segunda-feira, 26 de julho de 2021

Mestras do Universo


Muito se passou pela minha cachola enquanto assistia aos 5 primeiros episódios de Masters of the Universe: Revelation, de Kevin Smith. Mas acho que decepção define. O cineasta serve como criador, escritor, produtor executivo e, enfim, é o showrunner da série da Netflix. Além de notório entusiasta da década de 1980, não é segredo que ficou maravilhado com o revisionismo sagaz da ótima Cobra Kai. Em parte, isso já explica algumas das decisões equivocadas do novo desenho. O que me leva a uma das escadas mais pé-no-saco que já usei num texto.

Papeando com um amigo num grupo de e-mails que participo, comentei sobre minha frustração. "Tão falando super bem", foi a réplica. E resolvi dar um rolêzin por aí pra entender como isso era possível. Praquê.

Me deparei com aquele carnaval internético de sempre: ad hominem, radicalismo e zero noção de ridículo (e existe algo mais ridículo que um adulto nerd xingando alguém de adulto nerd?). Entre os principais "argumentos" a favor de Revelation estão coisas como "nerds quarentões criticando um desenho feito pra vender brinquedo", "o nome é 'Mestres do Universo' e não 'He-Man'" ou o bom, velho & presidenciável "é tudo mimimi".

O próprio Smith, cuja autozoação sempre foi o seu cartão de visitas, parece ter mudado de postura. Sai o Silent Bob, entra o Angry Bob.

Primeiro, o(s) óbvio(s). TUDO na cultura pop é feito para vender brinquedo (e acessório, material escolar, alimento, merchandising de todo tipo, etc). Isso, por si só, não é demérito para o desenho, o filme, o quadrinho ou o que seja. O gibi do ROM, por exemplo, foi produzido pela Marvel por encomenda pra vender 1 action figure (fracassado, ainda) e rendeu uma saga espetacular. E nem vou mencionar o Esquadrão Atari.

No caso de He-Man e os Mestres/Defensores do Universo, a coisa foi muito além. Já nos Minicomics, haviam nomes como Alfredo Alcala, Tim Seeley, Gary Cohn, Steven Grant, Mark Texeira e Bruce Timm. E no desenho da Filmation, batiam ponto Paul Dini (Batman/Superman: The Animated Series), Michael Reaves (Os Gárgulas, Batman: The Animated Series), J. Michael Straczynski (bem...) e Dorothy C. Fontana (Star Trek, o seriado original), entre outros. De um veículo puramente comercial, passa-se a agregar qualidade.

Pra arrematar a questão, basta revisitar episódios como "A Origem de Tila", "O Problema com o Poder", "A Semente do Mal", "Príncipe Adam Nunca Mais", "O Tio Favorito de Gorpo", "Problemas em Arcádia", "O Julgamento de Tila", "O Feiticeiro e o Guerreiro" e "A Busca pela Espada", só pra ficar na 1ª temporada.

Esse desenho tinha coração, pelo amor de Lou Scheimer.


Em relação a Revelation, nada contra o protagonismo dado à Teela, sua parceira Andra (personagem dos quadrinhos estreante no MOTU animado) e Maligna. Pelo contrário. Era mais do que merecido. Teela foi uma das primeiras personagens femininas daquela geração a demonstrar força, tridimensionalidade e independência – embora aquela descabelante mistura de Barbarella, Dejah Thoris e Red Sonja tenha ficado para trás, compreensivelmente (idem para a Maligna). O problema é o gatilho.

A premissa de Smith era unir todas as pontas soltas deixadas pela série original. Mas, de cara, as consequências da "revelação" do título saem atropelando toda a coerência daquele universo e, especialmente, o perfil dos personagens. É inconcebível Teela, a orgulhosa Capitã da Guarda Real, recém alçada ao posto de Mentora, abandonando tudo e e todos (inclusive o Mentor, seu pai) pelo motivo que fosse. E abandonando pra vida, já que logo na sequência rola um gap de pelo menos uns 20 anos. O termo perfeito pra isso é overreact.

A apelação ao melodrama nostálgico chega a inventar coisas que contradizem o original, por mais paradoxal que seja. Um exemplo é o background de Gorpo, contado chorosamente pelo próprio, decepcionando seus pais com sua mágica atrapalhada. Só que era o contrário: apesar de ser um mágico medíocre em Etérnia, Gorpo era poderoso em Trolla, sua dimensão natal. Porém, abriu mão de seus poderes e de um grande futuro lá para ficar ao lado de seus amigos (olha a lição de moral perdida!). Isso invalidaria sua subtrama triste de redenção em Revelation, então foi "esquecido."


Uma boa ideia foi promover o capanga Tríclope (dublado pelo Henry Rollins!), agora líder de um tecnoculto radicado na Montanha da Serpente. O embate Magia Vs. Tecnologia sempre foi um dos aspectos mais divertidos, Kirbyanos e bizarros da franquia, infelizmente nem sempre bem aproveitada no novo desenho. Em certo momento, Mentor destrói uma armada inteira de drones inimigos com um único tiro, na maior facilidade.

A ação é apenas genérica, sendo bondoso. Com exceção de um breve entrevero entre Teela e um He-Man ilusório, é tudo bem superficial e esquecível. Talvez ajudasse incorporar a icônica trilha sonora original (ou trechos dela) para dar um 'mojo' às sequências. Provavelmente seria um perrengue burocrático licenciar esse material dos herdeiros da Filmation, embora a Netflix tenha cacife de $obra pra isso. Mas nada de trilha clássica – e muito menos da trilha psicodélica...

Aliás, confesso que, quando o projeto foi anunciado lá na Power-Con 2019, alardeando fidelidade conceitual à série de 1983, viajei alto. Pensei logo na possibilidade mais extrema: uma continuação com as células originais e aquela manjada rotoscopia reutilizada pela Filmation trilhões de vezes. Seria lindo.

E sim, isso é possível e com troco de padaria ainda.


Com barrigadas narrativas, excesso de referências inúteis (pra quê finalmente apresentar He-Ro, Grayskull e até um Conan-wannabe se não trazem peso ou relevância narrativa?), nesses cinco episódios fica evidente que os "arcos" servem apenas para preparar o terreno para reviravoltas pontuais e pretensiosas até o talo. Ah, mas foram apenas 5 episódios. E por outro ângulo, já foram 5 episódios.

Se não melhorar, será 7 x 1 no segundo tempo também.

Ps: tive os bonequinhos do Stratos e do Príncipe Adam com o colete de veludo por causa do desenho. Mas isso não prova nada! Nada!!

4 comentários:

L disse...

Lamentável um troço desse ter essa relevância toda, enquanto o remake de 2002 caiu no esquecimento.
Aliás, acho patética essa tentativa de dar essa dramaticidade toda á série.

doggma disse...

Erraram a mão no melodrama, mas a proposta era boa (fechar o que ficou em aberto no original). Vou continuar acompanhando quando voltar, mas não tenho muita esperança não.

Ao menos dá algum destaque à franquia, que andava relegada apenas às HQs.

Marcelo Andrade disse...

Salve Dogma!
Essa serie está realmente mexendo c/ o emocional de muita gente...principalmente c/ a turma acima dos 30. N fiz essa varredura como vc e simplesmente assisti focando que sendo uma continuação ia ter seu quase 100% de "80s" ate achei legal e vendo a sua varredura realmente vejo que a cronologia nunca foi uma questão importante (como bom fã de DC e Marvel já aceitei isso). Ver o Esqueleto enfiando a espada como o He-man já ate achei diferente e ver sangue tbm.
Vamos ver ate quando eles vão espremer essa franquia. Abraço.

doggma disse...

Pois é, Marcelo. A discussão poderia render pra caramba, mas ficou só no "se não concordou, tá errado" mesmo.

Nada contra revamps e diversidade. Já escrevi duzentas vezes como viciei na nova versão de She-Ra (olha meu escalpo a prêmio!), mas como a base de Revelation é a continuidade, acabou forçando a amizade em vários pontos. Principalmente pra quem lembra bem do original ou revê sazonalmente, como moi. Fora os problemas de pacing e timing.

Sério que agora Teela é bem mais velha que Adam? Ou ele também envelheceu no além?

Em tempo, o Esqueleto está legal (Mark Hamill!!). Isso quando aparece...

Abração!