quarta-feira, 16 de novembro de 2022

T'Challa para sempre


Pantera Negra: Wakanda para Sempre pode — deve, até — ser encarado como a reflexão definitiva de um tema que há tempos move os filmes da Marvel Studios: o luto. Vimos doses massivas deste estado de espírito e de seus efeitos em Capitão América: Guerra Civil, Pantera Negra, Vingadores: Guerra Infinita, Vingadores: Ultimato, WandaVision e Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Mas nunca de maneira tão integrada. Da primeira à última cena, Wakanda para Sempre é uma eulogia a Chadwick Boseman e sua antológica versão do herói T'Challa. Deve ser o 1º mourning movie do cinema de super-heróis.

Era inevitável. Ao estender para as telas sua reverência à memória do ator, a Marvel automaticamente decidiu pelo tom solene da produção. Dali pra frente, o cineasta Ryan Coogler teria que trabalhar a nova premissa em uma escala quase metalinguística, atualizar o status de Wakanda no UCM, trazer uma nova aventura, apresentar Namor à Sue ao mundo e ainda redesenhar o futuro da franquia nos cinemas. Isso repercute inclusive na impactante trilha sonora de Ludwig Göransson e na letra da música-tema "Lift Me Up", de Rihanna.

Poucos filmes já estiveram nessa posição. Em termos de blockbuster, talvez apenas Velozes & Furiosos 7 (2015) com o ator Paul Walker, morto em 2013. E mesmo assim numa ressonância realidade-ficção muito menor.

O diário dos bastidores também deve ser uma leitura interessante. Início das filmagens adiado por casos de COVID-19 entre membros do elenco e do staff, a enorme polêmica antivacina em que Letitia Wright se meteu, além de um acidente sofrido pela estrela durante uma cena que lhe rendeu uma concussão e um ombro fraturado, o que gerou mais um hiato nas gravações.

O tal acidente, inclusive, foi de moto. Se foi na cena que estou pensando, o resultado ficou fenomenal. Método é tudo, é o que digo.

Apesar de todos os percalços e da dificuldade level HARDEST da empreitada, o roteiro de Coogler e Joe Robert Cole (reeditando a dobradinha bem sucedida do 1º filme) sai vitorioso num campo de batalha com inúmeras baixas em ambos os lados — o que serve também como analogia à cervical da trama. Ao mesmo tempo, é visível que o fator deadline, tão conhecido pelos leitores de quadrinhos mensais, finalmente alcançou as telonas.

Só assim para explicar o emprego intensivo de elipses narrativas (lacunas deixadas na história para o espectador preencher com a dedução lógica), várias delas resvalando em pontos cegos difíceis de presumir e até em ocasionais e vistosos buracos. Um deles, justificando o MacGuffin do filme, é abissal. Nada que uma ou duas linhas de diálogos não resolvessem. Mas, pra isso, o roteiro precisaria de uma boa e despressurizada revisão, o que, obviamente, não aconteceu.

Todo o elenco está indefectível. Impressionante, já que o núcleo principal é imenso. Wright fez sua melhor Shuri até aqui, numa atuação entregue e passional. Desnecessário (e até desrespeitoso) tecer maiores comentários sobre Angela Bassett como a Rainha Ramonda. A mulher é uma deusa, sempre foi. Lupita Nyong'o está maravilhosa como sempre reprisando o papel de Nakia, espiã reformada e o grande amor da vida do T'Challa. O mesmo para a veterana Danai Gurira como Okoye, a líder das Dora Milaje. Até mesmo Winston Duke brilha com seu M'Baku experimentando novas e interessantíssimas camadas. Já Dominique Thorne está à vontade e convincente como a heroína estreante Riri Williams/Coração de Ferro. Mesmo com as linhas pífias entregues a ela pelo roteiro.

E o Namor do mexicano Tenoch Huerta Mejía dobrou todas as minhas desconfianças com um pé nas costas e duas asinhas em cada tornozelo. O Príncipe Submarino é puro sangue nos olhos, força, majestade e fuckin' arrogância. Adorei praticamente tudo em relação a ele, inclusive o ato final. Quase não me importei com a releitura mesoamericana e com a Talokan ex-Atlântida (do também ex-Namor McKenzie) sem um pingo daquela ambição quadrinhística. Só o fato de bater a vontade de revisitar o quanto antes o run do Byrne, já merece um brinde.

Pantera Negra: Wakanda para Sempre está longe de ser a sequência idealizada daquele divisor de águas afrofuturista de 2018. Não tem as melhores decisões e não consegue cobrir o espaço imenso de um protagonismo à deriva. Sem Chadwick, nem poderia mesmo. Mas, paradoxalmente, é seu coração permeando cada frame do longa que faz da experiência algo tão especial. Em se tratando de mainstream, isso é vibranium puro.

Ps: pós-créditos emocionante, cara. Sem condições...

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