Cynthia Bonacossa, a
Cynthia B., é quase uma 3x4 do quadrinista brasileiro: uma alma inquieta, sagaz e que ri das próprias desgraças com um sorriso doido no rosto. O único porém é que a autora não esteve tão mal na foto. Entre 2009 e 2015, trabalhou com Allan Sieber e em publicações udigrudi como
Golden Shower e
Pé-de-Cabra, fez tiras para a Piauí, para a Folha e, de quebra, fez residência na Maison des Auteurs, em Angoulême.
Tudo isso e ainda lembrava a Karen O naquela
foto de divulgação. Nada mal mesmo.
Daí que
Estudante de Medicina, sua estreia autoral, apenas seis anos após pendurar o jaleco de médica para seguir carreira nos quadrinhos, é algo digno de nota. Publicado pela
Veneta em 2017, o livro, inclusive, ganhou
edição francesa.
Até aí, tudo bueno, tudo azul, com
entrevista para o G1 e pá e bola. Mas de lá pra cá, o jaleco retornou da gaveta, vingativo. E foi a vez do nanquim ser pendurado. Ao menos, é
o que consta. Brasil pós-2018 não é para fracos.
Estudante de Medicina é um registro semi-autobiográfico de Cynthia no período em que ela cursou Medicina na UFRJ, entre 2006 e 2011. E confesso, é uma HQ que me ganhou já na prévia gratuita... pelos motivos mais escatológicos.
Foi a prévia certa na hora certa. Na época, andava imerso na onda de "vídeos satisfatórios" no YouTube. Mas sem putaria: os
vídeos em questão mostram extrações de toda sorte de abcessos, espinhas e cravos tão gigantescos que parece que a qualquer momento vão sair dali e destruir Tóquio. Impressionante a quantidade de trasheiras que se abrigam por baixo da pele.
Em outras palavras, foi amor à 1ª vista. Ou espremida.
Peguei logo que vi. Mas por motivo de
pilhadegibis, só li agora. 6 anos para devorar o livro em 1 hora. É uma leitura purulenta/suculenta e divertidíssima.
E um tanto diferente do que imaginei naquela impressão inicial.
A rotina acadêmica pode ser um dos períodos mais complicados na vida de qualquer um – coroando a pós-adolescência, um período já bem pau-no-cu por si só. Com a quadrinista não foi diferente.
Então, o livro acaba priorizando temas mais intimistas baseados em experiências pessoais e/ou de terceiros, a dinâmica caótica dos relacionamentos, dilemas vocacionais, entreveros familiares e pronto, temos aí uma obra
coming of age moderninha, extrovertida, morando na Barra e bronzeada pelo sol de Ipanema – não exatamente o Carnaval de vísceras & fluídos humanos que assaltava minha imaginação há anos.
Felizmente, o
storytelling de Cynthia é muito cativante. Bem-humorado e salpicado de tons irônicos e autodepreciativos, mesmo quando a homônima protagonista passa por seu momento mais sombrio (sem spoiler). O choque de realidade no finalzinho é, ao mesmo tempo, terno, engraçado e com um puta gosto amargo que me lembrou do final-porrada de
A Primeira Noite de um Homem.
Sim, acabei de comparar o gibi com o clássico de Mike Nichols. Nunca me pegarão vivo.
Claro que a coisa toda fica brilhante quando aborda a rotina punk de prontuários, pediatrias e propedêuticas. Ri alto nos perrengues mais, digamos,
fisiológico-viscerais e nos bizarros causos hospitalares (o cerumano é muito, muito escroto) – tudo acentuado pelo seu traço "toscomics", que aqui coube à perfeição. Também é difícil não se emocionar com o drama de algumas situações, sempre retratadas com pragmatismo e sensibilidade pela autora.
Daria fácil um
Estudante de Medicina 2 - A Revanche só com essas histórias cabulosas de enfermarias e pronto atendimentos.
Sinceramente, é o mínimo que espero se um dia ela pendurar o jaleco mais uma vez.
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