quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Zombie de Ouro 2022


2022 está acabando, mas ainda vai demorar pra acabar. Foi um ano extenuante, pesado e mal humorado. Nem o Robertão aguentou. Eventualmente, toda essa confusão vai passar, como uma daquelas viroses de uma semana ou, sei lá, gases.

Pra ficar no campo artístico, a perda humana e cultural foi sem precedentes. Quase só postei obituários no BZ — e nessas situações um blog com esse título não podia suscitar um humor negro mais involuntário. É preocupante quando você já começa a estruturar o post da próxima despedida de cabeça.

Aliás, um reflexo dos novos tempos: perdi os parâmetros estatísticos daqui. Blogs não patrocinados são terra arrasada e os acessos estavam quase dando traço, mas o MyStatCounter, lá do ícone no finzinho do layout, parece uma montanha russa. O mesmo acontece com o sistema nativo do Blogger. O que não faz nenhum sentido. Chuto que são hitpages de links diretos via smartphone. Posts populares ao lado de outros nem um pouco.

Até abriria um Patreon, mas preciso evitar a fadiga.


Ao ataque!



Playlist do ano


O prodígio neo soul Leon Bridges e o sensacional trio Khruangbin se reuniram para mais um EPzinho delicioso (e não me refiro apenas ao baixo e aos quadris mais tesudos do showbiz). Texas Moon é a continuação natural de Texas Sun, EP de 2020. Grooves hipnóticos e harmonias celestiais de guitarra e vocais que funcionaram como uma verdadeira massagem auditiva neste 2022 tão carregado. Para ouvir sem moderação.





O quê, o Khruangbin de novo? Khruangbin de novo. De alguma forma, o sensacional trio® encontrou tempo para mais um álbum colaborativo em 2022. Dessa vez, com o cantor e guitarrista maliano Vieux Farka Touré — isso aí, filho do legendário Ali Farka Touré. Em Ali, as batidas funky e os arpejos psicodélicos do grupo texano fluem em perfeita sintonia com o afro-soul e o desert blues de Touré. O resultado é transcendental.





Confesso que não tinha muitas expectativas com How Do You Burn?, o LP #9 dos veteranos The Afghan Whigs. A morte do guitarrista Dave Rosser em 2017 havia deixado o futuro incerto e é surpreendente que não só o grupo não tenha acabado (mais uma vez), como ainda saiu do estúdio com o melhor disco pós-retorno-em-2011. E o figura Greg Dulli está simplesmente rasgando nos vocais. Fazia tempo que a fusão (ou congregação?) do pós-punk com o r&b não soava tão orgânica.





A bem da verdade, só tem duas girls no Petrol Girls. Mas são autênticas riot grrrls. O que importa é que o quarteto britânico é feito do mesmo inconformismo que embalou a fúria de bandas como Bikini Kill, Babes in Toyland e 7 Year Bitch nos anos noventa. Baby já é o 3º disco. É punk, é pós-hardcore, é noise, é pro-Choice, é tudo isso desconstruído com requintes de necessidade. E a irada vocalista Ren Aldridge grita cada estrofe como se fosse a sua última mensagem para o mundo.





Ouvir e reouvir Cheat Codes é como ter um vislumbre dos arquivos musicais de Danger Mouse. Não deixa dúvidas de que a coleção de discos do produtor, compositor e multi-instrumentista é uma gigantesca mina de ouro. Este collab com o rapper Black Thought, do grande The Roots, é como um masterclass do sujeito. Bases e samples inacreditáveis que literalmente te jogam em uma aventura arqueológica em busca desses tesouros em sua forma original. E o álbum? Ah, é do caralho.





22 anos. 1 geração e 1 zeitgeist depois, o Planet Hemp ressurge das cinzas cannábicas com o melhor disco da carreira. Além dos obrigatórios rap metal e hardcore, "Jardineiros" sai emulando glam rock, surf music, dubstep, miami bass e afrobeat sem a menor cerimônia. Uma pena o redivivo Black Alien participar de apenas 1 faixa. Mas só o fato de Marcelo D2 e BNegão esculacharem de cara o clã de milicianos e sua legião de zumbis patrióticos já mereceu repeats incessantes. E olha que a partida estava ganha logo na introdução do disco, com o genial e saudoso Marcelo Yuka mais uma vez tocando a alma do ouvinte...





Conheci o Wormrot junto com o povão: depois que o João Gordo divulgou som do trio de Singapura num post do Facebook. E nunca mais parei de ouvir o grindcore ridiculamente extremo dos caras. Hiss é seu quarto disco (fora EPs e splits) e, pra mim, o melhor. Também é o último a contar com os rosnados do vocalista Arif, que saiu da banda levando consigo a empresária-barra-esposa. Maldito amor!!





Nunca liguei muito para o Amon Amarth, mesmo que, sob critérios Maidenzísticos, tenha um conjunto da obra dos mais consistentes e regulares da cena pesada. Resolvi ouvir com mais atenção a mistura de death melódico e heavy tradicional do grupo sueco e acabou que The Great Heathen Army não se afastou mais do play. Músicas bem arranjadas, produzidas (Andy Sneap) e até mesmo grudentas. Um banquete para aficcionados pelas séries Vikings e Vikings: Valhalla e por filmes como Valhalla Rising e Northman. A nota curiosa é a alcunha da banda, retirada do nome élfico da montanha onde Sauron forjou os Anéis do Poder. Debaixo de todas aquelas barbas, peles, espadas, machados e sangue nos olhos, quem diria... nerds.





Formado em 2013 pelo compositor e multi-instrumentista suíço Manuel Gagneux, o Zeal & Ardor é único em seu estilo: um inacreditável mix de black metal satanesco 666 com delta blues e o spirituals afro-americano — os cânticos dos pretos africanos que foram nada gentilmente importados pela América nos séculos 18 e 19. Nesse 3º disco autointitulado, nota-se uma progressão menos vanguardista, mais acessível. E ficou melhor ainda. O Z&A segue como uma das bandas mais interessantes e instigantes lá fora.





Ao contrário da discografia frenética em vida, os lançamentos póstumos de Prince são bem esparsos. Provavelmente ainda resultado de suas brigas homéricas com gravadoras e a indústria em geral. Prince and The Revolution: Live saiu originalmente como home video em 1985, em DVD só em 2017 e agora, finalmente, na versão CD via Legacy Recordings em parceria com a New Power Generation Records, dele mesmo. E valeu a espera. O "Artista" em plena The Purple Rain Tour com a banda The Revolution tinindo e um público de 40 mil ensandecidos abarrotando o Carrier Dome, em Syracuse. De chorar.





Coisas do rock & roll. O 2º LP que comprei na vida foi um ao vivo do Creedence Clearwater Revival (o primeirão foi o dos punks). E justamente o The Royal Albert Hall Concert. Anos depois, o disco foi relançado como The Concert, corrigindo um erro incrível: ao invés de uma apresentação no legendário salão de espetáculos britânico, como o título informava, aquele show foi no Oakland Coliseum (CA), em janeiro de 1970. Este At the Royal Albert Hall finalmente trouxe a performance correta (em abril de 1970), na íntegra e com a pompa e a circunstância devidas. Swamp rock em bandeja de prata.





Ei, molecada hipotética que visita o blog, larga de ouvir picaretagens como St. Vincent e Lana Del Rey e vá conhecer os discos de Rosalie Cunningham, hors-concours aqui no ZdO. A música da cantora, compositora e multi-instrumentista inglesa é uma saborosa mistura de folk urbano, psicodelia, blues e occult rock. É uma sonoridade envolvente e inclui até uns climas Nico-Beatlescos neste segundo disco. Puro narguilé sonoro.





A cada novo disco, o Ratos de Porão parece mais puto e mais punk. Não é pra menos: após quatro anos surreais de inferno demencial presidencial com direito a pandemia seguida de genocídio, não faltavam motivos pra ficar injuriado e vomitar fogo pelos amplificadores. Necropolítica é o disco-catarse mais necessário de 2022. E, pelo visto, ainda será por um bom tempo.





Jairo Guedz é uma figura fundamental na cena da música pesada nacional. Integrou uma das formações jurássicas do Sepultura e gravou seus dois primeiros LPs, os históricos Bestial Devastation (1985) e Morbid Visions (1986). E apesar de ter se mantido regularmente ativo (o quanto possível em se tratando de metal no meu Brasil brasileiro), o legado sepulturístico segue firme e forte, 35 anos depois. A conta fecha agora com Antichrist Reborn, estreia de sua banda The Troops of Doom. A premissa de um Sepultura circa '85 atualizado (desde a capa), com mais malícia, técnica e recursos vastamente superiores acabou dando muito certo. Porradaria trevosa para embalar moshs assassinos.





Timbuktu já é o 9º álbum de Oumou Sangaré e só fui conhecer essa lindeza agora. Tecnicamente, a cantora do Mali é ligada ao Folk Wassoulou, gênero tradicional do Vale do Rio Wassoulou, região histórica e cultural da África Ocidental. Na prática, soa próximo de uma união do delta blues com o desert blues dos rockeiros tuareg. Só sei que ainda não ouvi esse disco o suficiente. E olha que já ouvi muitas e muitas vezes...





Finalmente um novo do Claustrofobia. Foram longos seis anos desde o furibundo Download Hatred, mas valeu a espera. Unleeched traz uma queda ainda mais acentuada para o death com inserções certeiras de groove metal. Uma artilharia incessante da primeira à última faixa. Parafraseando o título de uma das músicas, um verdadeiro neuro massacre.





Descobri o Cannons por acaso e nem lembro onde. Talvez pelo Consequence of Sound ou pelo Paste Magazine, minhas principais vitrines de música indie. Fever Dream é o 3º disco do trio californiano via plataforma digital. Nunca lançaram nada físico. Tudo isso um estarrecedor sinal (final?) dos tempos. O som é uma delícia de synthwave com a voz sussurrante da cantora Michelle Joy evocando o mais doce dream pop. Altamente chill.





Vamos ser honestos, o Pixies pós-retorno só lançou discos marromeno. Com Doggerel (que honra) não é diferente. O motivo, pra mim, é bem simples: a falta das linhas de baixo e do sorrisão da retirante Kim Deal. O garante de Black Francis & cia. é que o marromeno do Pixies é substancialmente acima do melhor da maioria. Com Doggerel (novamente, lisonjeado) não é diferente². E ainda citam o Brazil na letra de "Dregs of the Wine". Bom demais para esse combalido coração canarinho. Deu vontade até de mandar uns Pixes pro Pixies.





Dave Mustaine, o técnico da seleção Megadeth, sempre foi um excelente armador de times. Nem nos piores discos da banda entrou um perna de pau em campo. E não me furto em afirmar que o Kiko Loureiro é o craque que a equipe precisava. Sem pachecada: Tesouro (e sua guitarra quadrada) foi a melhor contratação de MegaDave desde a saída do guitar hero Marty Friedman. E a musicalidade assombrosa de The Sick, the Dying... and the Dead! fala por si só. A formação ainda inclui o veterano Steve Di Giorgio (James LoMenzo, o baixista atual, não participa do álbum) e o excelente batera Dirk Verbeuren. Assim fica difícil gravar disco ruim, hein Musta.





Um colega comentou que ficou exausto quando ouviu All Colors of Darkness, o novo do NervoChaos. Não tiro a razão do rapaz, pois este décimo álbum (!) da banda paulistana é de uma brutalidade quase fora dos trilhos. De alguma forma, conseguem aliar o ataque de uma banda iniciante com a técnica e a sagacidade de veteranos (que logicamente são). É realmente impressionante. E nem tente assimilar numa tacada só. Tenha amor pelo seu sensorial...



Menções honrosas:

Bruce Springsteen - Only the Strong Survive
Gogol Bordello - Solidaritine
black midi - Hellfire
KMFDM - Hyëna
Meshuggah - Immutable
Florence + the Machine - Dance Fever
Primus - Conspiranoid (EP)
Guerilla Toss - Famously Alive
Imarhan - Aboogi
White Lung - Premonition
Krisiun - Mortem Solis
Spiritualized - Everything Was Beautiful
The Black Keys - Dropout Boogie
Witch Fever - Congregation
Machine Head - ØF KINGDØM AND CRØWN
The Cult - Under the Midnight Sun
Pike Vs The Automaton - Pike Vs The Automaton
Sun's Signature - Sun's Signature (EP)
Os CINCO discos do King Gizzard & the Lizard Wizard (chupa, Chili Peppers!)


Gibi do ano


Nem Todo Robô, de Mark Russell (roteiro), Mike Deodato Jr. (traço) e Lee Loughridge (cores), via Comix Zone. Foi uma barbada. E não "apenas" pelo Eisner de Melhor Publicação de Humor que merecidamente levou: a HQ traz a sátira social perfeita para o momento crucial que a humanidade atravessa. Ainda dá tempo... E que um raio me parta se estes não são os melhores desenhos do Mike Deodato Jr. da carreira do Mike Deodato Jr.


Livro do ano


Não sou nenhum lecteur, mas esse ano a fomeagem por livros estava grande. A maioria foi resgate de outros carnavais (um Robert E. Howard aqui, um Roald Dahl acolá) e bios (Chacrinha, a Biografia, Roberto Carlos em Detalhes). O único "lançamento" a unir os dois aspectos é também um dos mais divertidos: a edição definitiva de Pavões Misteriosos: A Explosão da Música Pop no Brasil 1974-1983, do jornalista André Barcinski. Originalmente lançado em 2014, o livro ganhou uma nova versão recheada de entrevistas e informações sobre artistas, discos, shows e toda a sorte de cambalachos, mutretas e maracutaias de bastidores. Sem dúvida, uma das pesquisas mais abrangentes do pop brazuca daquele período — onde nasci e me criei, o que conferiu um sabor bem pessoal à experiência.

Obs.: dê preferência à versão física. No eBook, a Amazon repassa uma merreca para o autor.


Série(s) do ano


A menos que se tenha uma nababesca vida de YouTuber, é impossível acompanhar a infinidade de séries disponíveis hoje. Stranger Things só assisti outro dia. Quartinha nem vi. Algumas até consegui pegar no pulo do gato: Halo, The Lazarus Project, Only Murders in the Building, Ted Lasso e The Peripheral, por exemplo. Gostei de todas e acho que cada uma merecia levar um zumbizinho dourado pra casa. Mas também seria uma grande injustiça com o nível de direção, roteiro e atuações de The Old Man, thriller de ação e espionagem com Jeff Bridges, John Lithgow e Alia Shawkat. Igualmente com a bizarra e intrigante premissa de Ruptura, com Adam Scott, Patricia Arquette e John Turturro. O resultado não podia ser outro: empate técnico.


Desenho do ano


Gennady Borisovich Tartakovsky é um gênio. Em Primal isso fica ainda mais escancarado. Sua mente opera em um mundo à parte. Ou em um outro tempo. A jornada visceral de Spear e Fang é a nossa própria jornada esquecida enquanto espécie. Nas sábias palavras do Dr. Ian Malcolm, em Jurassic Park: "A evolução nos ensinou que a vida não pode ser contida. A vida se libera. Cruza fronteiras, rompe barreiras. Dolorosa ou perigosamente." Isso é Primal.


Filme do ano


Ela Disse (She Said) assumiu uma tarefa complicadíssima: adaptar o livro homônimo de Jodi Kantor e Megan Twohey, as repórteres do New York Times que investigaram o infame Caso Harvey Weinstein-Miramax. Era fácil ceder ao melodrama ou à estética documental. Felizmente, do roteiro inteligente de Rebecca Lenkiewicz e da direção afiada de Maria Schrader saiu um thriller investigativo com zero gordura, na tradição de clássicos como Todos os Homens do Presidente e O Informante. Um palco perfeito para as presenças gigantes das atrizes Carey Mulligan e Zoe Kazan. Filmaço corajoso e bastante perturbador.


Menções honrosas sem nenhuma ordem:

O Alfaiate (The Outfit, Graham Moore)
Batman (The Batman, Matt Reeves)
Top Gun: Maverick (Joseph Kosinski)
O Predador: A Caçada (Prey, Dan Trachtenberg)
Tico e Teco: Defensores da Lei (Chip 'n Dale Rescue Rangers, Akiva Schaffer)
Argentina, 1985 (Santiago Mitre)
Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin, Martin McDonagh)
Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water, James Cameron)


+ 1 minuto de silêncio


2022 foi um ano sofrido com a perda de grandes artistas e personalidades da cultura pop (até a Rainha! -- E Pelé!) e também de um veículo onde muitas delas figuraram: o CD-Rom da Bizz. Lançado em 2005, o charmosinho pack em formato de elepê já enfrentava problemas com a descontinuação do Flash Player da Adobe no final de 2020, mas neste ano o palco caiu. De vez. Até entrei em contato com a desenvolvedora do produto, a Ø1 Digital, mas, adivinha, no money, no honey. O blog Revista Bizz, que há tempos posta o conteúdo dos CDs, é uma boa alternativa para consultas. Mas sem aquele campo de buscas mágico...


P-por hoje é só, p-pessoal!



Anexo/post scriptum: quando os Reis caminhavam sobre a Terra...


Descanse em paz, Pelé!

@ Butcher Billy

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

S de Sacanagemquefizeramcomigo


O Snyderverso não vale um copo de cachaça, mas é inegável que haviam elementos certeiros no meio da tralha. Henry Cavill, cansei de falar pra ninguém, é o Superman perfeito que nunca foi — e que, agora sabemos, nunca será. A bolada nas costas que a Warner deu no rapaz (que dropou série de cult following garantido) foi um dos maiores exemplos de como as coisas funcionam nos meios corporativos de Hollywood.

Como ironia final, os três segundos de Cavill na cena pós-créditos de Adão Negro me pareceu "apenas" o melhor Super desde o Christopher Reeve. Dava pra ver que a atitude estava lá. Inclusive atitude-JLU, se me permite o exagero.

Ao menos, é ponto pacífico que o James Gunn conhece do riscado. Aliás, é um dos únicos caras na indústria hoje aptos a encabeçar a reestruturação do DCEU — que já perdeu seguidas oportunidades de protagonismo durante a apagadíssima Fase 4 do Marvel Studios.

Em sua coluna no UOL, o Roberto Sadovski destrinchou com propriedade esse cenário de terra arrasada. Ou de crise infinita...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A Fortaleza da Coleção


Geraldo Cachola foi, provavelmente, o maior colecionador de quadrinhos do país. Dono de um dos sebos mais conhecidos de São Paulo, ele era, digamos, pragmático em identificar potenciais aquisições. Especialmente com as viúvas dos colecionadores. "Como elas não conhecem o material, vendem tudo a preço de banana", dizia ele.

Ecos de Rob Gordon e Vilões por Acaso (Comic Book Vilains, 2002)? Pode ser. E faz parte.

Quando um artigo com seu perfil saiu na Mundo dos Super-Heróis #24 (nov-dez/2010), o acervo do homem contabilizava cerca de 250 mil gibis. Ou 1/4 de 1 milhão. Algo difícil de mensurar, mesmo com fotos.

Carlos Grecco, do canal Red Nerd Pill, deu uma forcinha à plebe colecionista e registrou uma visitinha à gigantesca e exclusivíssima gibiteca de Cachola, hoje curada e comercializada por sua filha, Iris Rosemeire.


Impressionante mesmo. Ainda bem que desencanei há tempos de gibis antigos e suas loucas adaptações.

Mas não recusaria uma rápida turnê pelo tal "paraíso". Talvez tropeçasse em alguma coleção fechada da Heróis da TV da Hanna-Barbera. Ou do Ken Parker da Vecchi. Ou do Sandman completo da Globo...

domingo, 4 de dezembro de 2022

Bate-Man & Paulão, a dupla dinâmica!


Atualizar um título é um dos momentos mais melancólicos e nonsense da rotina de colecionar quadrinhos. Melancólico porque é um processo de desapego. É nessa hora que toda aquela magia nostálgica costuma ir pro saco. Nonsense porque, se você já tem o bendito gibi, então por que pegar uma versão nova? Entre prós e contras, existe a praticidade, os extras, a diferença das dimensões, da diagramação, do papel, da impressão e quadrinhofilias afins. A vida não é fácil.

Felizmente, também existem casos como os de Batman: Gótico. Ou Gothic, dependendo do editor.

A HQ saiu originalmente em Legends of the Dark Knight #6 a #10, entre abril e agosto de 1990. O roteiro de Grant Morrison segue uma linha detetivesca com elementos faustianos/sobrenaturais. Como de praxe no título, a trama se passa nos primeiros anos (meses?) do Cruzado Embuçado envergando o capuz. E inclui algumas patacoadas já anacrônicas para a época, como a ridiculamente-elaborada-armadilha-infalível-da-qual-o-Morcego-escapará-no-último-instante. Era o bom e velho Morrison pagando tributo ao seriado sessentista enquanto se deliciava com sua salada de cogumelos, ácido e ecstasy — o café da manhã dos campeões.

A arte trazia Klaus Janson onde não havia nenhum lápis para ele transformar em algo do Klaus Janson que não fosse o dele mesmo. Que é bem irregular, diga-se. Não duvido que tenha tascado o nanquim de primeira. Mas o emprego da retícula Zip-A-Tone ficou show de bola.

No Brasil, a história foi publicada em 5 partes na cultuada Um Conto de Batman em julho de 1991 e encadernada em dezembro do mesmo ano. A Abril estava ligeira (isso, mais a hiperinflação acabaram com minhas preten$ões de acompanhar gibizinhos naquela década). É uma delícia revisitar a obra nos dropzinhos do formato americano original. Ainda é o melhor jeito de ler quadrinhos, mas que, misteriosamente, nunca pegou por aqui.

E o melhor de tudo foi algo que só relembrei agora, atualizando para a versão em capa dura. Foi dali que saíram alguns momentos icônicos da edição nacional de quadrinhos...


Justiça seja feita, o ato de traduzir, que normalmente já é um trabalho traiçoeiro, às vezes adquire contornos demoníacos. Ainda mais quando pipoca um trocadilho intraduzível, como foi o caso deste "Bat" (de "bastão") - "Man". É sensacional, embora completamente alienígena para a nossa realidade.

Nada que a tradução nacional não desse conta com o jeitinho brasileiro na ponta da agulha.


Literalmente, o cara-que-bate. Genial é pouco.

Podia até torcer o nariz para a malandragem da "tradução localizada", não fosse o próprio nome do herói por aqui uma subversão adaptativa clássica — que ninguém liga e até agradece.

No expediente, os créditos da tradução e adaptação são do Estúdio Art & Comics, dos sócios Helcio de Carvalho, Dorival Vitor Lopes e, claro, Jotapê Martins. Este, com toda a certeza, o pai da criança.

Muito embora, ache que, diante de tal abacaxi e com os prazos batendo na canela (Um Conto era quinzenal), é bem possível que o engenhoso Jotapê tenha se inspirado em uma fonte muito louca.


A 1ª aparição de um "Bate Man", em MAD #60, da Vecchi (jun/1979)

E na edição da Panini?

A solução foi surpreendentemente sucinta.


Os créditos são dos manos Diogo Prado (tradução) e Pedro Catarino (adaptação). Faltava ao Jotapê essa contemporaneidade.

Mas sem problema. Na Gothic da Abril, os nomes originais eram meras telas em branco aguardando o talento de um artista. E esse artista era ninguém menos que João Paulo Lian Branco Martins.



Também conhecido como Jotapê Paulão.

Nessa atualizada melancólica e nonsense decidi pelo impagável e pelo sensato: vou manter as duas edições.