Alien: Romulus é o melhor filme da série em 40 anos. Parece muito, mas não é tanto. E ainda por cima, relativo. Confira comigo no replay®:
Alien, o 8º Passageiro (1979) é um clássico do suspense/terror/ficção científica com Ridley Scott curtido no cinemão americano dos anos 1970.
Aliens, o Resgate (1986) é James Cameron exercitando o melhor
"bigger, stronger, faster" do mainstream hollywoodiano.
Alien³ (1992), com um estreante David Fincher perdido numa produção caótica, é uma naba irredimível e, hm, irresgatável – o Assembly Cut de 2003 só expande o estrago.
Alien: A Ressurreição (1997) é Jean-Pierre Jeunet: satírico, delirante, perturbador e não se leva a sério. O caça-níqueis
Alien vs. Predator (2004), de Paul W. Anderson, foi uma tentativa de revitalização de duas marcas, bem como
Aliens vs. Predator: Requiem (2007), dos irmãos Greg e Colin Strause. Ridley Scott à casa retorna no ambicioso
Prometheus (2012) e no evasivo e fugaz
Alien: Covenant (2017). Ufa.
Foram muitas transfusões de sangue ácido. Isso, porém, não afetou a força da franquia na cultura pop. Especialmente nas HQs e no multimiliardário mundo dos games.
O diretor uruguaio
Fede Álvarez sabe disso e joga pra galera. Sagaz, ele seguiu a mesma diretriz que adotou em sua contribuição na franquia
Evil Dead:
o cânone é sagrado. Tanto a direção quanto o roteiro, co-escrito com o conterrâneo e parceiro de longa data
Rodo Sayagues, dispensa invencionices e reviravoltas, optando por extrapolações em cima das regras do jogo. Seja na narrativa ou nos conceitos,
Romulus é intimamente ligado aos filmes anteriores – mesmo o 4º,
A Ressurreição, que se passa ainda mais no futuro. Não que o filme seja apenas para iniciados no universo do Alien, pelo contrário. É totalmente acessível. Mas é que flui delícia quando você tem aquela bagagem.
Aliás, pelo que pesquei por aí, o filme também tem relações com o game
Alien: Isolation, protagonizado pela filha da Ripley, Amanda. E que ainda hei de jogar, com a benção de São Bishop.
Se Álvarez foi minucioso em sua pesquisa, em certos momentos, todas essas referências acabam estourando na telona como um
chestburster. O diretor não é sutil em seu fanservice e o que deveria ser uma piscadela cool para o fandom, acaba soando redundante e desnecessário. É um recurso para ser usado com moderação. Nada que embace a experiência, contudo. O uruguaio é dos bons. Sabe administrar personagens e montar cenários de tensão como poucos de sua geração.
Romulus se passa no ano 2142 de Nosso Senhor, ou seja, 20 anos após os eventos de
Alien e 37 anos antes de
Aliens, o Resgate. Logo na abertura, vemos o que sobrou da nave-cargueiro USCSS Nostromo e aí, confesso, senti aquela baforada criogênica na espinha. Afinal, ali jaz um obelisco do fatídico destino dos
tripulantes do filme original.
A história é protagonizada por
Rain, uma jovem que tenta sobreviver em uma colônia de mineração de propriedade,
adivinha, da megacorporação
Weyland-Yutani. O ambiente é inóspito e repleto de doenças relacionadas à carga absurda de trabalho. Tudo é piorado por um
sistema burocrático criado para impossibilitar a evasão de trabalhadores, remetendo à odiosa e muito real
escravidão por dívida – coisa que só um latino se daria ao trabalho de transpor para um blockbuster. Órfã e acompanhada apenas de
Andy, seu "irmão adotivo", Rain sonha em se mudar para uma colônia com um mínimo de qualidade de vida, onde se pode ver um sol e não precisa respirar pó de minério até solidificar a alma.
A oportunidade surge quando seu ex-namorado
Tyler, ao lado da irmã
Kay, do primo
Bjorn e sua namorada
Navarro, descobrem uma espaçonave da companhia à deriva e em rota de colisão com os anéis que circundam o planeta. A ideia é alcançar sua órbita antes do choque e catar as suas câmaras de crioestase – o único modo de burlar os 9 anos necessários para chegar até a colônia independente Yvaga ("céu" ou "paraíso" em guarani!). Chegando lá, descobrimos que o lugar passou por um inferno de Aliens e Facehuggers. E ainda não saiu dele.
Uma coisa que
Alien e
Aliens, o Resgate (e, neste mérito,
O Predador também) legaram aos jovens cineastas é o valor de um coadjuvante. Mesmo com o espectador antecipando quem iria pro saco já nos primeiros minutos de filme, o carisma do personagem era tão grande que batia aquela dorzinha no coração quando o mesmo virava presunto. É uma arte que se perdeu com o tempo, infelizmente. Em
Romulus não é diferente, embora tenha boas atuações e motivações do pequeno núcleo principal.
A ótima
Cailee Spaeny, que tem feito
um 2024 impecável, honra a camisa e o
underwear das heroínas da série. E o britânico
David Jonsson brilha no papel de Andy com duas composições assustadoramente diferentes. O modo como o roteiro usa a sua natureza como um mecanismo para o desastre é nada menos que espetacular.
O filme também é bastante engenhoso em criar situações com deadline curta/sendo encurtada e literalmente mordendo os calcanhares. São momentos de quebrar o encosto da cadeira. A dinâmica das cenas em gravidade zero é sensacional. Como se não bastasse,
Romulus traz as maiores sequências de ação Facehugger da série. Os sirizinhos transudos finalmente dominaram os holofotes e nunca foram tão esforçados em tela. Francos candidatos ao próximo Oscar.
Já na parte das extrapolações em cima do cânone, a coisa fica ainda mais interessante e, por que não, controversa.
☣️ ☣️ ☣️ SPOILERS ☣️ ☣️ ☣️
Rolou uma celeuma online por causa do uso da imagem gerada por IA do saudoso Ian Holm como o andróide Rook. Sou totalmente a favor dos atores em relação ao uso indiscriminado de IA, porém o caso foi de inserção digital póstuma. E numa referência óbvia a um dos personagens mais icônicos de sua brilhante carreira, o psicopático robô Ash, do 1º filme. Essa passa, junto com o Peter Cushing/Moff Tarkin virtual de Rogue One. São homenagens, pô.
A substância negra extraída pela Weyland-Yutani de um casulo Alien nos destroços da Nostromo remete à arma biológica criada pelos Engenheiros em Prometheus/Covenant. O que talvez explique a semelhança facial do The Offspring (o grotesco híbrido humano-xenomorfo) com os gigantes albinos. Gah!
Um dos efeitos negativos da volta dessa substância é o fato dos Facehuggers agora serem escuros, sendo que a cor de pele humana meio amarelada que eles sempre tiveram era muito mais aflitiva. Inclusive, em determinadas cenas, os Aliens ficam parecendo o Venom.
E o mais grave: a fascinante cenografia biomecânica criada pelo gênio H. R. Giger deu lugar a um reboco de piche disforme e genérico. Blasfêmia.
Casulo Alien pós-troca de pele. Boa adição ao mythos! E rendeu a nervosa e nojentíssima cena da colonoscopia elétrica que culminou na morte de Bjorn.
Na saída do cinema, pensei: Aliens respeitando um trabuco não faz sentido. Mas lembrei que provavelmente foi o que eles enfrentaram quando tomaram a estação. Os ETs cabeçudos não são burros.
☣️ FIM DOS SPOILERS ☣️
Mesmo em suas poucas deficiências,
Alien: Romulus incita bons papos de boteco – só para, no final, chegar à conclusão que valeu muito o preço (salgado) do ingresso. Sem contar que os efeitos são de cair o queixo. É um filmão que merece ser visto numa telona.
Foi maravilhoso e inesperado esse reencontro com a franquia em grande forma. E mais ainda a vontade de conferir o filme no cinema de novo. Fazia um tempinho que não rolava...