quinta-feira, 11 de novembro de 2004

Operação Resgate:

Juiz injustiçado! (Sacaram?? "Juiz"... "injustiçado"... ha ha ha... ai)




Antes de caçadores gangsta de vampiros, sexy-symbols portadores do gene X e aranhas radioativas, a classe super-heroística teve um bom representante nas telonas. Se bem que isso é relativo, visto que Judge Dredd não tem nenhum superpoder de fato. Em compensação, ele tem treinamento e disposição para todo tipo de combate, e uma submetralhadora ultra-sofisticada que obedece comandos de voz.

No século 22, o mundo foi parar naquele lugar mesmo que você sempre imaginou. Após uma festa junina repleta de buscapés nucleares, nossa querida Mãe Terra se tornou um ambiente inóspito, onde a civilização (na verdade, apenas um resquício dela) ficou encerrada em concentrações urbanas denominadas Mega Cities. Lá, predomina um sistema totalitário de ordem, o qual as supostas antigas falhas de urbanização são contornadas pelo velho recurso do toma-lá-da-cá. Nada muito sofisticado, mas com um apelo radical: os pacificadores agora são, ao mesmo tempo, acusadores, jurados e juízes. E alguns casos, eram os executores também.

Em Mega City One, Joe Dredd e seu irmão, Rico Dredd, foram clonados da antiga linhagem do Juiz Fargo, em 2066. Incorporados à severa conduta da Academia de Juízes, logo eles se tornaram os melhores cadetes de sua história. Após uma graduação com honras em 2079 (molequinhos ainda!), Joe seguiu carreira, se tornando finalmente o afamado Juiz Dredd, enquanto Rico foi "pro outro lado da rua". O embate entre os dois, é claro, se tornaria inevitável. O mais estranho é que a linha temporal de Dredd hoje se passa em 2126, o que deixaria o Juiz com 60 aninhos. Praticamente um desembargador.

Judge Dredd e seu instigante universo foram criados por John Wagner e Carlos Ezquerra (e vamos ser justos, Pat Mills também), em março de 1977, para a inglesa 2000AD. Sua primeira aparição foi na história Prog 2 (em preto e branco), e ali já era evidente algumas características onipresentes no background do carrancudo Juiz. Coisas como a falência do estado democrático, o conflito iminente entre camadas sociais, a revolta de grupos urbanos vítimas de descaso do sistema, sectarismo anarquista e nazi-fascista, e o resultado disso tudo: ultra-violência. Hoje é muito fácil você abrir uma Marvel MAX, qualquer edição do selo Vertigo ou Ultimate, e se deparar com cenas de sanguinolência desenfreada. Mas naquela época... Judge Dredd já trazia esses "agrada-multidão", mas com o diferencial do conhecimento de causa.

Nada era gratuito e o próprio Dredd era reconhecidamente uma versão futurista do velho "Dirty" Harry Callahan. Dredd era o produto final de um sistema totalitário, ditatorial e fascista (e aí não existe redundância). Na verdade, a única diferença entre Dredd e Harry era o seu mote. Ao invés do clássico "Go Ahead Punk... Make My Day!", Dredd era um "pouco" mais direto: "I Am The Law!". E toma um tirambaço na cara, sem julgamento. Ou melhor... com julgamento, mas naquele meio tempo, entre puxar a arma do coldre e apertar o gatilho. Ah, se a falecida Pauline Kael* lesse quadrinhos...

* Respeitada crítica americana de Cinema e voraz detratora de Clint Eastwood.


Se o mundo fosse perfeito, O Juiz (Judge Dredd/1995) seria dirigido pelo Spielberg de Minority Report ou de A.I.. Ou seja... um Spielberg incorporado pelo exu-caveira Stanley Kubrick. O conceito de Dredd é cinematográfico até não poder mais. Suas primeiras histórias (aquelas, ainda em preto e branco), se parecem mais com story-boards de filme de ficção do que com quadrinhos. Mas, por incrível que pareça, o filme foi surpreendentemente bem resolvido. E é aí que está a contradição.

O Juiz foi um fracasso retumbante de público, e foi mais espancado pela crítica que boneco de Judas em dia de Páscoa. Orçado em 60 e poucos milhões de doletas, o filme não recuperou nem 5% disso. O diretor Danny Cannon levou uma paulada tão forte no currículo que só voltou a ser destaque com... putz... Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado, que não vale nem os caracteres que eu digitei aqui. O Juiz Sylvester Stallone foi indicado ao famigerado Framboesa de Ouro, como "melhor" ator. Enfim, em termos de popularidade, O Juiz só não foi pior do que Michael Cimino e seu Portal do Paraíso, que conseguiu falir a tradicional MGM.


Isso posto, afirmo categoricamente: O Juiz é sim um bom filme baseado em HQ. Apesar de trazer uma herança pesada do cinema de ação oitentista, o filme conseguiu transpor o ambiente futurista dos quadrinhos até com um certo louvor. Muito mais do que os filmes do Batman dirigidos pelo Tim Burton, eu diria. Tudo bem que o material já era bem propício para uma adaptação, o Dredd praticamente pedia isso.

A atmosfera dark future/cyberpunk à Blade Runner, e o pano de fundo que envolve conspirações governamentais, taxas exorbitantes de criminalidade e experiências genéticas ilegais, eram temas ainda pouco explorados na época. Fora que Dredd era um sucesso absoluto no reino dos Windsor, mas na terra do Tio Sam... Estadunidense tem o peito estufado pra fora, com uma estrela no meio. Eles preferem o ensolarado Capitão América.

Outro fator complicante: a presença de Stallone. Fora de seu habitat natural (Rocky, Rambo, ou derivados de Cobra), ele nunca teve uma boa recepção, ainda mais em se tratando em uma adaptação cinematográfica de quadrinhos - que, na época, estava anos-luz do conceito dos filmes do gênero pós-Bryan Singer. Mas a verdade era uma só: assim como Wesley Snipes/Blade, Hugh Jackman/Wolverine e Thomas Jane/Frank Castle, Sly era o Judge Dredd. A canastrice e a voz gripada finalmente encontraram um lugar-comum. E a carranca era igualzinha. Pelo menos enquanto ele estava com o capacete...


Fato: Dredd jamais, jamais tira o capacete. Conceitualmente, ele garante que Dredd seja a extremidade personificada do sistema que defende. Pra quem não está habituado, e acha que "não é nada demais" que ele retire a indumentária de vez em quando, imagine, em igual proporção, o Wolverine sem as garras, o Aranha sem as teias, o Capitão América sem o escudo, ou o Clark sem voar. Dredd sem o capacete é justamente a representação do que ele tanto combate, que é o individualismo, a ruptura do sistema, o comunismo. Para ele, é ideologicamente ofensivo retirar o capacete em público.

É certo que dificilmente Stallone protagonizaria um filme sem mostrar a sua cara feia. Seu estrelismo exacerbado também entrou em colisão com o diretor Danny Cannon, que jurou nunca mais trabalhar com astros - promessa que cumpre até hoje. Apesar disso, o filme conseguiu representar bem a complexa hierarquia autoritária de Mega City. Os efeitos especiais ficaram de bons a surpreendentes, naquela época pré-Matrix (o primeiro vislumbre de Mega City é sensacional).

O roteiro, do fraquinho Steven E. Souza (diretor do tosco Street Fighter - A Última Batalha), é básico ao extremo, mas consegue ilustrar razoavelmente bem a origem de Dredd, Rico (Armand Assante, exagerado, mas divertido), e a relação com o Projeto Janus. O figura Rob Schneider também está lá, no papel do malandro Fergie, um típico coadjuvante cômico. Jurgen Prochnow é o Juiz Griffin, o vilão malaco da vez. O ilustre e onipresente (no sentido literal da palavra!) Max von Sydow comparece, como o Juiz Fargo. Já um pequeno vacilo foi a sempre linda Diane Lane, como a Juíza Hershey, quando a personagem deveria se chamar Juíza DeMarco, igual à HQ.

A maquiagem deu um show à parte, principalmente no personagem Mean Machine (Christopher Adamson, idêntico). Inimigo tradicional de Dredd, Mean Machine é um ciborgue canibal que vive na Zona Proibida, a área devastada fora das Mega Cities. Sua caracterização (e cauterização!) ficou perfeita, e impressionante! Já o robô ABC, relíquia das Guerras Robóticas, no início do século 22, e atual guarda-costas de Rico, ficou bem legal, mesmo sem CGI - talvez legal até pela falta dele.

A seguir, uns sketches do cenário e do autômato de guerra ABC, que comparecem fielmente no filme, retirados do livro The Art of Judge Dredd. Clique nas imagens para ampliá-las.






O Juiz está longe de ser um filme perfeito, mas ficou muito melhor do que a maioria das produções do gênero. E é divertido até hoje. Me atrevo até a dizer que estava à frente do seu tempo (e estava). Merecia uma carreira melhor, com certeza.



A propósito, eu não sabia que Judge Dredd já teve revista editada no Brasil. Só o que eu via por aí eram crossovers com o Batman, Lobo, ou os ETs-para-serviços-gerais Aliens e Predador. Pois a editora Pandora Books resolveu mostrar uns tiroteios do Juiz barra-pesada, em versão tão curta quanto cara. Em dezembro de 2000, era publicada a revista Juiz Dredd #2, com menos de 30 páginas e custando R$ 5,00 (!!). Dredd certamente mataria os editores da Pandora.

O Universo HQ já fez um review dessa edição. Confira a resenha aqui.

A revista tá aí, zipada num banco do Yahoo. Ou seja, apesar de ser mais "fácil", após alguns downloads, o arquivo é bloqueado e só volta depois de 1 hora. Pra facilitar o rodízio, eu uploadeei duas vezes. É só clicar com o botão direito do mouse e escolher "Salvar destino como...". Se um não rolar, tente o outro. Se nenhum dos dois rolar, vai comer um cachorro-quente na praça e tente depois.


Links expirados há muitos e muitos anos, mas um dia, quem sabe, escaneio de novo


Links:
A resenha-símbolo das críticas negativas ao filme...
B.O. completo de Dredd, pela lendária 2000AD...
Excelente retrospecto de Dredd, com uma pá de links, referências, analogias e o escambau... imprescindível!



dogg, ouvindo direto I Am The Law, homenagem do Anthrax ao personagem (claaaaro), e I'm Afraid of Americans, do David Bowie com o Nine Inch Nails...

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