sábado, 30 de julho de 2011

O triunfo da vontade


Capitão América: personagem alegórico de perfil motivacional criado por Joe Simon e Jack Kirby no início de 1941 para a Timely Comics, embrião da Marvel Comics. No final daquele ano complicado, os Estados Unidos entraram oficialmente na 2ª Guerra.

70 anos, inúmeros conflitos e uma ordem mundial inteiramente nova depois, o filme que os recrutas mereciam assistir. O 1º pra valer, vamos combinar. As tentativas anteriores de impor o Capitão sem a substância que faz dele o que ele é não vingaram nem a pipoca - e não me refiro ao soro do supersoldado. Fazer um filme sobre o heroi, com toda sua carga de simbolismos e ideais, é quase como fazer um filme sobre o Tio Sam. Foi aí a grande sacada de Capitão América: O Primeiro Vingador - o filme abraça a causa, por mais ultranacionalista e esdrúxula que ela possa se tornar, mas de maneira esperta, malandra e até autossarrista, sem jamais se render a recalques históricos que quase sempre deixam um gosto melancólico após uma falsa catarse de vingança e redenção.

Não que o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely seja um Norman Rockwell dos escritos d'antanho, mas alcançou o tom pop ideal para um personagem tão 1940. E sem deixar de fora as boas referências ao seu universo, salpicadas matreiramente durante toda a projeção. O Capitão América, quem diria, funciona e não soa como uma relíquia espalhafatosa da Era de Ouro pedindo aceitação nesses tempos tão cínicos. Considerando que essa era a parte preocupante, pode-se dizer que O Primeiro Vingador é um vencedor.

O problema ficou mesmo em aspectos padrões do filme. Talvez em algum ponto na interação entre a dupla de escribas com o comandante Joe Johnston e o cronograma nada amigável da Marvel Studios.


Primeiro, a parte boa. A ótima caracterização de Steve Rogers foi essencial para a coesão da narrativa, que cruza elementos de gêneros distintos sem a menor sutileza. Mais ainda, consegue estabelecer certa identificação com o espectador (a menos que este tenha assumido apaixonadamente o papel do valentão nos tempos de escola), além de transmitir uma mensagem simples, ingênua e boba até, porém universal: nunca desista de seus sonhos.

Chris Evans pode ter provocado a ira dos fanboys em suas primeiras declarações sobre o papel e certamente sua imagem de garotão à Ryan Reynolds não podia soar mais deslocada para a função. Mas quem o viu em Sunshine: Alerta Solar já conhecia seu potencial, apesar do ceticismo da maioria - olha a metáfora saltando das telas e invadindo o mundo real aí.

Evans, com toda a pinta de rei do baile e capitão do time, quem diria, rendeu uma boa mistura entre Peter Parker e a parábola do sapo surdo. Ou um Petey mordido por um sapo surdo radioativo, sei lá.

Não posso opinar tanto sobre a esqueletização digital do sujeito, já que o 3D desse filme parece ter sido convertido no fundo de quintal mais vagabundo da Santa Efigênia. Pelo que vi, pareceu convincente. Esse primeiro terço pré-Capitão foi justamente a parte que mais me agradou no filme, com um show à parte da produção de época e o clima nostálgico das ruas reeditando a atmosfera na qual o personagem nasceu - antes mesmo de ser o grandioso Capitão América, o pequeno Steve Rogers já era o sal daquela terra.

O Roger Ebert cantou a bola direitinho: Steve era só mais um garoto que queria ser como Charles Atlas e usar aquele poder não apenas para espancar "bullies" ou ganhar garotas, mas em favor da melhor causa de todas: ser americano.


Inicialmente achei que a ausência de suásticas e nazis afastaria o personagem de sua raison d'être. Felizmente, substituir os tradicionais chucrutes pela Hydra e todas as suas possibilidades ficcionais se mostrou bastante acertado, mesmo sem qualquer menção ao Barão von Strucker, à Madame Hydra e outros notáveis. Hugo Weaving, como sempre, impecável como o infame Caveira Vermelha. E isso inclui seu sotaque macarrônico e uma canastrice tal que só é possível pra quem está se divertindo a valer em frente às câmeras.

Toby Jones, pelo que conheço de seus trabalhos, parece ator de um papel só. Se for assim, foi a escolha perfeita para o Dr. Arnim Zola - cuja primeira aparição no filme foi uma referência impagável que provavelmente só os leitores dos quadrinhos vão pescar.

Do lado dos herois, um bom núcleo de atores e um naipe interessante de personagens dos quadrinhos, embora um tanto quanto subaproveitados. Os destaques vão para a bela inglesa Hayley Atwell no papel da agente Peggy Carter (interesse romântico de Steve), o grande Stanley Tucci conferindo um tom sereno, terno e quase paternal ao Dr. Abraham Erskine, Dominic Cooper personificando um Howard Stark que, além do bon vivant de praxe, também faz as vezes de Q para o Capitão - e em nada lembra a figura distante e obcecada como foi retratado em Homem de Ferro 2 - e finalmente Sebastian Stan fazendo um bom trabalho no (mais uma vez reescrito) Bucky Barnes.

Tommy Lee Jones está totalmente dispensável no papel do Cel. Chester Phillips, mas vale uns centavos pela rabugice que sempre imprime com um pé nas costas. Quero ser um velhinho igual aquele quando crescer. O chato mesmo foi ver desperdiçado o contingente bacana dos Comandos Selvagens, especialmente Neal McDonough, como o bonachão Dum Dum Dugan.


"America... FUCK YEAH!"

É a segunda vez que Joe Johnston dirige uma aventura sobre um heroi dos quadrinhos lutando contra vilões nazistas. A primeira foi em Rocketeer, há exatos 20 anos atrás, com produção da Disney, hoje dona da Marvel. É uma sincronicidade curiosa e um bom precedente, se tivessem me perguntado. Nessa nova incursão, no entanto, o termo "diretor operário" me veio à mente mais de uma vez durante o filme. Apesar dos bons empréstimos conceituais da versão Ultimate do heroi (Mark Millar é devidamente agradecido nos créditos finais), O Primeiro Vingador perde seguidas chances de fazer a diferença em momentos-chave, se limitando a sequências incrivelmente requentadas.

Há insumos de várias procedências aqui: Luke e Vader duelando numa ponte estreita sobre um abismo, o primeiro salto de Neo de um edifício para o outro, postais do Indy durante a Última Cruzada e até uma perseguição de speeder bikes na lua de Endor - isso pra ficar só nos mais óbvios. O cineasta também podia ter um pouco mais de bom senso na sequência em que o Cap invade sorrateiramente uma base da Hydra levando o "discreto" escudo estampado com a bandeira americana...

Mas o principal ponto negativo é o mesmo que já vem acometendo as produções da Marvel Studios desde Homem de Ferro 2 e que atinge seu auge neste filme: um plot que busca sua autosuficiência mais na presença do heroi e de seu universo do que numa história a ser desenvolvida e (bem) amarrada até a sua conclusão. Nada de tramas paralelas, reviravoltas ou mesmo uma grande missão pela frente. O Cubo Cósmico sequer representou um MacGuffin de respeito - o Capitão mal sabia de sua existência. A edição supercompacta das missões do Capitão com os Comandos e o final abrupto não deixam dúvidas. A exemplo de Thor, a trama aqui foi menos importante que a apresentação do personagem para o filme-evento que será Os Vingadores.

Quem esperava "apenas" um filmaço de ação/aventura passado na 2ª Guerra, como Os Doze Condenados, Desafio das Águias ou Os Canhões de Navarone, morreu na praia da Normandia.

Momento-marvete: o Capitão lutando ficou legal. Mesmo brigando contra dez, quinze adversários (o que ele faz nos gibis num dia fraco), a logística absurda da coisa flui redonda. Na verdade, no filme inteiro só contabilizei 1 soldado inimigo fazendo hora atrás do Cap, aguardando pacientemente sua vez de levar porrada. Ah, e o escudo de vibranium com efeito bumerangue dual core ricocheteando por aí, nocauteando os bandidos e voltando às mãos do Cap... HQ em movimento.

Jack Kirby teria deixado escapar um sorriso discreto. E Joe Simon, do alto de seus 97 anos (o que é fantástico), deve ter ficado orgulhoso.

Ps: pela primeira vez, esperar por cenas pós-créditos me rendeu alguma info útil. Sempre me perguntei onde andaria o talentoso Rodolfo Damaggio, desenhista, entre outras coisas, do famoso arco onde o Arqueiro Verde se sacrifica para salvar Metrópolis de um avião carregado com uma bomba (olha a sincronicidade aí de novo...). Legal ver o brasileiro figurando entre o staff do Cap. Podia retornar aos quadrinhos tradicionais algum dia.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Rinha escocesa

Se tudo der certo, Supergods, o aguardado livro de Grant Morrison, sai no Brasil no primeiro semestre de 2012, via editora Pensamento/Cultrix. Enquanto esse narguilé não é aceso por aqui, é interessante acompanhar a turnê (auto) promocional, com direito a um bate-bola de luxo entre o All Star Morrison e Neil Gaiman e, quem diria, também a figurar num caderno dois dominical de um diário escocês, ao lado de outro grande astro da terra do Chivas Regal:


Eu até descontaria as onomatopeias e a apelaçãozinha de imprensa marrom, mas ambas caem como uma luva no Morrison e seu discurso de retidão moral. Tudo bem que Mark Millar e sua fórmula kick-ass de "degradação, violência e herois durões assassinos em massa" ressoam hoje de forma mais gratuita que criativa, mas, caramba... quanta animosidade.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Problem of the Dead


Glen Mazzara é o novo showrunner de The Walking Dead no lugar de Frank Darabont. Tá aí uma notícia que eu não esperava tão cedo. Tudo bem, Darabont - que tem contrato de dois anos - é homem de cinema. Tanto que alegou conflitos de agenda. Mas mesmo assim soou algo prematuro. No fundo, eu tinha a esperança de que ele saísse de cena ao melhor estilo Chris Carter/J.J. Abrams, apenas quando a criatura estivesse caminhando sozinha, voraz, a passos firmes. Mas é o que é e o careca já tem um lugar garantido no céu de São Fulci e São Romero só pelo inesquecível piloto da série.

E o Glen Mazzara. Puxando a ficha do meliante, vi que é um experiente produtor e escritor de séries, mas nada em seu CV me interessou o bastante, com uma única e pra lá de honrosa exceção: The Shield. Quem já acompanhou um dia na vida do detetive Vic Mackey, sabe que o negócio ali é punk terminal fudido pra caralho motherfucker 'n shit.

Talvez estejamos presenciando aí uma mudança à primeira vista radical, mas convenientemente pontual. Afinal, todos sabem qual foi a única cena que realmente prestou no plot do CDC.


Um pouco mais disso, faz favor. De preferência com um colarinho de tensão humana quase insuportável.

Ps: precisamos conversar sobre a revista qualquer hora.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Who let the dog out


Em 1982, John Carpenter lançava O Enigma de Outro Mundo, terror antológico com alguns dos efeitos especiais mais criativos e insanos do cinema, poucas vezes igualados. Um clássico de gênero. E, como tal, atemporal e irretocável. Fui saber há pouco tempo que um novo The Thing estava a caminho e me surpreendi com a capacidade que Hollywood ainda tem de me irritar. Mas, por mais que a ojeriza de ver aquele universo sendo pasteurizado seja enorme, tenho que reconhecer alguns highlights:

1. já na primeira cena, a trama do filme dava plenas condições para um prequel de apelo promissor;

2. o diretor Matthijs van Heijningen Jr. pode seguir a tradição de estreantes pé-quentes: seu próximo projeto é o antecipado Army of the Dead, cujo roteiro é de Zack Snyder, que estreou em grande forma em Madrugada dos Mortos;

3. como bônus, Matthijs não é americano, é da terra do Paul Verhoeven;

4. a protagonista é a delícia cremosa Mary Elizabeth Winstead, o que garante ao menos o colírio numa (bem provável) situação de perda total;

5. o trailer incorporou à perfeição o espírito ainda mundano de Carpenter:


Quem montou o trailer fez a lição de casa. Está tudo lá, desde a atmosfera de paranoia à estratégia de não mostrar a criatura, potencializando o desconhecido. Bem parecido com o trailer do filme anterior (embora nem de longe tão arrepiante), incluindo a trilha que remete ao trabalho memorável do mestre Ennio Morricone. Mesmo sob o risco de ser apenas uma reedição inferior, a impressão geral melhorou após esse preview.

É uma história que merece ser contada? Na minha opinião, sim. Mas bem contada, coisa que Hollywood, hoje, não tem mais condições de fazer. Três culpados: a bunda-molice vigente, a ganância que ameniza o conteúdo de olho na classificação etária e o famigerado computer generated imagery.

Não cabe explicar a um moleque de hoje porque os efeitos artesanais da velha escola tornaram filmes como O Enigma de Outro Mundo tão especiais. Ou porque é péssimo que cineastas preguiçosos estejam usando o CGI para transformar filmes em videogames.

Basta colocar o pimpolho na frente de um telão, apagar as luzes e rodar essa cena:


The Thing 2011 estreia dia 10 de outubro lá fora. Sem previsão por aqui ainda.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Amargo regresso


Enfim, a cena inédita de Superman - O Retorno passada em Krypton. Não era bem o que eu esperava, mas é sombria, melancólica e tão bonita quanto ameaçadora. Merecia abrir o filme.

Na hora, a sequência me lembrou da história "Alucinação", publicada aqui na revista Super Powers #16 (fevereiro/1990). Escrita por John Byrne e desenhada por Mike Mignola, o conto era uma pequena pérola que mostrava o Azulão retornando ao seu lugar de origem e se deparando com um Krypton intacto. Ou quase.


O que se segue, nas palavras do Clark recém-saído de uma bad trip delirante, é "uma lição sobre a natureza humana e sobre abuso de poder". Lição que Bryan Singer demonstrou que já conhecia muito bem, quando preferiu homenagear a essência ao invés dos punhos.

G.I. Boys


E os Beasties Boys seguem sua trip videoclípica: dessa vez a música "Don't Play No Game That I Can't Win" (em versão expanded) rendeu um curta, dirigido pelo menino maluquinho Spike Jonze. O liquidificador pop estava no máximo - punhados de Falcons numa caçada mortal entre navy seals, yetis, tubarões e, claro, os heróis deste blog.

Reminiscências das batalhas campais de antigamente com meus Comandos em Ação devidamente zumbificados...

sexta-feira, 1 de julho de 2011