Sério.
Agora que só ficaram os mais fortes (e leitor do BZ é, antes de tudo, um forte®), um contextinho. X-Men na década de 1990 foi a galinha dos ovos de ouro da Marvel. Fenômeno legítimo, daqueles estoura-bolhas. Não acompanhava quadrinhos naquela década, mas vivia topando com imagens de Wolverine, Vampira, Gambit e Cable em mochilas, lancheiras, camisetas, bonequinhos paraguaios, em tudo que é canto. Coisa que não acontecia nem na fase Claremont/Byrne. Naqueles tempos de internet a lenha, isso era um feito incrível.
Inclusive, soube primeiro da existência da série animada por um colega de trabalho cujo perfil era o mais antigibizeiro possível – estava mais pra Lucky Luciano mesmo. Mas assinava a Sky e, por consequência, a Fox Kids.
Quando finalmente assisti alguns episódios do desenho (num TV Globinho, acho), me surpreendi com a transposição do material. À 1ª vista, parecia tudo muito fiel. Claro, as adaptações e supressões devem ter deixado o leitor assíduo se roendo, mas, em termos gerais, a série trazia elementos das HQs até então impensáveis para o formato. Todas as discussões sobre preconceito, política segregacionista e extremos ideológicos estavam lá. Coisas como os Amigos da Humanidade e os Sentinelas de Bolivar Trask são mais atuais do que nunca, infelizmente. Junto com o combo vieram a estética atualizada e o fanservice massavéio de porradaria e ação nonstop. E esse era o grande problema da série pra mim: o pacing.
A montagem truncada ia de zero a cem em 0,5 segundo. Pausas para respirar/refletir/absorver inexistiam. Sequências frenéticas de ação eram emendadas umas nas outras sem nenhum critério. O material-base tampouco ajudava, com toda a mixórdia de clones, viagens no tempo, versões alternativas, alienígenas, retcons, etc, etc. Era o puro suco dos anos 90. Tudo isso ultraprocessado e prensado na deadline de 22 minutos/episódio. Uma dramática queda de qualidade para quem já assistia/venerava Batman: A Série Animada.
Mesmo assim, o desenho foi um sucesso estrondoso. Além de render 5 temporadas, seu molde rápido e rasteiro foi implementado em novas séries, de Homem-Aranha (que conseguia ser ainda pior na correria narrativa), Homem de Ferro e O Incrível Hulk até Quarteto Fantástico e o meu favorito, Surfista Prateado.
Portanto, afirmo sem dor na consciência (e amor à integridade física) que tive muito mais satisfação com X-Men: Evolution alguns anos depois. Era uma adaptação mais abrangente, porém sensata e pragmática. O storytelling, embora mais juvenil na 1ª temporada, era tridimensional e humano, com dramas e tensões finalmente bem desenvolvidos. Garotas & garotos numa escola agindo como garotas & garotos numa escola, ora pois.
Logicamente, o desenho foi excomungado pela fanboyzada.
Toda essa introdução bíblica (ops) só pra confirmar o óbvio: X-Men '97 foi produzida milimetricamente para agradar os órfãos da série original. Engajar diretamente novos fãs tem menos peso do que impulsionar o boca-a-boca elogioso dos antigos. Isso inclui até a recriação da abertura e do clássico tema original, escrito por Ron Wasserman e composto por Haim Saban e Shuki Levy, readquirido a peso de ouro após um quiprocó judicial. A produção chegou ao requinte de reunir vários dos dubladores originais para mais uma rodada.
Eles não pouparam esforços. Estão de volta as vozes da empolada Alison Sealy-Smith como Tempestade, Cal Dodd como Wolverine, George Buza como Fera e da estridente Lenore Zann como Vampira*.
* AJ Michalka, que deu voz à Felina em She-Ra e as Princesas do Poder, seria perfeita para a Vampira, mas os X-fãs têm verdadeira adoração pela Lenore...
Ao contrário do He-Man de Kevin Smith, o showrunner e roteirista Beau DeMayo interferiu o mínimo possível no efeito nostálgico do material – um elemento ao mesmo tempo poderoso e incrivelmente sensível, vide a histeria em torno do crop top do Gambit e da natureza não-binária do Morfo.
Do ponto de vista dramático e narrativo, as coisas estão melhores. Ainda aceleradas, contudo.
Ao longo dos 10 episódios desta 1ª temporada (contra 13 da série original), é feita a ponte entre as animações e adaptados os arcos do julgamento de Magneto, a bela fábula protagonizada por Tempestade e Forge em “Morte em vida”, as saliências de Magneto com Vampira, o casa-separa do Professor Xavier com Lilandra no Império Shi’ar, a destruição de Genosha, os paradoxos temporais de Cable e Bishop, as maquinações do Sr. Sinistro com Bastion e a Operação Tolerância Zero, mais pitadas da fase Grant Morrison à moda da casa.
Muita coisa esdrúxula acontecendo com muita chance de virar bagunça. Não virou e nem precisei fazer vista grossa. Não muita.
O massacre em Genosha por um Tri-Sentinela massivo foi meio rápido e com uma conclusão forçada – o que uma bateria cajun pode fazer que o Mestre do Magnetismo não poderia? E o Capitão América, reduzido a um pau-mandado do governo, estranhamente remete ao Clark em O Cavaleiro das Trevas. Proselitismo de 5ª, visto que esse não é o perfil dele.
Já a famosa sequência de Magneto extraindo o adamantium de Wolverine foi um gol perdido embaixo do travessão. Por que negar ao espectador-leitor a animação integral da cena? Melhor voltar a contemplar a terrível capa fingindo que é um Renoir.
Outro trecho que me incomodou no apoteótico final foi a batalha transcorrendo ora no Asteróide M, ora na Área Azul da Lua. Tudo testemunhado pela estupefata população terrestre, que não desgrudava os olhos do céu. Não sou astrônomo, mas até o Groo sabe que a Lua não é na esquina. Parece que o tempo e a chatice me pegaram de jeito.
O delivery body horror, quem diria, foi generoso. Em especial, o episódio #2, com a Madelyne Pryor personificando a Rainha dos Duendes. Surpreendente. O mesmo para os milhares de civis inocentes retorcendo seus corpos ao serem convertidos em Suprassentinelas. E com Bastion desfigurado e com seu lado Nimrod cada vez mais exposto na reta final, foi difícil não lembrar do amálgama Luthor-Brainiac na perfeita/maravilhosa/salve-salve Liga da Justiça sem Limites.
Além do Cap, foi muito legal ver os cameos do Homem de Ferro com sua Mark XIII Modular, do Homem-Aranha, do Demolidor, do Dr. Estranho, de Manto & Adaga, do Pantera Negra, de membros da Tropa Alfa e alguns ex-Supersoldados Soviéticos. Todos bem inseridos dentro do evento – cada qual no seu quadrado – e dando uma sensação de unidade ao Universo Marvel tal qual os desenhos da WB fizeram pelo Universo DC um dia. Ficou a sensação de que muito tempo foi perdido e que nestes anos todos poderíamos ter visto animações maravilhosas de cada um deles.
X-Men '97 deu uma boa melhorada neste cenário. Se a próxima temporada tiver a ambição e o coração nos lugares certos, não só os X-Men sairão beneficiados, como a história de sucesso multifranqueado poderá se repetir. Desta vez, com a régua lá em cima.
Afinal, todos sabem que é só através da arte que os heróis... renascem.
É, isso saiu esquisito.
9 comentários:
Adorei a série.
Conseguiu amarrar e explorar muita coisa.
O que tenho visto de "civis" atrás do material base não tá fácil.
Os colegas do meu filho piraram quando mostrei a capa holográfica em que Wolverine perde o adamantium, e viram que tinha na estante praticamente tudo que estava na série, desnecessário dizer que agora tenho que trancar o escritório onde estão as revistas para evitar visitas indesejadas.
Mas me preocupo com a próxima season. Beau DeMayo foi sumariamente cortado, pelo jeito sem chances de regresso, e é fácil afirmar que essa season foi o que foi por conta dele.
A deixar nas mãos da Disney, acho que não dura muito toda essa qualidade.
Afinal, haja visto as opções da Disney para os próximos filmes (4F, cof...) a coisa não deve melhorar muito.
Fichas depositadas, com ressalvas, para Deadpool & Wolverine.
Estranhíssima essa demissão do DeMayo semanas antes da estreia do desenho. Rola um boato de que tem um temperamento difícil e que a sua conta no OnlyFans (!), embora não tenha conteúdo explícito, não agradou os executivos.
Seja como for, ele escreveu a 2ª temporada também e deixou um planejamento de 5.
https://www.marvel616.com/2024/05/beau-demayo-fala-que-tinha-planejado-5.html
Acho difícil dispensarem esse material, tendo em vista a ótima recepção de público e crítica. E Odin sabe como a Marvel/Disney+ andam precisando de uma aprovação assim.
Também tenho ressalvas em relação à DP & WV. Sendo divertido, já tá no lucro. Mas acho que é só questão de tempo até o Reynolds perder a mão no besteirol. Já tinha exagerado no 2... A ver.
Abraço! E tranque a coleção! :D
E aí, Doggma. Blz?
Cara, agora vejo que sou um dos fortes (seremos quantos?); acho que leio o BZ desde meados de 2004, o que é impressionante e bizarro ao mesmo tempo pq devo ter comentado umas 5 vezes no máximo...acho que quem é introvertido na vida "real" é na virtual também, hehe
Bom, sobre '97, concordo com tudo que vc disse, inclusive, achei tudo muito frenético, sem tempo pra curtir cada acontecimento; vide o Julgamento do Magneto. Rapaz, teve tanta virada na trama que daria uns 2/3 episódios fácil, hein?
No fim, apesar dos pesares, ainda consegui me divertir, talvez menos que a maioria, mas ainda bem que sem me importar com coisas como o cropped do Gambit. Aí nem controle mental dá conta dessa galera...
Abs!
No susto, eu curti X97. Com calma, as fissuras começam a virar fendas conforme o tempo passa. Isoladamente, gosto do Ciclopaço ganhando destaque, muito embora o Wolverine tenha virado uma participação especial; porque tem coadjuvante ali com bem mais tempo de tela que ele. Se muito, teve um bom momento berserker ao lado do Kurt na sequência da invasão à Escola*.
De resto, o penúltimo capítulo me perde bonito no roteirismo do Magneto mantendo um PEM constante, fora a covardia em repercutir isso. Se pensar direitinho, o que morreu de gente no globo, fez a escala do massacre em Genosha soar como o que foi um 7 de outubro para Israel. E todos sabemos qual foi a resposta que a parcela inocente do povo palestino vem sofrendo desde então.
Então, confesso que me revirou o estômago ver o novo mutuninha de Twitter rasgar "Magneto estava certo" sem sequer errar um caractere. No mais, gostei muito da ideia do vínculo psíquico entre Maddelyn e Jean, de modo que a memória das duas acabou se tornando uma só. Mais X-Men Claremontiano que isso, impossível.
Abração.
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(*) Meu Kirby do Valhalla, como um arremesso especial fez falta ali.
Errata: "...fora a covardia em NÃO repercutir isso."
Eu não fui grande fã da animação de 92 e também não dei muita liga pra Evolution - não lembro com o que estava ocupado, mas não era com elas. Conhecia tudo muito superficialmente e achava legal os acenos às tramas da HQ, mas era só.
X-Men 97, por outro lado, está tão repleta de momentos de cair o queixo e diálogos que rivalizam ou põem no chinelo muitos filmes da própria Marvel, que foi impossível não me ver cativado. Vendo legendado, então, achei uma delícia Roberto e a mãe falando com intervenções de PT-BR no original.
É meio triste ver o Beau deMayo afastado, mas se o cara é o escroto que se pinta por aí, ele tem mais é que se lascar, mesmo. Ele pode ser uma anomalia (um autêntico fã da obra original, não um aventureiro contratado), mas há de não ser a única - se ele voltar, porém, eu faço aos seus pecados vista mais grossa do que seus bíceps. Tô nem aí se ele é um merda, ele é o nosso merda, hehehe...
Abração!
Fala, Henrique!
Rapaz, tá na área desde 2004? Então não é apenas forte como também faz jus ao sobrenome. E sim, lembro de você comentando há bastante tempo, de 5 em 5 anos, mais ou menos. :D
Concordo em gênero, nª e grau. Se limitassem aos plots Madelyne Pryor/Jean/Tempestade ou então Magneto/Xavier, já rendia uma temporada graúda e cheia de coisas acontecendo.
Paul Dini e Bruce Timm faziam miséria com muito menos nos desenhos da DC.
Abração!
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Luwig, uma das melhores coisas sobre X'97 é o não-protagonismo de Wolverine. Pra mim, um golaço que até valorizou o passe do personagem.
Mermão, o que Magneto fez ali supera até o que o doppelgänger dele fez em Ultimatum (que ceifou milhões). Imagina todos os aviões caindo, todos os suportes de vida apagando, todos os reatores superaquecendo, etc...
Esse negócio do mutuninha de Twitter aí (mais um motivo...!) é um pensamento alienante, reacionário e perigosíssimo. Ainda estamos vivendo uma onda disso nesse exato momento. Impressiona o pouco uso de neurônios.
Abraço!
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Marlo, realmente X'97 veio num ótimo momento para a Marvel/Disney+. Nem lembro qual foi o último elogio que li sobre eles nas redes. Acho que no Vingadores Ultimato mesmo, há duzentos anos.
Talvez você tenha curtido os X-Men '92 ainda menos que eu. Na época, achei que aquilo era legal, mas que não era mais pra mim. Depois, entendi que era mais um lance de zeitgeist mesmo. Ainda quero fazer uma maratona completa da série.
Também gostei das dublagens do Gui Agustini e da Christine Uhebe na Família Da Costa. Finalmente algum reconhecimento. Nossa geração sabe bem o que tivemos que aturar até aqui!
Sobre o DeMayo, deve ter sido algo cabuloso nos bastidores ou o mero fato do cara ser jovem, talentoso, preto e boa-pinta. Adoraria saber dessa fofoca. Por hora, se não houve nenhum crime envolvido, assino embaixo.
Abraços!
Fazendo um paralelo com The boys HQ vs serie. Particularmente acho a serie muito mais interessante que o hq. Dito isso as vezes é interessante deixarmos o aspecto x1ita de lado e apreciar a obra como ela é, sem muitas comparações (desde que seja boa) que é o caso do x men 97. Pra mim foi a coisa mais interessante que me lembro de ter visto da marvel em uma tv (e olha que ví quase todos os filmes , desenhos etc). Tirando aquele episodio do mojo ( que achei o mais chato de todos uma espécie de "filler" fiquei realmente animado com a serie com o gosto de quero mais. Sobre as 5 temporadas antigas, assisti a muito tempo na tv globinho quando era criança nem me lembro mais . Comecei a rever atualmente estou no 5 episodio da 1 temperada até então acho essa nova versão superior mas é apenas minha opinião.
Pois é, para rever alguns eps do desenho de 92 tive que descontar várias tranqueiras que me incomodam, como a animação irregular e a ausência de filtro para todos aqueles conceitos dos quadrinhos - e convenhamos, os gibis dos X-Men dos anos 90 são ilegíveis, rs.
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