Logo no início de
Ultimate Comics Avengers #1, um estarrecido Nick Fury resume o sentimento dos leitores (em geral) após
Ultimates 3 e
Ultimatum - ambas escritas, ou melhor... excretadas por Jeph Loeb e seus desenhistas sem-mente de estimação. Mais que isso, a cena ilustra o espanto do próprio roteirista
Mark Millar frente ao caos instaurado em sua cria mais notória. É a velha e boa ironia escocesa de volta ao batente Ultimate - e pra quem sabe ler, um
%@#& é letra. Ainda olhando para um Triskelion em reconstrução, Millar-Fury emenda:
"eu sumo por dez minutos e o lugar inteiro vai pro inferno". Pode crer que ele não estava se referindo só ao QG dos Supremos.
Após aquela fatídica primeira edição de
Supremos 3 eu achei sinceramente que Joe Quesada estava de sacanagem. Que aquela escalaçãozinha Loeb/Madureira rebuscando toda a tralha noventista da era Image foi mais um plano sórdido do rotundo editor. Autosabotagem declarada para, talvez, enxugar a linha Ultimate, mantendo só o baratinho e rentável Homem-Aranha teen - com entregas sempre no prazo e um comercialmente saudável público unissex. Conspiração demais? Pode até ser, mas nada explica essa line-up sucedendo uma das duplas mais sensacionais dos quadrinhos da última década. E mais uma vez, Quesada e sua gangue fizeram muito bem aos cofres da Marvel e muito mal pro bolso do leitor.
É um baita administrador, vamos combinar. Pode não ser o cara que controla o abre e fecha da carteira, mas é quem a enche. Não fosse ele, a Marvel, se ainda existisse, seria propriedade da Wal-Mart ao invés da Disney. Vi-va.
Mas antes de tecer previsões apocalípticas sobre como a casa do Mickey irá descaracterizar o Universo Marvel ao longo dos anos que virão, vou tentando entender como Millar vai restaurar sua fabulosa sátira ao
american way. Porque tá difícil. Mas essa primeira (e curtíssima) edição já traz algumas pistas.
O plot básico é aquele novelão cheio de cliffhangers pontiagudos que Millar fez tão bem nos dois primeiros volumes dos Supremos. Começa com Fury sendo cicceroneado pelo Gavião Arqueiro de volta ao Triskelion (
"quase 75% operacional"), não para reassumir seu velho posto, mas para resolver uma antiga merda envolvendo o Capitão América, agora um renegado. Corta para um dia antes. Cap e Gavião estão em perseguição aérea a uma unidade de assalto da I.M.A. (
Ideias
Mecânicas
Avançadas - até onde sei, em seu debut no universo Ultimate). O ato termina com Cap confrontando seu mais clássico inimigo, o Caveira Vermelha, e também com uma revelação-bomba daquelas de fazer o chão desaparecer. Existem novelas na Escócia?
Coube ao artista
Carlos Pacheco a difícil missão de substituir Bryan Hitch e dar vazão às epifanias cinematográficas de Millar. Pacheco sempre foi competente, mas vive hoje seu melhor momento, de longe. Da grandiosa capa e do Triskelion de tirar o fôlego na primeira página à sequência de ação desenfreada da metade pro final, o cara foi arrasador. Existe alguma emulação da linguagem visual de Hitch aqui, mas usada como uma ferramenta para deslanchar sua própria dinâmica. Os melhores momentos, claro, são os que trazem recursos mais hollywoodianos (pular com uma moto de um edifício em direção a um helicóptero e uma queda livre sem paraquedas nunca soam cansativos), neste ponto lembrando um pouco a antológica "edição Matrix" do volume um (
Ultimates #8).
O texto nem um pouco sutil de Millar traz de volta aquele coice anárquico dos personagens e seu eterno sarcasmo em relação à malaquice republicana dos EUA. Como não podia deixar de ser, o astro principal é o Cap, com as conhecidas frases de efeito reafirmando suas convicções de
macho-man militarista (
"que tipo de garota é detida por uma bomba?" - adivinhe a autoria e ganhe uma bandeirinha do exército confederado) e seu modus operandi discutível no combate ao terror - vide a cena em que ele joga soldados inimigos
desacordados de um helicóptero a trocentos pés de altura com a serenidade de quem põe o lixo pra fora.
A interação com Pacheco destila fluidez e ainda resgata aquelas boas sequências de briga quadrinhística, como no momento em que o Cap leva uma surra homérica do Caveira. Destaque também para o diálogo de Carol Danvers, atual comandante da SHIELD, tentando em vão reconvocar Stark, que está chapado num puteiro
bondage.
Uma primeira edição que é um colírio para os olhos e uma injeção de adrenalina para a alma. É Millar no seu mais tradicional: iniciando um arco no auge e cheio daquela energia insana e irrefreável para terminar Deus sabe como. Só não entendi porque mantiveram a infame máscara do Gavião. Apesar dele ter participação ativa nas cenas mais eletrizantes, não dá pra olhar pro personagem sem antes confundi-lo com algum integrante do Youngblood. Provavelmente Millar esteja preparando alguma catarse antes de desmascará-lo definitivamente - bem como a bagunça que fizeram durante a sua "saída de dez minutos" - e talvez assim, deixar de vez os anos noventa lá nos anos noventa.