terça-feira, 18 de julho de 2023

Os Livros de Jô


“O prazer de comprar é quase tão grande, pra mim, quanto o prazer de ler o livro.”

Por muitos anos não entendi essa afirmação do saudosíssimo Jô Soares, em entrevista ao Roda Viva. Lembro que tentava reduzir a uma semântica involuntária, mais relacionada à objetificação da arte. Mas essa conta não fechava porque: 1 - Jô nunca foi ostentador; 2 - seu amor pela leitura era genuíno e escancarado. A verdade é que ainda não estava pronto.

Muitas compras e algumas leituras depois, entendi o que ele resumiu tão genialmente – e, craque, ainda matou no peito outra questão igualmente periclitante. Uma coisa independe da outra. São maçãs e laranjas.

Em situações mais extremas, isso pode ter relação com a bibliomania, a aquisição compulsiva de títulos em nome da coleção, sem que haja a real intenção de lê-los. Caso dos famosos lombadeiros – e peço 1 minuto de silêncio em homenagem àquele nosso amigo Salvático. Também pode ter relação com a FOMO, ou "fear of missing out" (medo de perder algo), síndrome ligada à ansiedade e gatilho frequente em se tratando de quadrinhos.

E quando o ritmo da aquisição de títulos ultrapassa a nossa capacidade de lê-los?

Nesse caso, o ensaísta e estatístico Nassim Nicholas Taleb cunhou o termo Antibiblioteca. Para ele, os livros não lidos que compõem essa Antibiblioteca são um lembrete constante de tudo o que desconhecemos. Um incentivo para continuarmos lendo, continuarmos aprendendo e nunca ficarmos confortáveis achando que já sabemos o suficiente.

Há quem diga que a Antibiblioteca não difere de uma biblioteca normal, onde também existe "uma coleção de livros não lidos por um extenso período de tempo". É o que diz Kevin Mims, do New York Times, que prefere o conceito do Tsundoku. Mais simplista e pragmático, significa, literalmente, a pilha de livros (ou gibis, revistas, etc) que você comprou e ainda não leu.

Gosto da ideia por trás da Antibiblioteca. Mas seria mais bacana (e honesto) afirmar que do meu home office tenho uma linda vista para uma paisagem Tsundoku...


* Neste post tentei emular o estilo do essencial Leituras do Dia, de Rodolfo S. Filho, que esteja descansando em bom lugar. Nunca chegamos a conversar, mas sempre me diverti e aprendi com as suas publicações. Era visita diária/semanal obrigatória há vários anos. Faz e ainda fará muita falta.

8 comentários:

lendo à bessa disse...

Poucos prazeres se igualam a parar a vida um pouco e contemplar/fuçar a “coleção”. Folhear, relembrar, trocar a disposição dos livros e gibis… Minha mulher, quando sumo pelo cômodo que ficam as estantes, pergunta o que eu tava fazendo tão calado. “Só mexendo lá nas estantes?” Só isso…

Entre 2020 e 2021 fiz compras absurdas. Home office misturado com descontos e dinheiro sobrando na conta. O que comprei em 2020, zerei, mas fantasmas de 2021 ainda me assombram; 2022 não foi tão diferente, mas ACHO que segurei um pouco. Somos todos um pouco loucos.

(Sigo comprando em 2023 depois de assumir o compromisso de que em junho e julho não adquiriria nada - fui fraco)

doggma disse...

Soa familiar. O que fechei em novembro de 2019 (Black Friday) me assombra até hoje. Não é força de expressão, tenho numa planilha de Excel.

E a relação leitura-aquisições, como anda? E levaria quanto tempo para ler tudo da fila atual?

lendo à bessa disse...

Meu amigo, julho ia bem, mas aproveitei um cupom da Panini pra pegar um Transmetropolitan que faltava. Não satisfeito, fui colocando outras coisas no carrinho pra simular descontos… Moral da história: perdi o controle. Mas agosto isso não acontecerá (será?).

A pilha tanto de livro e gibi tá de um jeito que tem leitura pra varar o 1o semestre de 2024. Esse consumo doido até me assusta um pouco de uns tempos pra cá. Até 2020 eu não ficava com tanta leitura pendente, de lá pra cá só piora: lembro de fechar 2019 com uns 10 quadrinhos me assombrando, contei ontem e são quase 150.

Pra que tudo isso, não é mesmo? Vida que segue.

doggma disse...

Simulações são traiçoeiras. No caso da Panini, quando dava para combinar os descontos progressivos com algum cupom aleatório era como flertar com o abismo. Felizmente (?), eles bloquearam isso.

Pô, 150 ainda é administrável. Cheguei à conclusão que, nesse ritmo (alinhar leitura com trabalho, casa, família, entretenimentos outros, etc), não vou zerar a pilha no meu tempo de vida.

Fora os outros aspectos da vida de leitor. Há anos estou me devendo uma releitura com minha ótica atual de todo o Moore até Lost Girls. Complicado.

Precisaria parar com as aquisições ou me aposentar, rs...

Luwig Sá disse...

Li seu texto, olhando pro maldito omnibus do Batman Preto e Branco - que peguei nessa promoção maluca da Inominada. Desde que chegou, ele vem me assombrando. Tô fazendo um acordo silencioso pra ler ao menos um conto por dia. Mas o peso do gorducho não ajuda... Talvez já tenha passado dois dias sem lê-lo. Talvez.

Dia desses, acho que disse por aqui que não ia pegar o Saga dos Vingadores. Disse, né?! Ehh, eu falo demais.

(*) Adorei as divagações.

Abraço.

doggma disse...

Leitor que incrementa a fila com o busão do Batman Preto e Branco (ou Asilo Arkham ou A Piada Mortal absolutas) não quer guerra com ninguém.

O material da Saga dos Vingadores tenho incompleto nos formatinhos do Capitão América. Até este momento nem sabia da existência dela. Valeu mesmo, Dr. Sá.

Paradoxalmente, 1 conto por dia é levíssimo. Esquema mais light, só com aquele The Big Book of Urban Legends, de 1 história/página - -

https://cidadefantasma.blogspot.com/2023/05/A-vinganca-as-vezes-e-plena.html

Tem alguma leitura que deixou em hiato há muito tempo? Ou só passa pra outra depois que mata?

Luwig Sá disse...

Basicamente, essa é a minha história de vida com quase todos as CHMs, Lendas e Sagas. A esmagadora maioria, comecei e o défice de atenção tomou de conta. Quase tudo seriam releituras, mas o material do Kirby - c/ exceção de Kamandi - tá quase tudo intocado.

O podcast serve pra puxar o meu tapete e manter o primo das (re)leituras. Por exemplo, estamos gravando o Logan das CHMs; então, os oito volumes já estão praticamente no papo. Alguma hora, vc vai ter que aceitar um convite pra participar. 🥺

Luwig Sá disse...

* prumo das (re)leituras