sexta-feira, 26 de novembro de 2010

New wave in Little China

Que John Carpenter compôs a trilha de quase todos os seus filmes, até a minha avó sabia. Mas o que nem eu e nem a velhinha sabíamos, é que o mestre juntou sua banda e gravou um clip para o filme Os Aventureiros do Bairro Proibido.




Pelos olhos verdes de Miao Yin... Mas que é um troço sensacional, ah, isso é.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Terry Reid, "Seed of Memory", 1976

Postagem originalmente publicada em 20 de abril de 2010


Já dizia Marceleza: "eu vi o futuro, baby... ele é passado".

Novos tempos, velhos problemas. Tive que reeditar este post, sem a música do título para audição em streaming e sem o link para download. De acordo com um polido e-mail do Blogger, uma notificação foi recebida alegando que os direitos autorais em questão foram infringidos, conforme previsto nos termos de seu DMCA. E foram infringidos mesmo, ainda que os links não representassem nada mais do que uma merecida divulgação - certamente, um ponto de vista que não interessa à gravadora da vez. De uma maneira não-lisonjeira, Terry Reid continua sendo um dos segredos mais bem guardados do rock.

Mesmo consumindo uma infinidade de grupos e artistas do final dos anos 1960 até final dos anos 1970 (época em que o rock pendurou a palheta, segundo Lester Bangs), só fui saber da existência do cantor a pouco tempo - e acredito, da mesma forma que muita gente. Foi através do filme Rejeitados pelo Diabo, que trazia nada menos que três faixas suas na trilha sonora. Todas fantásticas, mas foram os hiptonizantes créditos finais, ao som da linda Seed of Memory, que me abriram as portas da percepção. Agradecerei ao Rob Zombie ad eternum.

Guitarrista e songwriter talentoso, boa-pinta, com um vozeiraço abençoado e postura rockeira autêntica, numa época em que isso tudo bastava para virar um megastar. Mesmo assim, Terry Reid parece ter sido riscado de qualquer menção na imprensa musical dos últimos... ahn, 1975, 2010... 35 anos. A pergunta foi inevitável: onde foi que tudo deu tão errado?

Então fui à cata de algumas das (escassas) informações disponíveis sobre Reid na web. Me surpreendi com o que li. Não é uma história redentora, mas cheia daqueles tropeços épicos que mudam (pra pior) tudo o que vem a seguir. Só posso compará-lo a um Wilson Simonal da vida, no quesito "esse cara poderia ter sido grande".

Inglês de Huntingdon, nascido em 1949, montou uma banda na escola aos 15, The RedBeats. Reid chamou atenção rápido. Após uma apresentação, em 1966, o baterista do The Jaywalkers ficou tão impressionado que o convidou para integrar o grupo, já na fita para abrir para o Rolling Stones no Royal Albert Hall. Projetado para uma carreira solo e com o 1º álbum na praça (Bang, Bang You're Terry Reid, de 1968), excursionou com Cream, Jethro Tull e Fletwood Mac, entre outros. Mas é o ano de 1969 que leva o troféu.

Fechado para abrir a turnê americana dos Stones (aquela, do fatídico Festival de Altamont), Reid declinou de uma proposta dos sonhos. Com o fim do Yardbirds, Jimmy Page o convidou para o posto de vocalista do New Yardbirds, o embrião do Led Zeppelin. Não só não aceitou, como recomendou o jovem cantor da Band of Joy, Robert Plant, que abriu um de seus shows. E tem mais.

No mesmo ano, o vocalista Rod Evans saía do Deep Purple. A primeira opção de Ritchie Blackmore & cia? Terry Reid. Novamente uma recusa, e assim seu conterrâneo Ian Gillan entrava para a História.

Reid seguiu com turnês, participações em festivais e uma trinca solo arrasadora: Terry Reid (1969), o elogiado River (1973) e, meu preferido, Seed of Memory (1976), um clássico southern enterrado fundo nas areias do tempo. Péssimos empresários, seguidas trocas de gravadora (Atlantic, Capitol e ABC), mais a fraca recepção do álbum Rogue Waves (1979) praticamente encerraram aquela etapa da carreira de Reid.

Nos anos 1980, ele trabalhou como músico de estúdio e até ensaiou um retorno em 1991, com o álbum The Driver - uma incursão AOR/hard rock artificial, melosa e inacreditavelmente tardia. O máximo que conseguiu foi emplacar a faixa Gimme Some Lovin' (cover do Spencer Davis Group) na trilha do filme Dias de Trovão. Era o fim.

Um dado interessante sobre o lance com o Deep Purple é que os primeiros discos de Terry Reid tinham influências soul e r&b num contexto muito parecido com o que o grupo inglês faria anos mais tarde, na fase Coverdale-Hughes. Um bom exemplo é a música Dean, que abre o álbum River - abaixo, numa execução matadora em Glastonbury, com direito à partilha de um Big Marley sem filtro e o calor de uma audiência bem... "despojada", no auge do paz & amor, do "make love not war", "é proibido proibir" e por aí vai.



"Dean" live at Glastonbury Fayre 1971 - Terry Reid, the first track featured in the film of the original Galstonbury Fayre. Amazing band and great vocals - joined on stage later by Linda Lewis


E é curioso como o mesmo Blogger/Google que embarreirou os serviços de outra empresa no post original, liberou a mesma faixa publicamente no YouTube. Então, lá vai, de novo, Seed of Memory.

(pelo menos, nesse meio tempo, deu pra alcançar uma garrafa de Johnnie).




Viagem.

Voltando ao "fim". Isso, em termos musicais, pode muito facilmente significar "cult". Para Terry Reid, significou o resgate de algumas canções pelas trilhas dos filmes Crimes em Wonderland e Rejeitados pelo Diabo (essa, mais que uma trilha; uma celebração e reverência).

E também o cover da sensacional Rich Kid Blues que os Raconteurs de Jack White gravaram em seu 2º disco, Consolers of the Lonely.




Mas, principalmente, os shows pequenos e intimistas que Reid tem feito nos últimos anos, onde recria seu clássico a cada noite, numa versão muito superior e embriagada na experiência de quem já viu tudo, já fez o dobro e que, certamente, não se arrepende de nada e ainda faria tudo de novo.




Uma das maiores vozes do rock, desde sempre.


Review embasbacante do show em Londres
Lost Tuneage: Terry Reid

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

domingo, 21 de novembro de 2010

Veni, vidi, zombie


3º episódio de The Walking Dead e eu ainda com aquela expressão besta de realização. É o segundo capítulo sem a direção do figuraça Frank Darabont, já alçado ao cânone pelos leitores da HQ após o piloto antológico. Mas não só os aficcionados pela odisseia undead de Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard estão nas nuvens: a série coleciona recordes de audiência e elogios de gente influente de várias esferas - destaque para o artigo do New York Post, especulando que The Walking Dead pode se tornar para a AMC o que Os Sopranos foi para a HBO. A mobilização popular em suporte às filmagens em Atlanta foi tamanha, que os produtores tiveram que recusar voluntários. Infame ou não, aqui vou eu: no futuro, todos serão zumbis por quinze minutos.

Tecnicamente, o texto está impecável. A estratégia adotada nessa adaptação deveria servir de bíblia para toda e qualquer futura incursão nesse veículo. Um dos aspectos mais bem-sucedidos do roteiro foi expandir os pequenos ganchos da HQ até transformá-los em subtramas completas. Um novo olhar para a mesma história, mas de um ângulo diferente. O que faz da série algo quase tão inédito para os leitores quanto é para os leigos. Quem diria que o cerco policial do início do piloto (compactado na 1ª página da HQ) era precedida de um crescendo tão tenso e eletrizante?

Mais ainda, quem diria que uma introdução tão polêmica e gráfica seria tão aclamada?


Outra façanha, dessa vez no 2º episódio, foi unir dois momentos da trama (edições #2 e #4) e realocar a ponte entre elas (#3) para o final, esticando a tensão do reencontro de Rick com Lori e Carl. Provavelmente, seria o que Kirkman faria hoje, mais experiente. Participando da série como produtor executivo, é palpável sua contribuição na adaptação, o que deixou tudo muito fluído, natural e sem grandes concessões. Pelo menos até agora.

Uma curiosidade: Darabont disse que usou o filme A Noite dos Mortos-Vivos como bíblia para os zumbis de The Walking Dead. Assim, vemos detalhes na série que remetem diretamente ao clássico de George A. Romero. Zumbis quase rápidos se misturando com outros bem lentos e danificados, e também ataques a animais, algo que muitos estranharam (o que teve de gente se remoendo de dó do cavalo!). Lembrando que no filme de Romero, os mortos-vivos não dispensavam nem insetos. Fora a cena em que um dos desmortos usa uma pedra para quebrar uma porta de vidro - mais que uma referência, uma homenagem.

O elenco está irrepreensível. Qualquer dúvida que já tive em relação à Andrew Lincoln caiu por terra há muito tempo. Ele traduziu a essência de Rick Grimes para a tela como se conhecesse a HQ de cabo a rabo. A excelente impressão continua com Sarah Wayne Callies, no papel de Lori - pelo jeito, a Sara, de Prison Break, ainda vai expiar (e muito) seus pecados -, e Chandler Riggs, o guri que interpreta o Carl.

O moleque é bonitinho e tal, mas sabe mandar um puta olhar de jagunço quando quer. Tipo da atitude que vai precisar (e muito), conforme o avanço da série.


Os demais atores do núcleo principal mantêm o nível. Jon Bernthal vai montando de maneira crível a desestabilização emocional de Shane e também é notável os bons desempenhos de Steven Yeun (é o próprio Glenn!), Laurie Holden (Andrea) e a gatinha Emma Bell (Amy), do bacana Pânico na Neve. Mas, na minha opinião, o melhor em cena até aqui foi Lennie James, que participou do piloto no papel de Morgan Jones. A sequência em que ele quase se despede da esposa pela mira de um rifle é emocionante. Só essa cena já vale a assistida. Uma das melhores atuações que vi em séries.

No campo das novidades, muito me surpreendeu a escalação do veterano Jeffrey DeMunn para o (importantíssimo) papel de Dale. Colaborador de longa data de Darabont, DeMunn reedita aquelas combinações ator-personagem onde um parece que nasceu pro outro. Uma atuação de alto nível é o mínimo que se pode esperar daí - e será exigida... ah, se será. Quem lê The Walking Dead certamente teve espasmos musculares ao ver o boné australiano despontando no horizonte.

Por fim, e talvez o mais importante, o grande Michael Rooker no papel de Merle Dixon. Personagem inexistente na revista, é o típico white trash reacionário e racista. É a banda podre do grupo de sobreviventes - elemento constante em todo zombie movie. E talvez o primeiro vestígio de uma alteração realmente significativa (e duvidosa) nesta adaptação.

Crianças que não leram The Walking Dead... por favor, retirem-se da sala.

Spoilers adiante.


Pelo casting divulgado, Rooker sairá de cena por um tempo. Merle Dixon é personagem que com certeza dará trabalho num eventual comeback cheio de som, fúria e vendettas. Some 1 mais 1 e pronto: Governador. Será?

Até onde isso é bom? É Michael Rooker. Nesse ponto, está mais que bom.

Até onde pode ser ruim? Apesar de ser uma escória ambulante, Dixon não parece ter o perfil monstruoso do Governador. Ele é só um bandido caipira e arruaceiro. A não ser que entre o ponto A e o ponto B esteja uma experiência realmente traumatizante e enlouquecedora, não consigo vê-lo fazendo as coisas que o Governador faz em suas horas de lazer.

Aliás... não consigo imaginar as cenas de sadismo/pedofilia/necrofilia passando em canal que seja na Terra.

E gosto do fato do Governador aparecer como um desconhecido amigável à primeira vista e aos poucos ir se revelando mais cruel que o próprio capeta. É uma experiência que mudou a forma como Rick e outros personagens se portariam dali em diante em relação a outros sobreviventes - e deixou as histórias ainda melhores.

Mais uma coisa: será que a AMC terá cojones pra mostrar o destino de Lori e seu rebento?



Dúvidas, dúvidas. Daqui a pouco tem outro...

sábado, 20 de novembro de 2010

O culto à Grande Abóbora


Jim Martin - Milk and Blood
(Steamhammer, 1997)

"Big" Jim Martin era o cara esquisitão do Faith No More. Guitarrista virtuoso (o quanto é possível sem resvalar no shredding), famoso tanto pela pegada setentista quanto pela juba nohawk e os indefectíveis óculos de aro vermelho. Discreto e nem de longe a primeira opção para entrevistas, sempre aparentou indiferença ao sucesso estrondoso da banda, que integrava desde 1983 - Martin deve pertencer a algum Illuminati de músicos imunes à hype, ao exemplo de Krist Novoselic, Izzy Stradlin e John Frusciante.

Após a sua "retirada" do Fenemê no final de 1993, o guitarrista ingressou numa carreira discográfica errática, sobretudo low profile (intencionalmente, imagino). Primeiro, integrou o supergrupo thrasher Voodoocult, em 1995. No ano seguinte, montou o power trio The Behemoth. Lançou apenas um single antes de descobrir que esse nome já pertencia ao grupo polonês de black metal. Se trancou no estúdio e, em 1997, lançou este Milk and Blood, via Steamhammer.

Além da curiosidade em saber como o barbicha soava fora do Frankenstein sonoro que era o Faith No More, também era a oportunidade de identificar mais nitidamente suas digitais no som de seu ex-grupo. Heavy metal rasgado? Com certeza. Uma breve olhadinha nos créditos do The Real Thing basta pra ver que Martin contribuía a conta-gotas no processo de composição, mas a única música de sua autoria exclusiva era pra lá de sintomática: o thrash Surprise! You're Dead!. Isso, fora as co-participações em Zombie Eaters e Woodpecker from Mars, porradas de trincar o crânio que contrabalanceavam perfeitamente a cervical funk melody do disco.

Com esse background, surpreende que no DNA musical de Martin também brotem grooves em profusão. O álbum traz dez músicas próprias e dois covers. A faixa de abertura, Disco Dust, tem palhetadas rápidas sobre um ritmo cadenciado e os backings escarrados do ilustre convidado James Hetfield (o que acabou lembrando o White Zombie do álbum La Sexorcisto: Devil Music, Vol. 1). Na sequência, Fear e Dead seguem a mesma trilha de metal ritmado, por vezes se aproximando do pós-hardcore nova-iorquino, estilo Prong. Investindo em atmosferas mais esparsas e harmônicas, a faixa seguinte, Loser, é a quebra de clima. Guitarra melódica viajandona com levada remetendo às indie bands dos anos 80 (!). Cliff Burton, com quem Martin montou uma banda nos tempos de escola, certamente iria curtir.

A quase punk Barsoap Hair traz as guitarras de volta ao topo dos amps. É outra com backings do Hetfield. Em seguida, Mexican Sangwich, que parece material de (fita) demo. Ou sobra de garagem. O que for mais lisonjeiro, já que não é exatamente uma música ruim, tampouco sensacional. Já Navigator, cover eletrizante do The Pogues, é um cowpunk que também seria uma ótima ideia de cover pro Matanza. Clima festeiro total.

A seguir, Around the Sun, com seus 8 minutos, retorna ao clima relaxadão-riponga de Loser, só que num patamar muito mais melódico e progressivo. Bebe garrafadas da fonte do Pink Floyd de Roger Waters (na longa introdução e no andamento) e de Lennon/McCartney (no refrão). Som intrigante, com uma vibração meio mântrica/mística inesperada vinda dele.

Com levada à Caffeine, do FNM, Special Tea chega chutando toda a introspecção pro espaço. O clima pesa de vez com Fatso's World, um death metal lento e cavernoso com os vocais guturais de Jason Newsted (outro convidado metallico), e com uma regravação genérica de Surprise! You're Dead!. O álbum fecha com o "country apache" instrumental Hunter Shepard, sequência natural do som The Grade (faixa-bônus incluída no CD Live at the Brixton Academy, do Fenemê).

O máximo que se pode falar da cozinha escalada por Big Jim é que é competente. O batera Joe Cabral tem um naipe apenas modesto de tempos e não trabalha muito o kit, mas acaba se destacando frente ao baixista Brent Weeks, que se limita a acompanhar as linhas de Jim. Ambos levam uma borrachada de Mike Bordin e Billy Gould.

A engenharia e produção, a cargo do próprio Martin, até que surpreende e consegue reeditar a timbragem que sua guitarra sempre teve no FNM. Mas sai no prejú em relação ao Matt Wallace (produtor dos discos de maior sucesso do Fenemê), já que: 1º. não tem a malícia de um produtor de carreira; 2º. colocou o volume da bateria meia-boca acima do resto; 3º. não conseguiu dar uniformidade ao conjunto variado de ritmos, resultando naquilo que o Fenemê nunca foi em disco algum: irregular.

Descontando que praticamente todo debut solo é irregular e o fato de Big Jim mandar umas vocalizações bacanas (mesmo soterradas na produção), com urros neanderthais, falsetes, trechos quase falados e uns uivos coyotescos à Brujeria, até que sua performance individual é bastante divertida. Das letras, não posso opinar nada. Quando o vocal não está dobrado ou em último plano, está cheio de reverber. E nem achei no Google também - com exceção da Navigator (hino pra marinheiro zoar igual viking bebum em terra firme) e da Surprise! (discurso sádico para tosquiar vítimas no filme O Albergue).

É um CD que eu compraria (e ouviria muito ocasionalmente), caso um dia ganhasse edição nacional. Duvido que aconteça, assim como duvido que seja redescoberto em alguma onda revisionista B. O que, sinceramente, deve ser a última coisa que Jim Martin iria querer hoje. O cara raspou a pelagem sasquatch, saiu fora da festejada reunião FNMística e virou cultivador de abóboras gigantes. E é o 38º no ranking mundial!

Eat those, Syd Barrett.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Blend scotch western


Há um sem número de coisas a se comemorar aí - Josh Brolin finalmente pegando a trilha certa para o oeste, uma nova colaboração entre Bridges e os Coen, o Cash arrepiante lá pelas tantas.... mas o melhor mesmo é só degustar a vibe casca-grossa, como um bom Black Label doze anos.

Ordem do dia: rever a produção de 1969 enquanto não chega a estreia.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Não leia


Ano passado eu fui atropelado por um caminhão francês chamado Martyrs (2008). O filme é dos mais contundentes e transgressores exemplares do novo terror europeu. E estou sendo político aqui, já que o considero, fácil, o melhor filme que vi em 2009. É um tour-de-force niilista obcecado em mastigar e cuspir todas as convenções que Hollywood plantou no imaginário popular desde sabe-se lá quando. Através dessa poética tijolada na cara, pude mensurar o quão eu estava domesticado pela indústria de sonhos yankee. O filme me fez ter (muita) vergonha a cada falsa expectativa nutrida e a cada desejo involuntário por um deus ex machina que tive ao longo de seus 100 minutos.

E estaria desse jeito até hoje, me sentindo como um poodle boiola de madame de Beverly Hills, se Martyrs não tivesse o requinte de largar o espectador igual a uma barata esmagada na parede.

Seria fácil ceder à tentação e sair metralhando substantivos e adjetivos no frenesi da experiência. O que acabou sendo um entrave pra mim na época, já que respeito o filme demais para estragá-lo o mínimo que seja. Martyrs merece ser apreciado à caráter: nada de reviews na web, nada de sinopses, nada de trailers.

Até mesmo o counter (ou a barra de rolagem) deveria ficar fora de vista. Só você, o que você sabe sobre roteiros e o filme.

Sendo assim, essas linhas não tinham motivos para existir, até chegar a notícia de que Martyrs também ganhará um famigerado remake norte-americano. Que Hollywood está criativamente falida, todo mundo sabe, mas emular uma obra que é praticamente uma ode à sua desconstrução, chega a ser até irônico. O excelente cineasta Pascal Laugier cederá a cadeira a Daniel Stamm, diretor do irregular e mega-estourado O Último Exorcismo.

Ah, sim. Um dos produtores é Wyck Godfrey, o mesmo da série Crepúsculo. E já avisou que adoraria ter Kristen Stewart num dos papéis principais.


* * * * *

Como uma espécie de prêmio de consolação, Martyrs e suas vastas implicações renderam uma belíssima discussão com amigos. No meio do papo, perguntei como poderia escrever bem sem comprometer nada da história e recebi algumas boas dicas. Segue a mais sucinta:

"Vi um filme francês chamado Martyrs. Ainda não me recuperei. Poderia escrever 5 páginas aqui, mas estragaria o filme. Então não vou escrever nada, mas darei o link do torrent procês e ordeno que vejam."

Aqui o link.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Tony Iommi Deluxe


Nessa onda de relançamentos deluxe do Black Sabbath (que já cobriu quase toda a era de ouro com o Ozzy e a dobradinha inicial com o Dio), confesso que essas duas edições me surpreenderam. Seventh Star (1986) e The Eternal Idol (1987) pertencem à safra "maldita" do grupo, então sucateado com desmandos de gravadoras, queda de popularidade, turnês caóticas e um entra-e-sai inacreditável em sua line-up. Mesmo sob essas condições adversas, a banda ainda produzia bons registros, sendo o Seventh Star meu favorito dessa fase.

Musicalmente, o grupo se garantia, ao contrário do que pregava a crítica da época - como, por exemplo, o staff "descolado" da Bizz, revista que foi essencial na minha formação musical, mas que não era lá um exemplo de coerência (indie resenhando metal... bah!). Um lugar-comum na imprensa dita alternativa era dizer que o Sabbath oitentista foi decadente, irrelevante, não honrava o legado, etc...

Pura merda de touro.

Obviamente, não era brilhante nem influente como as fases do Madman e de Deus, mas estava longe de ser ruim. O que só fui constatar anos depois, em audições despidas de pré-conceitos e com uma bagagem considerável no lombo. O que há para se levar em conta, aí sim, é o contexto da época.

Entre 1986 e 1990, o Black Sabbath era tão somente o nome fantasia de Tony Iommi. Literalmente. A história é bem conhecida: Seventh Star deveria ser um álbum solo do guitarrista, mas, devido às pressões da gravadora, recebeu o forçado título de "Black Sabbath featuring Tony Iommi". Apesar disso, é um senhor discaço de Tony Iommi com o lendário Glenn Hughes.

Gravações piratas da tour de Seventh Star, mesmo que toscas, sempre foram raridade. Então, qual não foi minha surpresa ao ver que o CD 2 da edição deluxe trazia um show dessa turnê. Mas a alegria durou pouco: quem está nos vocais é Ray Gillen, que substituiu Hughes após infames cinco datas. Gravado em 2 de junho de 1986 no Hammersmith Odeon, em Londres, o CD tem qualidade bootleg de transmissão FM (no que, imagino, ainda deve ter dado um baita trabalho para ser mixado). Vale pela performance energética de Gillen e, principalmente, pelo registro inédito de Danger Zone e da faixa-título ao vivo.

Esse período na história do grupo sempre foi um assunto meio delicado e comentado de maneira evasiva (mesmo no booklet da edição deluxe), provavelmente para preservar o boa-praça Glenn Hughes, que atravessava seu momento mais junkie. Mas, vez ou outra, o normalmente discreto Iommi deixa escapar algumas informações.

Seguem alguns trechos de uma entrevista dele para a Rock Brigade (edição #229, agosto/2005):


RB - Você parece muito feliz por estar trabalhando com Glenn Hughes de novo. Você experimentou essa mesma satisfação na época de Seventh Star?
TONY IOMMI - Seventh Star foi um grande problema... A ideia de fazermos algo juntos foi ótima. O disco foi planejado para ter diversos vocalistas, mas, quando ouvi Glenn cantando, decidi que ele deveria cantar todas as músicas. Só que ele estava com sérios problemas relacionados a drogas e isso tornou tudo muito difícil.

(...)

RB - É verdade que, quando Glenn juntou-se ao Black Sabbath, ele queria cantar e tocar baixo?
IOMMI - Sim, é verdade, mas eu o queria apenas como vocalista. E acabou sendo a primeira vez em toda sua carreira que ele subiu num palco sem o baixo. Ou seja, ele acabou se envolvendo numa situação bem complicada. Nem era para ser um disco do Black Sabbath, minha intenção era gravar um álbum solo, mas acabou virando Black Sabbath de novo. Aí, virou uma tour do Black Sabbath e Glenn era o frontman - e sem o baixo! Foi muito, muito difícil. E pelo estado que ele estava naquela época, surpreende que ele conseguisse raciocinar.

(...)

RB - (...) Você já planeja a continuação de seu trabalho com Glenn depois de encerrada a tour?
IOMMI - Eu espero que sim! Ele é um sujeito muito criativo e sempre tem muito entusiasmo pelas coisas, desde que não esteja enfiando droga pelo nariz [risos]. Ele tem se mantido limpo há muitos anos.

RB - Na época de Seventh Star e Headless Cross [de 89], muita gente, especialmente da imprensa, não deu o devido valor a esses álbuns porque você era o único membro da formação original do Black Sabbath. Porém, com o passar dos anos, todo mundo passou a admirá-los. Com isso, você acha que o período que vai de meados dos anos 80 a meados dos 90, afinal, valeu a pena?
IOMMI - Muito estranho, você é a segunda pessoa que me diz isso, alguém me fez essa mesma pergunta ontem! Muito estranho mesmo... Na verdade, tão estranho como naquele show em que Rob Halford acabou substituindo Ozzy e veio pedir para cantar alguma coisa de Headless Cross. Eu fiquei em choque [risos]! Mas é interessante. Acontece isso com o Sabbath, algumas vezes as pessoas só começam a gostar de determinadas músicas muito tempo depois. Mas, na época, foi muito difícil, não tem como negar, sentia que nada do que eu fazia tinha valor. Você só continua porque ama esse negócio e quer seguir adiante. Eu gosto muito de Seventh Star, de Headless Cross e Cross Purposes [de 94] também. Quem sabe daqui a uns cinco anos a gente não faz um show com o Tony Martin [risos]...

(entrevista concedida a Chris Alo; tradução por Antônio Carlos Monteiro)



O CD bônus da edição deluxe de The Eternal Idol também traz uma preciosidade da época, que só havia aparecido em bootlegs até então: as sessões do álbum com os vocais de Ray Gillen, antes da entrada do titular Tony Martin. As faixas estão em versões não-finalizadas, mas com o áudio finalmente recebendo um tratamento digno. Mesmo com a ordem das músicas alterada, é um deleite ouvir e comparar as duas concepções.

Quanto ao trabalho de remasterização dos álbuns, não notei diferenças absurdas ou melhorias técnicas (um pouco do reverber do Seventh Star foi pro espaço). Mas os detalhes dos arranjos certamente ficaram mais cristalinos do que nas versões originais de 25 anos atrás.

Dethklok - "Murmaider"


"Hatred... check! Anger... check! Mermaid... check!"

sábado, 13 de novembro de 2010

The drummer that should not be

Post quase no vácuo do anúncio do Metallica no Rock in Rio 4, a rolar, veja só, no Rio de Janeiro, em algum ponto entre setembro e outubro de 2011 (os "últimos" lotes de ingresso e as taxas de [in]conveniência estão, neste momento, sendo forjados no fogo do inferno); e ainda sob o tremendo risco de invocar o relato orgástico de algum afortunado que esteve no show de 1989, "o único que prestou" (não, eu não fui... e, sim, já me contaram 666 vezes o quão foda foi).


Houve um tempo em que eu achava Lars Ulrich o maior baterista do mundo. Foi um reinado duradouro. Desde que comecei a ouvir heavy metal até finalmente admitir que uma criatura lovecraftiana de nome Neil Peart era soberana nessa arte. Mas nesse ínterim, não tinha pra ninguém. Incensados como Dave Lombardo, Tom Hunting, Nick Menza, Ventor, Away e outros podiam baquetar à vontade, que pouco ou nada me diziam. Santa insolência. Hoje é fácil perceber que gostava mais do nanico dinamarquês porque foi o primeiro baterista thrash que aprendi a reconhecer de ouvido. E um dos primeiros bateristas que me chamaram atenção, atrás apenas de Ian Paice e Mitch Mitchell.

De fato, Lars era dono de uma técnica simples, sem grandes firulas percussivas, mas cuja interação quase simbiótica com a guitarra base encontrava raríssimos paralelos no estilo. De quebra, suas performances irretocáveis nos clássicos Ride The Lightning e Master Of Puppets me davam pleno conhecimento de causa numa época em que eu não tinha nenhum. A cereja do bolo foi sua atuação no ...And Justice For All. Genial e até hoje subestimada. Como deveria ser.

Isso tudo acaba soando particularmente nostálgico pra mim, que fui acostumado com o Lars hors concours em listas de melhores do ano e clinicado em livros especializados. O fato de devorar bootlegs desde a época do vinil até os downloads do LiveMetallica.com só serviu pra documentar o dramático da situação: a cada ano que passava, Lars perdia mais e mais do seu mojo. Até que num belo dia, ele desaprendeu de vez. Talvez por deixar de praticar, talvez por perda gradual do interesse, provavelmente pelos dois.


É duro ver que Lars, hoje, apenas enrola na função. A cada Creeping Death executada displicente e tropegamente, me vem à memória os trechos do Some Kind of Monster onde ele revela seu lado de empresário e colecionador de arte, além das idas e vindas ao comitê do senado americano para regulamentar o copyright da música digital. Atividades extra-musicais que acabaram monopolizando seu tempo - além de não terem absolutamente nada a ver com rock and roll.

Jason Newsted, bom de baixo e de papo, elucidou um pouco mais dessa queda de produtividade do baterista, em entrevista à Rock Brigade (edição #190, maio/2002):


RB - Quando o Metallica esteve pela primeira vez no Brasil, todo mundo se surpreendeu com a postura agressiva da banda, em especial com a performance agressiva de Lars. Hoje, passados tantos anos, ele surpreende de novo: pelo que vemos em vídeos e na TV, ele parece uma menina.
JASON NEWSTED - Parece o quê???

RB - Uma menina.
JASON - [gargalhadas].

RB - Você não acha que esse tipo de coisa choca os fãs, especialmente os fãs de heavy metal?
JASON - Sim. Eu não sei nada sobre parecer uma menina, mas ele mudou muito radicalmente seu estilo e, o principal, não investe mais tanto tempo no seu instrumento, isso é evidente. Ele se tornou um homem de negócios, ele é o representante do Metallica, e isso faz com que ele não tenha mais tempo para tocar bateria. Quando a banda se tornou mais popular, ele optou por se tornar o "manager interno" do Metallica, o que reduziu muito o seu tempo para a música. Eu não estou dizendo que ele tenha perdido seu grande talento, mas eu tenho que dizer que ainda adoro Ride The Lightning por causa da bateria. Lá não tem computadores nem artifícios ou remendos de estúdio, o que foi tocado é o que você ouve no disco. Só que ele se tornou um sujeito muito ocupado e isso acabou afetando muito seu desempenho.

(entrevista conduzida por Fernando Souza Filho)




E como tudo que é ruim pode piorar, um vislumbre de como o Metallica soaria com um baterista "em dia" aconteceu no Download Festival de 2004. Com Lars doente, a bateria ficou a cargo de Dave Lombardo e Joey Jordison, do Slipknot. Desnecessário dizer que os dois, com um tempo ridículo de ensaio, deram ao Metallica seu momento mais vibrante dos últimos quinze anos. Erros, o set teve aos montes, mas o que contou foi a intensidade.

Pela primeira vez em muito tempo, o Metallica não executava seus clássicos de maneira burocrática, cansada. Pelo contrário, parecia que era a primeira vez que eles eram apresentados e que a banda ainda tentava desesperadamente se provar para o público. Até mesmo o técnico de bateria Flemming Larsen, que assumiu as baquetas em Fade To Black, fez bonito.

Kerry King relembrou esse momento histórico em entrevista à RB (edição #242, setembro/2006).


RB - (...) O Slayer e o Metallica tocaram juntos numa das datas da turnê de St. Anger e Dave Lombardo chegou a tocar bateria no lugar de Lars Ulrich em algumas músicas. O que você achou daquilo?
KERRY KING - Achei demais!!! E você tinha que ver o sorriso no rosto dos caras do Metallica. O Dave tocou as músicas como nos discos, ou seja, elas ficaram muito mais rápidas. Ele não é o tipo de músico que fica o tempo todo fazendo pose para a plateia, sua única preocupação é apenas subir ao palco para destruir a bateria. E os caras não conseguiam disfarçar a satisfação, pois tudo se encaixava, tudo estava no tempo e tudo estava rápido.

RB - Eu não vi o show, mas tenho um CD com ele gravado. Realmente, parece ter sido uma performance excepcional.
KING - Eu assisti ao show inteiro do palco. Além do Dave, o Joey [Jordison] fez algumas músicas também. Ele destruiu, pois é outro baterista fenomenal.

RB - Sem querer bater no Lars, mas ele nem se compara ao Dave ou ao Joey...
KING - É você quem está dizendo... [risos]

(entrevista concedida a Chris Alo; tradução por Ricardo Franzin)



No final das contas, tudo isso acaba sendo tão melancólico quanto relembrar as bandas sensacionais que você descobria na adolescência ou constatar com o tempo a inevitabilidade de certas coisas.


Mas que aquele baixinho sem grana, obcecado por Diamond Head e a New Wave of British Heavy Metal e que era um completo insano atrás de um kit de bateria faz falta... ah, isso faz...