack Snyder), Alexandre Aja é o sujeito mais punk do cinema atual.


Feliz Dia das Crianças. Melhor ainda... feliz Sexta-Feira 13. E na trilha: "Don't Talk To Strangers". Virou meu hino agora.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

A Noite dos Vermes Malditos de Outro Mundo


Viva à Troma! Só uma espelunca trash daquela abrigaria um maluco gente-fina como James Gunn. Não fosse isto, talvez ele roteirizasse os dois Scooby-Doo do mesmo jeito, mas não teria feito o mesmo pelo "tromântico" Tromeu & Julieta e, mais tarde, pelo remake fast and furious de Dawn of the Dead (aff, gozei). E talvez ainda, não tivesse ganho moral e autonomia suficientes para realizar este fuderoso Seres Rastejantes (SLiTHER, 2006). O filme é uma cria bastarda daqueles crossovers de comédia, horror e sci-fi típicos dos anos 80 - que Gunn com certeza curtia, afinal, o que ele faz aqui é uma reimpressão deluxe de Noite dos Arrepios, megacrássico oitentista burraldo e incrivelmente divertido. E mesmo que o cara tenha amansado a fúria hardgore adquirida em anos de podreira underground, sua nova incursão traz carnificina em quantidade satisfatória e respingante.

O bacana é que, fora o talento para bizarrices gástricas, o cineasta é dono de um humor negríssimo e de um senso estético que salta aos olhos (e ouvidos) logo nos primeiros minutos do filme. O cenário, claro, é mais uma cidadezinha interiorana (com todo o tipo de freaks e sotaques marcando presença e dando um show à parte - contextualmente involuntário, mas Gunn, safado, faz de propósito). A história é aquela mesma que você cresceu assistindo - e por aí já se nota que o diretor resolveu abranger a porra toda além do escopo (já variado) de Noite dos Arrepios, enxertando nacos de vários ícones cinematográficos oitentistas, gerando uma espécie de Monstro de Frankenstein New Wave cujos pedaços foram suturados pelos açougueiros de Do Além. Embora a carga pop culturística se revele abarrotada de referências, a narrativa jamais se torna lenta ou desfocada.

...muito pelo contrário. O filme flui suave como uma matinê de sábado, excetuando os ocasionais vômitos de sangue e tripas que pontuam seus momentos mais moleques. O que provoca até um choque climático interessante. Na mesma hora em que você acompanha um tranqüilo bailinho comunitário, você também confere uma vítima infeliz sendo perfurada por esporões alienígenas que injetam dentro dela alguns milhares de embriões carnívoros. Tudo ao som de um animado country de salão. Yeah, son!


Eu ia comentar sobre a história e acabei viajando. Mas você já conhece a bagaça: um meteorito singra o espaço em direção à Terra (rebuscando a cena inicial de Predador/Enigma de Outro Mundo) e acaba caindo em uma 'ville estadunidense qualquer (premissa referencial que começa em A Bolha Assassina e termina em etc's ad infinitum). O estranho objeto logo é descoberto pelo desavisado Grant Grant (Michael Rooker). Perto do meteorito há uma bolsa orgânica - do tipo geléia pulsante - que dispara um ferrão no sujeito e passa a controlá-lo mental e, uuurgh, fisiologicamente. Aí começa a bagunça xenomorfo-zombie, e o "aprimorado" Grant² sai espalhando o terror pela cidadezinha. O objetivo é claro: Dominar o Mundo™!

Da mesma forma que Noite dos Arrepios foi forrado de homenagens à mestres do gênero (os personagens lá tinham sobrenomes como Raimi, Cronenberg, Hooper, Landis, Romero, etc), em Seres Rastejantes as tais reverências se infiltram na trilha sonora (atenção para o "momento Predador" do filme) e em cenas como a marcha undead à Jorjão Romero, no regurgitante sururu simbiótico (Bolha Assassina/Enigma de Outro Mundo, de volta à carga) e na sugestiva cena da banheira (direto de Calafrios, do Cronenberg). Quando o filme se ocupa em mostrar servicinho sujo, sai da reta. Dá mesmo a impressão de que, fosse o lance um pouquinho mais independente, seria uma das belezinhas mais carniceiras a ver a luz do dia. Não dá nem pra comentar muito pra não estragar as surpresas.

Aliás... neste quesito, as estrelas do filme - as lépidas e faceiras lesmas alienígenas - roubam a cena em suas tentativas de serem deglutidas pelos habitantes da cidade. Isso sem falar no seu "explosivo" método reprodutivo, que não fica nada a dever ao Alien mais babão. As bichinhas são tão sacanas e espertas que deu até pena quando algumas foram exterminadas.

O filme tem um elenco afiadíssimo. Vestiram a camisa e ligaram o "foda-se-isto-é-um-B-movie!" no volume 10. E essa característica vai do extra mais secundário (Gunn, inclusive, faz uma pontinha como um 'fessor nerdalhão), passando pelos hospedeiros de lesma alien até os personagens principais. Destes, eu fiquei feliz em rever a sensacional Elizabeth Banks (de O Virgem de 40 Anos) no papel de Starla, esposa do Grant², e Gregg Henry (de O Troco), que está impagável como o prefeito Jack MacReady (pescou?). E tenho de dar o braço a torcer: se Hollywood fosse mais esperta, encheria os bolsos de Nathan Fillion de grana. No papel do xerife Bill Pardy, ele reincorpora aquela mesma essência do anti-herói cínico e cara-de-pau que foi sua marca registrada em Firefly/Serenity. Long live Han Solo.


Mas o Laurence Olivier de Seres Rastejantes é, sem dúvida, Michael Rooker. Numa de suas raras chances de real destaque cênico, ele relembra aos mais velhinhos o carisma atropelante que demonstrou em produções mais sisudas, como Henry: Retrato de um Assassino e Mississipi em Chamas, e em trocinhos mais recentes, como Risco Total e Replicante. Mesmo debaixo de toneladas de látex e fluído viscoso (puta resultado final repugnante pra caceta), Rooker consegue transmitir toda a selvageria e fragilidade emocional atreladas ao personagem (ouço ecos de John Hurt, circa The Elephant-Man), e ainda manter o timing humorístico. É o cara.

James Gunn é amigão do maluco-mor da Troma, Lloyd Kaufmann, com quem co-escreveu o livro "All I Need to Know About Filmmaking I Learned from the Toxic Avenger" (qualquer um que participe de algo com um título destes merece o meu profundo respeito). Mas, por algum motivo que só pode ser explicado como uma bunda-molice em cadeia nacional, o box-office do filme não cobriu nem metade de seus custos de produção.

Não se engane: esta maravilha aqui é uma inequívoca pérola pop que será caçada desesperadamente num futuro no qual os DVDs foram substituídos por outro formato em que ele, claro, não será relançado - tal qual Noite dos Arrepios. Daqui a quinze anos você vai ver como isto aqui será cult pra caramba.


Na trilha: "Finished with my woman cause she couldn't help me with my mind... nanana-nanan... Can you help meeee... thought you were my frieee-eeeend... wooaaa yeah..."