quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

BASTIDORES DO NADA


Falar de comédia neste país é algo contraditório. O brasileiro é um ótimo público. Adora rir. Mas por uma estranha razão, o filão humorístico oferecido pela grande mídia ainda é aquele mesmo que jaz na UTI há uns vinte anos (pra mais), balbuciando "eu tô doido, eu tô doido". Vai saber porque ainda insistem no formato matusalém de esquetes e gags físicas de salão - coisa que era top de linha lá pelos anos 60, com Bronco, Família Trapo e marcos quetais, mas que, excetuando a genial releitura setentista dos Trapalhões, se converteu em um loop incessante de clichês. O circuito norte-americano de comédia (a referência desde sempre) até hoje mantém religiosamente seu SNL, tão tradicionalesco quanto, mas num esquema de broadcasting quase cooperativo de renovação de elenco, scripts e conceitos. E Hollywood é logo ali. 95% dos coadjuvantes cômicos que você vê em blockbusters vêm de lá. Outros tantos vão direto ao estrelato, sem escalas, naqueles lances da noite pro dia que costumam chamar de american dream.

American dream o cacete. Investe não pra você ver. Aí que entra a mercantilização do produto: para suprir a demanda, uma produção hiperfaturada de sitcoms se fez necessária (aprendam, produtores do Zorra Total). É a mais legítima cultura de massa em ação. A grande maioria dura algumas breves temporadas, mas mesmo isto fornece dados valiosos para as networks. Já as séries bem sucedidas, entre outras coisas, desenvolvem um timing bastante preciso em relação às outras mídias, tanto no jogo de ida quanto no de volta (a proporção de astros saindo e voltando para a telinha é parelha) - Friends, é claro, é a exceção que confirma a regra, mas à essa altura o Matthew Perry já está milionário demais pra se preocupar com isso.

Outro crossover interessante do formato sitcom é com o humor dito underground - o stand-up, "a última fronteira da comédia".


A primeira vez que tive contato com o gênero foi através dos filmes O Rei da Comédia (The King of Comedy, 1983) e Palco de Ilusões (Punchline, 1988). O primeiro, uma trip scorceseana sobre decadência moral e aceitação, trazia Robert De Niro como um comediante fracassado e obcecado pela fama, (des)construindo a pior noite da vida de Jerry Lewis. O stand-up, nesse acaso, foi apenas o veículo (dá-lhe Rupert Pupkin: "É preferível ser rei por uma noite do que um tolo a vida inteira"). O segundo, uma comédia dramática com Tom Hanks e Sally Field, destrinchava o impacto pessoal que esse estilo de vida traz consigo. O stand-up é arte performática no seu conceito mais puro e isto tinha de ser assimilado pelo mainstream de alguma forma.

O que nos leva a Seinfeld. A série estreou em 1989, na NBC. Sucesso de público e crítica, reinou absoluta. Criada por Larry David e Jerry Seinfeld, o programa tinha muitas alcunhas, mas a melhor, sem dúvida, era "show about nothing" ("série sobre o nada"). Acertava em cheio. Simples e eficiente, o roteiro era uma transcrição em imagens do material recorrente no stand-up - lembrando que a vertente em questão é aquela mais sofisticada, baseada numa visão ácida sobre os maneirismos da sociedade (portanto, nada de piada de papagaio por aqui).

Sem pautas fixas ou dramáticas, os episódios versavam sobre o 'nada' de maneira ímpar... se é que o nada pode ser ímpar.


Foi um estrondo. Jerry, até então figurinha fácil nos clubes de New York (como o cultuado Gotham) e em participações no David Letterman e no Tonight Show, entrou pro rol das celebridades mais bem pagas da TV americana. E assim foi até maio de 1998, quando a série chegou ao fim.

Nesse ínterim, há muito o que se comentar sobre a saída de Larry David, sobre o Jerry Bizarro, sobre os ótimos Jason Alexander, Julia Louis-Dreyfus e Michael Richards, e sobre a "maldição de Seinfeld" (ainda vigente...), mas o principal você pode ficar sabendo através do filme Bastidores da Comédia (Comedian, 2002).

O que faz um sujeito depois que aposenta a coroa de Rei do Mundo?




Dirigido por Christian Charles, o filme é documental e acompanha o processo de readaptação do Jerry "pós-Seinfeld". Readaptação não... reabilitação. É sempre interessante saber o que se passa pela cabeça de certos seres humanos que estão vivendo uma situação especial. Por exemplo, os milionários. Esta casta privilegiada que não precisa mais trabalhar pro resto da vida. No caso de Jerry, é fácil perceber que nem toda a grana do mundo o seduziu o suficiente para afastá-lo dos clubes, dos velhos amigos que começaram junto com ele (e que continuam na "pista"), de New York. E, principalmente, da paixão pela comédia.

Aos troncos e barrancos, ele sabe que tem de voltar ao que faz melhor, que, por extensão, é justamente o que ele é. Não tem nada a ver com dinheiro, fama ou status. Há uma lição aqui, pessoal.


O objetivo do filme é registrar esta reentrada de Jerry na disputada cena de stand-up comedy. Após dez anos totalmente dedicado ao programa de TV, essa é uma tarefa um tanto árdua. Apesar do comediante ainda manter a simpatia do público - e sendo agora famoso - a teoria que o colega Colin Quinn lhe apresenta durante um bate-papo ainda é a lei vigente: "Você tem uma pequena vantagem, mas ainda tem de ser engraçado. Até Jack Nicholson, que todo mundo adora, se estiver num show de comédia, terá cinco minutos de cortesia. E então eles vão dizer: 'Ok Jack, se não vai nos fazer rir, dê o fora'".

Fora isto, a pressão interna de um infeliz que se atreve a subir naquele palquinho chega a ser um exercício de paranóia ("Será que eles estão pensando o que eu estou pensando que estão?"). Isso rendeu uma cena, hã, tragicômica, em que Jerry "trava" no meio do show. Branco total. E o público não perdoa.

Uma grande sacada de Bastidores da Comédia foi dividir o foco entre Jerry e o comediante Orny Adams. Ambos são iniciantes (Jerry, à maneira dele) e estão tentando encontrar a dinâmica perfeita entre performance, repertório e interação com o público. Orny pode facilmente despertar a antipatia alheia e por isto mesmo é tão importante sua presença aqui. Rende horrores. Temperamental, arrogante, egocêntrico e com um sério problema em ouvir críticas, Orny nem sequer tem certeza se é isto mesmo o que quer da vida - detalhe responsável por um dos melhores momentos do filme, quando Jerry encarna o velho feeling de ironizar nóias pós-modernas e lhe dá um conselho gratuito tão bom que poderia servir perfeitamente para o espectador (eu mesmo dei uma leve adaptada no conceito e agora sou um novo homem).

Apesar de irritadiço/irritante, Orny é talentoso. Talentoso e dedicado. Seu estilo é naquela tocada de "humor mau-humorado", à Lewis Black e Robert Klein (que comparece no filme), carregado de sarcasmo corrosivo - a piada do celular, p.ex, é matadora. Nada que a estrada e uma boa dose de humildade não resolvam.

E Jerry, por sua vez...


...sabe muito bem que os "cinco minutos de cortesia", na prática, não passam de alguns segundos. Ainda mais em se tratando dele. Afinal, existem quantas chances de alguém milionário e famoso descer num night club só pra pagar mico em público? Esperto, ele tirou de letra todas as saias justas que pipocaram (ao contrário de Orny), provando que improvisar é como andar de bicicleta. Mesmo assim, Jerry pena para reencontrar a motivação do início. Em certos momentos, ele parece o sujeito mais solitário do mundo, especialmente quando está na concentração.

Nessa viagem estradeira em busca do seu 'eu perdido', ele vai reencontrando velhos conhecidos, alguns igualmente famosos, como Jay Leno, Garry Shandling, Ray Romano e Chris Rock. Cada um deles tentando entender onde chegaram, como chegaram e se ainda têm a moral de mandar bem num palco - exatamente o que Jerry está buscando. Acompanhar as conversas dos caras é voyerismo de primeira.

A grande virada na busca de Jerry acontece quando ele vai conhecer um ídolo seu, o veterano Bill Cosby. É o clímax, e contrasta com o clima pesadão que vinha crescendo no filme. A seqüência é emocionante pela sutileza envolvida. Jerry pouco fala e, só pelo olhar, mr. Cosby já sabe exatamente o que ele procura. Sensacional.

Não pense que Bastidores da Comédia é algum especial humorístico com quadros produzidos. Longe disso. A série Seinfeld só é lembrada como algo vago e que abriu um gigantesco 'nada' nessa parte da vida de Jerry. O que predomina no filme são conversas soltas, bastidores, macetes de performance e trechos de shows aqui e acolá. A edição segue um tom despojado, meio alternativo, inclusive na trilha (com Águas de Março, de Tom Jobim, já na abertura). A experiência vale principalmente para fãs do stand-up, para os que querem se iniciar na matéria e para os que acham que comédia não precisa ser algo histérico.

E para um senso geral de (incontestável) bom gosto, vale a pena pelo finalzinho mais cool que vi este ano, ao som de Deacon Blues, do Steely Dan.


"Drink, scotch, whisky... all night long... and die behind the wheel..."

domingo, 12 de novembro de 2006

SUPER-HIRO


Recentemente, talvez graças à evolução dos efeitos especiais (ou à falta de imaginação, ou inexorabilidade... ou as três) os quadrinhos pop invadiram os cinemas, estabelecendo praticamente uma nova categorização de filmes. Blade foi o balão de ensaio e X-Men foi o debut de verdade. Passados alguns anos e cerca de duas dezenas de filmes, com outros tantos já na agulha, creio que estamos vivendo um momento de definição, já que o veículo não é mais novidade, o anúncio de um novo filme deste tipo tornou-se comum e avalia-se o fôlego do mercado para as novidades do gênero.

Em todas as adaptações tivemos polarizações de opiniões. Sempre há aqueles que odeiam dividindo espaço com os que adoram, já que fanboy é uma raça odiosa, mas se tem um aspecto que soa unânime, é que o tempo de um filme é extremamente curto para conseguir passar para a tela com a devida propriedade e fidelidade um background de, em média, meio século. Sempre fica a sensação de que poderiam ter colocado isso ou aquilo, sendo que o desenvolvimento dos personagens, raras exceções, é zipado a ponto de perder-se boa parte de sua tridimensionalidade original.


Só que a tecnologia não avança só para filmes e tende a afunilar mídias, e assim temos games dos mesmos personagens feitos com mais requinte. O resultado disto pode ser conferido nos trailers de Marvel Ultimate Alliance (que já esteve no "Merece uma Skol") que, a despeito do team-up inusitado, conseguiu fazer a adrenalina da galera correr solta. As impressões que colhi por aí colocam o trailler com aprovação semelhante à veneração que Batman Dead End goza até hoje. E se filmes e games podem brincar, o mundo das séries de TV também resolveu se meter.

Os motivos para não acontecer antes eram óbvios. Uma série não poderia ter um custo de produção semelhante ao de um filme, já que precisa se pagar (mesmo que cada capítulo das grandes séries de hoje tenham orçamento de filmes médios da década passada). Uma série tratando de heróis seria arriscar alto. Já tivemos, claro, séries nos anos 80 com arquétipos clássicos da cultura de comics, como Super Herói Americano e Esquadrão Classe A, por exemplo, além do próprio Hulk e aquele Homem Aranha com lançadores aparentes e uniforme comprado na Uruguaiana. Tivemos também o Batman camp nos 60's. No entanto, os dois primeiros apelavam para o humor e aventuras vazias, sem muitas preocupações com aprofundamento dos contextos. Hulk era tosco, mesmo que ainda despertasse interesse, diferente do Homem-Aranha, que era tosco e só. Não sei também se é impressão minha, mas séries televisivas, principalmente as que passam ao largo do estilo folhetim noveleiro de Dallas ou do humor - sempre um risco, já que humor é o blue chip das séries - , nunca gozaram de tanto prestígio como na última década. Alias, Lost, 24h, The West Wing, CSI's, E.R. e inúmeras outras se sustentam sem esforço na grade de hoje. Talvez tenha chegado o momento de tentar os heróis também nas séries e com um pouco mais de compromisso. O primeiro que foi direto ao ponto, para variar, foi Blade (Smallville usa a mitologia do herói, mas não da mesma forma). O Horror. Foi pro saco com apenas uma temporada. Nunca gostei nem dos filmes do andarilho do dia, então não fica difícil ter idéia dos motivos que levaram ao baixo retorno da série.


A temporada deste ano estava começando e, como ainda teria que esperar um pouco por Lost, resolvi baixar o primeiro episódio de Heroes (Heroes, 2006). Não tinha nenhuma expectativa, via posts a respeito em blogs e sites ligados ao tema e não surtia nenhum tipo de interesse, mas como estava o torrent ali, só me olhando, resolvi pagar... quer dizer... baixar para ver (depois eu pago, quando sair o box). Surpresa pura! O negócio veio humilde, pé no chão, andando pelos cantos como cachorro que acabou de apanhar, dando tempo ao tempo, ganhando confiança e só depois começou a tomar corpo. Fala de um período em que alguns indivíduos da Terra começariam a manifestar capacidades especiais. Apenas uma pessoa no mundo se dá conta disto, um professor indiano que, na busca pelas informações que comprovem sua teoria, se muda para NY e, quando não está caçando suas provas, ganha a vida como taxista (hein?). Seu filho compartilha da mesma visão, até que o pai é encontrado morto e também vai para NY procurar provas para a teoria (e seguir o legado do taxímetro). Esta é a premissa inicial, só que o desenrolar dos eventos mostrará que tem bem mais por trás desta coisa de pessoas que de uma hora para outra começam a manifestar poderes, a começar pela caçada que parece estar sendo empreendida contra eles, já que vários da lista do Professor são encontrados mortos.


In recent days, a seemingly random
group of individuals has emerged with
what can be described as
"special" abilities.

Although unaware of it now, these
individuals will not only save the
world, but change it forever. This
transformation from ordinary to
extraordinary will not occur overnight.
Every story as a beginning.

Volume one of their epic tale begins here...


Assim começa o primeiro episódio, com aquelas letras subindo dando a idéia do porvir. Não tem aposta mais ganha, já que esta coisa de colocar um texto subindo no começo é solução manjadíssima da maior cine-série nerd-pop de todos os tempos. Entretanto, além de chupar Star Wars, os produtores conseguem logo de cara imprimir o estilo dos quadrinhos no produto. Afinal, o que seria este texto senão um recordatório? Tem coisa mais quadrinhos do que isto? Claro, não poderia ficar o tempo todo assim, então o recordatório continua, não como um quadrado no alto da tela em fonte comic sans, mas uma imagem que não dá pista alguma sobre o que está rolando, acompanhada de uma narração cujo texto e forma pode-se chamar de vídeo-recordatório, para então passar à trama da série. Acompanhamos o filho do professor, um cruzamento de Sayid com Shyamalan, recebendo ainda na Índia a notícia da morte de seu pai e decidindo seguir seus passos. Clique aqui para acompanhar os primeiros 8 minutos do episódio de estréia.


Certamente a série não pode fazer tudo o que os fãs de quadrinhos gostariam que fizesse, até porque sua vinculação com resultados em audiência é mais íntima e direta, já que o mercado de quadrinhos é bem concentrado. A prova disto é que, quando da estréia, apenas um punhado de episódios havia sido contratado, buscando testar a receptividade do produto. O sucesso inicial garantiu o resto da temporada e o desenrolar desta é que vai dizer se teremos o "Volume 2". Um dos pontos que valorizei bastante é a falta de pressa em ir direto à ação ou manifestação de poderes. A produção, além de ter sido sábia ao não escolher nenhum personagem preexistente, vem dando cadência apropriada aos episódios, construindo a personalidade de cada personagem com cuidado, sem atropelos, sempre mostrando algo novo. Dou bastante peso a isto, já que não são poucos personagens em primeiro plano. A linha principal tinha 9 logo de cara, sendo que mais dois entraram na trama um pouco após. Conseguir tempo de tela para todos, principalmente quando a cronologia avança e dá mais profundidade pra cada um deles, torna-se um exercício de competência complicado. Daí entender porque Jeph Loeb foi chamado para auxiliar a produção. Apesar de temer pelo futuro de Ultimates com ele, reconheço que ele tem o tipo do talento necessário para dar algum tipo de roupagem noveleira mínima necessária para manter a atenção do grande público. Não digo que gosto deste tipo de abordagem, acho que o resultado geral poderia prescindir um pouco disso, mas entendo que a série, para existir, tem que ter público. E ele produz o que o público quer ver, sem, com isto, deixar de lado a estória que Tim Kring queria contar.

A tagline "Save the Cheerleader, save the world" é das piores que já vi na minha vida. Primeiro porque este negócio de salvar o mundo vai meio de encontro ao tratamento mais pé no chão que as produções na área vêm tomando. Segundo que, apesar de gostosa, a figura genérica da cheerleader é, ao menos para mim, uma das coisas mais ridículas da existência. Talvez a união da tagline tosca com o estilão Jeph Loeb de contar estórias tenha dado às interpretações um jeito meio caricato. Não quer dizer que, neste caso, ser caricato seja algo ruim, acho até que nem é, e, para falar a verdade, acho que o tipo meio falso é proposital. É a certeza que tenho ao ver, por exemplo, Masi Oka roubar a cena com seu Hiro Nakamura, um japonês que manipula o espaço-tempo num misto de NIX com o Eterno Makkari. O cara é, de longe, a personagem mais interessante da série, um estereótipo ambulante, além de ser a ligação da trama com o mundo dos quadrinhos que a inspirou, já que constantemente o vemos citando alguma revista dos X-Men ou em algum dilema sobre usar ou não um uniforme ou identidade secreta. Detalhe, o cara, apesar de ter uma lista interminável de participações em outras séries como figurante, é programador de efeitos visuais e praticamente estreante como ator propriamente dito.


Só que ser o mais interessante não significa que é o que mais gosto de ver. Este posto é fácil fácil de Ali Larter, a louraça belzebu, Godiva de Las Vegas. Eu já a tinha visto na franquia Premonição (Final Destination) e não sei o que aconteceu, mas nunca tinha reparado como ela é dAliciosamente Lartalentosa. Em Heroes ela está tão CavAlissimamente Larterbatadora que faz um episódio de 40 minutos durar quase o dobro de tanto que fico repetindo cena incansavelmente, fazendo crer que uma série-família pode despertar Alibido fácil com Lartersuda correta em tela. Dá para beijar o monitor. PegavAli fácil. Ali comia e lambia os beiços Lartér dizer chega. E o cara que consegui isto na série concorda comigo, já que disse que a estupidAli foi a melhor Lartrepada* que ele já deu... Ela é mãe de Micah, um moleque ainda muito pouco desenvolvido, apenas dando a entender que tem um poder de controle de equipamentos mecânicos pelo toque. Seu pai é um fugitivo do presídio estadual, uma Kitty Pride que fala grosso.

Além deles, temos ainda os irmãos Petrelli, o mais velho pode voar e o mais novo emula o poder de quem estiver próximo a ele. Assim como o japa, papéis caricatos também. Há ainda o precog drogado, que consegue ver o futuro e predizer tudo o que está acontecendo com os humanos "especiais" que estão passeando sobre a terra. Aliás... sobre os EUA. Fechando o grupo, temos o ScannerCornoCop Matt e a Cheerleader da tagline, a adolescente Claire, vivida por Hayden Panettiere cujo poder é regenerar o corpo todo seja lá qual for o machucado. Praticamente uma Wolverteena. Como tem ainda 17 anos, não posso fazer trocadilhos de fundo sexual. Mas poderia, pois, com aquele corpinho, é uma Teenzudinha e é Claire-que-eu-comia... Aliás, protagoniza algumas das situações mais esdrúxulas da série, algumas deliberadamente forçadas, já que consegue estar em situação de morte em quase todo episódio, num desempenho de fazer inveja ao Kenny de Southpark.


Todos parecem estar vinculados de alguma forma à organização chefiada pelo pai de Claire, mostrando que os "especiais" estarem concentrados nos EUA e aparecendo ao mesmo tempo não é bem uma questão de coincidência.

Apesar de achar que a cadência é boa para não atropelar o progresso da série, apresentando inclusive os poderes com certa parcimônia, e destaco o efeito de vôo de Nathan Petrelli, o congelamento do tempo de Hiro e as tentativas de suicídio à Groundhog Day de Claire, já estava achando que um rumo mais fechado devia ser tomado para não parecer enrolação. Parece que os produtores também acham isto, já que prometem definições para os dois próximos episódios. Heroes está em seu sétimo episódio, passa às segundas nos EUA, e tem atraído mais minha atenção do que a terceira temporada de Lost. Como complemento, a NBC coloca em seu site pequenas histórias em quadrinhos que fazem a ligação entre os episódios. São completamente desnecessários, mas ajudam a manter a aura de comics que está embrenhada na série.


Tomara que de fato consiga confirmar as expectativas que estou criando a cada dia, para assim não só termos uma série fixa transpirando quadrinhos como também abrir espaço para, quem sabe, ver medalhões retratados semanalmente na telinha, com tempo para desenvolver suas questões de forma bem mais apropriada do que no cinema.

Para finalizar, mais abaixo tem um vídeo onde algum desocupado criativo juntou Chop Suey, do System of a Down, com um vídeo de Heroes.

* - Posso passar o dia inteiro fazendo Aliterações e TrocLartilhos sobre Ali e a Cheerleader. Tenho um estoque imenso (e infame) aqui, já que a cada episódio que comento com o Doggma dá lugar a pelo menos mais 3 trocadilhos com cada uma das duas... aliás, boa parte das impressões que registrei aqui foram derivadas de nossos papos por e-mail.


terça-feira, 7 de novembro de 2006

E.R. PUNK


Recentemente meu empregador promoveu um retorno às origens do BZ, honrando o Z do título mais do que nunca e fazendo valer o “Cada dia mais sujo e agressivo” de uma forma que até já tinha esquecido como era. O negócio está tão punk que, se agora fizesse um review de um filme tipo “Babel”, por exemplo, não me surpreenderia se a cabeça do post anterior virasse um morto-vivo digital, escalasse o blog e devorasse o “texto cabeça” sem dó nem piedade. Como não sou trouxa nem nada, vou seguir a tendência e chafurdar no sangue, tripas, fraturas expostas, eviscerações e afins, tipo da coisa que abunda em Jogos Mortais 3 (Saw III, 2006 – EUA).

Antes de entrar na questão central, acho que vale explicitar as verdades absolutas criadas pelo primeiro filme e que são a base da série. John Cramer (Tobin Bell) é um paciente terminal de câncer que tem apreço explícito pela vida. Ao perceber que como as pessoas sadias não dão valor às suas existências, resolve fazê-las provar o reconhecimento da dádiva que Deus lhes deu e as insere em jogos onde, se quiserem mesmo sobreviver, precisarão passar por provações. Se não mostrarem realmente sua determinação, a vala é certa. Ponto. Ou seja, a galera está no inferno, mas tem como sair dele, o que gera o tipo de conceito torpe de que Jigsaw – John Cramer – não mata ninguém, todos morrem por conta própria (mas seqüestra, mutila, violenta psicologicamente e desfila por todo tipo de crime de qualquer código penal do planeta). Transferência de responsabilidade igual só vejo em carolas...


O primeiro filme define esta regra, o segundo a segue. Por mais que o interesse mais fisiológico de Jogos Mortais, no gosto da maioria,recaia justamente sobre as mortes, eu particularmente atentava muito mais para a engenhosidade não só dos apetrechos que Cramer montava, mas principalmente pela forma como ele planejava todo o desenrolar dos eventos. Cerebral demais, franco demais, ousado demais e abusado demais. Foi isto que fez-me colocar sua figura no meu panteão pessoal de grandes psicopatas do cinema, junto de Hannibal Lecter e John Doe.

Como mencionei quando escrevi sobre Saw II, uma idéia reconhecidamente original no cinema, quando ganha continuações, dificilmente consegue ser revista sem parecer que é a mesma coisa, normalmente caindo no lugar comum já estabelecido. O segundo filme caminhava a largos passos para isto até chegar ao final, quando conseguiu desdenhar de si mesmo e ganhar constituição com força própria, sem abrir mão da idéia básica. Criou, inclusive, novas verdades absolutas que complementaram as que já vigoravam. Poucas vezes vi uma continuação de filme que conseguisse ser tão fluida em relação ao primeiro, mas os elementos ressaltados ao final deixavam claro que a idéia estava se esgotando e a óbvia terceira parte teria que se desdobrar. Até que não errei tanto.


O terceiro começa onde o segundo parou. Segue pela apresentação já clássica de ocorrências de Jigsaw (que deve ter uma pensão por invalidez suntuosa, dado o estilo de sua nova oficina) pela cidade e depois se dedica ao foco de sua trama. Ele está à beira da morte e sua discípula (Shawnee Smith - eu pegava fácil) o auxilia a partir de então - passagem de bastão clássica. Um novo jogo toma lugar. Jeff (Angus MacFadyen) é um pai de família atormentado desde que perdeu o filho em um acidente e agora protagoniza uma armadilha. A diferença é que também temos uma médica (Bahar Soomekh - pegava mais fácil ainda) com casamento em crise que protagoniza paralelamente outro jogo, onde ela tem que manter Cramer vivo até que Jeff complete, ou não, sua via crucis.

De cara percebemos que a massa desandou de alguma forma, já que algumas das regras estabelecidas nas verdades absolutas que vimos acima são quebradas (tagline do filme: “Às vezes as regras existem para serem quebradas”). Além disso, Jigsaw nunca demonstrou o tipo do orgulho de quem se regozija ao contemplar o fim de sua obra a ponto de seqüestrar uma médica com o único compromisso de mantê-lo vivo até o fim de seu projeto. Assim como o segundo, o desenrolar do filme aponta para o banal, só dando lugar à engenhosidade que tanto admiro lá pelo final. Se repetir esta fórmula é cansativo demais até para o fã da série, qual a alternativa então? Recheá-la com a maior quantidade possível de imagens chocantes, daquelas que entorpecem o cérebro à ponto de, quando estamos voltando ao estado normal, vir outra seqüência destas para te deixar bobo de novo. Lembro que algumas pessoas classificaram o primeiro de desnecessariamente violento. Outras disseram que o segundo foi bem mais violento e gratuito. Mermão... este terceiro é tão gratuito que só falta distribuir Bolsa Família! Em alguns momentos o choque é sonoro, como uma cena inicial que me lembra muito a cena do extintor de Irreversível (que, acho, foi a cena do cinema que mais me chocou até hoje), em outras o choque vem do asco - com os porcos, em outras chega a ser didático - como um E.R. grotesco, mas em sua grande maioria a coisa é visceral mesmo, tem até humor involuntário (“Esta máquina é a minha preferida”). Curioso notar como o próprio diretor parece ter percebido que a opção pela violência mais crua servia apenas a preencher o miolo do filme, já que o nome da médica responsável por manter Jigsaw vivo, Drª. Lynn Denlon, é referência óbvia ao nome do diretor e à sua própria missão. Há de convir que Darren Lynn Bousman é foneticamente bem semelhante ao nome da personagem. De certa forma, creio que a opção por cenas mais pungentes funcionou, como diriam os três caras que passaram mal em Londres durante uma exibição, já que o expectador fica numa montanha russa onde é poupado em pouquíssimos momentos (aqueles onde o diretor pensa “Pô... tá bom... assim já é demais”), mas tenho certeza que o DVD deve vir mais, digamos, recheado!


Mesmo com esta enrolação, Jogos Mortais III é bom. Não tem a genialidade do original, mas é melhor que o segundo e seu grande mérito vem da regurgitação que faz de eventos dos dois anteriores, atando todas as pontas soltas, deixando a estória redonda, bem completa e dando dimensão maior para o conjunto da obra do que cada uma delas têm independentemente. Desta batelada de filmes que se auto-intitularam trilogias, e não vi por aí Saw sendo classificado assim, a série é uma daquelas que realmente mostra fechar um ciclo em três filmes, mesmo que deixe óbvio que vem um quarto. Fiquei com a impressão que o todo seria melhor "saboreado" se os três filmes fossem vistos de uma só vez, considerando que os eventos são bem imbricados.

Por mais que seu diretor seja listado como parte do Splat pack (nova onda de diretores de filmes de horror extremamente violentos – os outros seriam Alexandre “Haute Tension" Aja, Neil "Abismo do Medo” Marshall, Greg “Wolf Creek” McLean, Eli “O Albergue” Roth, James “Saw" Wan e Rob "Rejeitados pelo Diabo” Zombie), na minha opinião a série não pode ser classificada como terror, nem thriller, nem suspense, nem policial. É algo que navega no meio disto tudo, numa classificação à parte, própria. Conseguiu isto usando sempre atores desconhecidos ou amargando ostracismo (Glover, por exemplo), a maioria deles recrutados em séries, o que destaca ainda mais a importância do roteiro em detrimento dos astros. Só isto já é motivo suficiente para ter futuramente os três DVD’s na prateleira.

terça-feira, 31 de outubro de 2006

HEAD PUSSY LOVECRAFT
















hehehe

Certa vez, quando eu era moleque, ganhei uma moralzinha extra com a galera da minha rua: promovi uma sessão sold-out de Re-Animator, horror clássico de 1985. O sucesso foi tão grande que, a pedidos, marquei uma segunda data, com direito à superfaturamento sobre o preço da locação (Cr$). Pilantragens à parte, vejo que o filme - um sarau lovecraftiano com cientistas malucos, mulépeladas e zumbis a jato - é mais lembrado hoje pela menção honrosa em Beleza Americana (o inesquecível momento romântico aí em cima) do que propriamente assistido. A Noiva do Re-Animator, continuação de 1990, então, nem se fala. Irregular e 987 vezes mais sanguinolento, era reprise certa no finado Cine Trash e acho que isto resume sua exposição de um modo geral. Não viu estas pérolas? Larga esse computador e alugue os dois urgente. Ah, já viu? Então reassista.

A epidemia living-dead que se espalhou no cinema e nos quadrinhos despertou algumas franquias que jaziam em suas criptas cinematográficas. A Volta dos Mortos-Vivos foi uma delas e Re-Animator: Fase Terminal (Beyond Re-Animator, Espanha/2003) é outra que aproveitou a brecha. Sempre que eu ia à locadora, via o DVD ali, meio que jogado, entre o Lenda Urbana 2 e o Mão Assassina, sem nenhum resquício da linhagem noble-dead de outrora. Olhava pro Jeffrey Combs na capinha, ainda com aquele olhar alucinado, e lembrava da época em que o primeiro filme era novidade e causava o maior frisson. E daquela bagunça maneira que eu fiz.

E, cara, é o Jeffrey fuckin' Combs! ...o sujeito mais freak, obsessivo/paranóico, transtornado=sociopata desde que Malcolm McDowell entregou a alma ao Kubrick e nunca mais a teve de volta, acrescido daquela malevolência nerd sem igual, mesmo porque só ele a tem!


Um zumbi saudável vale por dois!

Mas não sou fácil assim. Já estou bem calejado nesta estrada de produções B que dificilmente vingam suas premissas instigantes. Cansei de ver outrora grandes atores, atrizes, roteiristas e diretores que, após um grande início, sucumbem artisticamente a sabe-se lá o quê (mas que deve ter a ver com grana). É até um espanto quando isto não acontece. Nem todos partem de um suspense mãos-à-obra como Encurralado pra desembocar numa carreira repleta de mega-produções importantes e rentáveis. Poucos realizadores de cinema "marginal" conseguem a almejada credencialzinha para reverter seus projetos autorais em grandes eventos de Ruliúdi. Para os que ficam à margem do sistemão, só resta a attitude, some fuckin' attitude - "Pfsodam-se as críticas. Tenho meu público e minhas produções se pagam. Eles precisam de mim. Sou um mal necessário." - aí entra aquela risada luciférica [hueuheuahuahuahue].



"Eu quero é róóóque!"
Penso nisto como sendo uma diretiva básica na carreira de algumas pessoas do ramo. O roteirista/produtor/diretor Brian Yuzna é um extremo disto aí, e na verdade só pensei a respeito porque vi o "Espanha" lá nos créditos da produção. Quando a coisa muda de endereço como se fosse acampamento cigano é porque tem café neste bule. Yuzna, malandraço, deve ter visto mão-de-obra muito mais contabilizável e com a especialização e o profissionalismo que se espera de um pólo cinematográfico em franco desenvolvimento (essa sentença parece slogan institucional da Embrafilme, mas vai assim mesmo).

Tá e daí? Daí que o Yuzna-Man Director Tabajara não vem equipado com o filtro que deixa suas idéias pervertidas e insanas transcorrerem fluidamente, e as coisas acabam soando algo desconexas, irregulares, cheias de camadas e volumes, UUUuuuUUUOOoooOOOooonnNNNnn. Você vê lá várias arrobas de soluções originais e "ynuzitadas", mas bastante desproporcionais ao contexto geral.


Ocasionalmente, todo aquele festim gore nonstop dá certo (como em Sociedade dos Amigos do Diabo, seu primeirão, louquinho de pedra), mas o ideal mesmo é a presença de um maestro tarimbado pra reger a horrorquestra, alguém que consiga filtrar devidamente todas aquelas pirações. E esse camarada, este Yuzna-Filtrator Tabajara, chama-se Stuart Gordon.

Se Yuzna fosse Jack, O Estripador, Gordon seria seu bisturi. Mick Jagger e Keith Richards. Lennon/McCartney. Suas colaborações em Dolls, Do Além e no Re-Animator number one não me deixam mentir. Crossovers cinemáticos de uma hora e meia onde a palavra de ordem é diversão amoral, esquisita e até meio irresponsável, já que, por vezes, resvalam quase naqueles ensaios experimentais pós-vanguardistas à Gerald Thomas (urgh), só que acrescido de sangue e vísceras. Sai o "você é uma macieira gerando seu primeiro fruto em plena estação das uvas passas", entra o "você é uma massa protoplásmica com tentáculos e glândula pituitária hiper-evoluída, e está tentando violentar aquela loira boazuda".

No entanto - não quero dar a impressão errada - não são nenhum Lawrence da Arábia de perfeccionismo em concepção (rá!), ou tratado definitivo de porra nenhuma. Só são divertidos pra caramba, ora pois.

A trama de Fase Terminal começa na época do segundo filme, justamente quando a coisa sai do controle. Lembra, aquela mortalhada trançando pela vizinhança, chapadona com o reagente do Dr. Herbert West (The Combs)? Um deles invade a casa do moleque Howard Phillips (homenagem ao H.P. Lovecraft) e mata a irmã do garoto. Antes do desmorto terminar o serviço, a polícia chega e dá cabo do monstro. Momentos depois, quando o Dr. West é preso, Howard encontra uma seringa que caiu do bolso dele contendo um pouco do reagente. O tempo passa, o guri se forma em Medicina (trauma psicológico, sabe como é), e vai fazer as vezes de Dráuzio Varela na penitenciária onde o estranho doutor está cumprindo sentença. Mas ele não quer vingança, pois os anos de estudos sobre as fenomenais propriedades do reagente o tornaram obcecado pela busca da "cura para a morte". E só quem pode ajudá-lo é o insano Dr. West. A cobaia? O presídio! huehuahuehuahua


Uma característica que sempre gostei em Re-Animator e nas seqüências (inclusive esta), é que as criaturas passam ao largo da influência de Romero. Tá certo que eles são assassinos em potencial e querem destruir o mundo, mas são antes de tudo, narcisistas e dominadores. Zumbis machos-alfa. O ressuscitado via reagente perde todo e qualquer resquício de compaixão e moralismo, e é embriagado com as piores nuances de seu caráter em vida. São esquizofrênicos, muito violentos, falam bastante (pelo menos, os que ainda têm mandíbula) e preservam alguns traços de sua sistemática cotidiana. Não têm hábitos canibais, mas não se furtam em distribuir dentadas quando lhes convém. Sua resistência é variável e não obedece a nenhum padrão. As criaturas são duronas, muito mais fortes que humanos normais, e resistem a praticamente qualquer coisa (até tiro na cabeça). Cada parte de seu organismo é autônoma. Só são neutralizados mesmo após um arregaço muito bem dado. Pra completar, são mortos-vivos velocistas - muito antes de Extermínio e Madrugada dos Mortos.

Fora Combs e o irlandês Jason Barry (o Howard Phillips adulto), o cast inteiro é de ator espanhol falando inglês igual chicano. Parecia que a qualquer momento o Danny Trejo ia mostrar a fuça por lá. Como de praxe, Yuzna nos presenteia com mais uma bela adição a sua lista de undead girls: a deliciosa espanhola - trocadilho involuntário - Elsa Pataky (de Serpentes a Bordo). Pena que ela não ganhou um tratamento parecido com o que a personagem de Barbara Crampton teve no filme original.

Não posso deixar de destacar o excelente nível dos atores espanhóis. É foda chegar à esta conclusão logo em um trash movie, mas é justamente por isto. Foge da panela almodóvariana. Estão lá Santiago Segura (de Blade 2, o preso junkie que chapa com o reagente), Enrique Arce, Simón Andreu e a revelação Nico Baixas (sujeitinho impressionante... é o novo Michael Berryman!).


"É sal de fruta ou sal de fru-tas...?"



Freakin' Combs
Jeffrey Combs, entre um filme e outro, deve se trancar em alguma câmara criogênica. Só pode. Ele continua lá, com aqueles óculos fundo-de-garrafa e aquela gravatinha de colegial à Angus Young. Fisicamente, o cara envelheceu quase nada em comparação com o filme de 1985 - se bem que lá ele não era bem o estereótipo de "jovem estudante universitário". E ainda mantém a mesma expressão de quem está muito incomodado com o mundo à sua volta e que a raça humana poderia se extinguir só pra ele poder trabalhar em paz. É o gênio irracional por excelência. Qualquer sacrifício é justificável e qualquer um é dispensável em nome da Ciência. Menos ele. Já estava com saudades.

Re-Animator: Fase Terminal, embora não tenha a mesma dinâmica frenética dos filmes anteriores, consegue reproduzir o humor bizarro e o climão lovecraftiêro da série. Para os veteranos fangore, tem a velha abertura estilo aula de anatomia e o tema de Psicose na versão aloprada (faltou só a presença ilustre do Dr. Hill*, a cabeça decepada tarada e antagonista máximo do Dr. West!). De ruim, tem vários furambaços, escorregões absurdos e invencionices over que, puta que pariu, até eu assistindo sozinho fiquei constrangido. É aquele lance do Yuzna sem filtro.

Mas isto é o que menos importa. Recentemente foi anunciado o quarto filme da série, House of Re-Animator, desta vez com a line-up clássica! Stuart Gordon na direção, Yuzna produzindo, mais Jeffrey Combs, Bruce Abbott e a eterna "Bnup" Barbara Crampton. William H. Macy fará o presidente dos EUA e Crampton será a Primeira Dama. Quem diria que a mocinha que ilustra o início deste texto chegaria tão longe?

*
Dr. Carl Hill: [a cabeça do Dr. Hill "despertando"] Wesssssssssst...
Herbert West: Yes, Doctor, it's Herbert West. What are you thinking? How do you feel?
Dr. Carl Hill: [sussurando] Youuuuuuuuuu...
Herbert West: [tomando nota] "You..."
Dr. Carl Hill: Bassssstaaaaaarrrrrd!
_______________________________Re-Animator, 1985



Na trilha: Killing Joke - The Death And Resurrection Show.

SEND MORE ROCK'N'ROLL


"Sua música pode ser descrita como zombiecore - uma tétrica fusão de thrash metal e punk hardcore moderno, contaminado e desfigurado por uma obsessiva fascinação por filmes B de mortos-vivos."

Os ingleses do Send More Paramedics talvez sejam os caras mais dedicados à "cultura zombie" dentro do circuito rocker atual. Eles levam a coisa à sério mesmo. Nos shows, os integrantes sobem ao palco devidamente caracterizados como mortos-vivos putrefactos - menos o baterista, que usa uma daquelas máscaras mexicanas de luta-livre (o que é tão trash quanto). As letras, verdadeiros relatórios de guerra narrando com detalhes um apocalipse canibal-zumbístico. E as músicas são abarrotadas de samplers com diálogos de filmes clássicos do gênero, como A Noite dos Mortos-Vivos, Dia dos Mortos, Zombie, etc. Fora o próprio nome da banda, tagline clássica de A Volta dos Mortos-Vivos. É a trilha sonora perfeita para um clip com trechos de filmes do George A. Romero.

B'Hellmouth [vocais], Medico [guitar], xUndeadx [baixo] e El Diablo [batera], formaram a banda em 2001 e, desde então, já atacaram os seres vivos com dois discos e dois EPs split. Seu mais novo álbum chama-se The Awakening, e mostra que eles retornaram sedentos por sangue quente e carne fresca. E cheios do profissionalismo! O crossover destruidor dos caras saiu do gueto e suas composições agora estão muito mais focadas, técnicas e furiosas. Chega a lembrar um mix thrashcore de Samhain/Misfits com a sonoridade do último do Slayer, mas com identidade própria. Jeff Walker e Ken Owen, dois integrantes do podraço e inesquecível Carcass, participam em duas faixas. Devem ter se sentido em casa.

Citar algum destaque é meio complicado, já que o CD 1 inteiro é um fôlego só. Mas na próxima festa punk que eu armar, tem de rolar The Crowd Is Crushing Me, Blood Fever, Virulence, Anthropophagi, Vital Signs e I Am Every Dead Thing. Sensacionais. Já no CD 2 a coisa atinge um nível de sofisticação inesperado. Trata-se de uma trilha instrumental com quinze faixas incidentais assustadoras, à John Carpenter, com toda aquela atmosfera tétrica horripilante de filme de terror.


Pra ouvir enquanto recarrega uma 12 com cano serrado e, munido de martelo, pregos e umas ripas de madeira, sela um barracão cercado por centenas de mortos-vivos pútridos com os estômagos necrosados roncando por tripas frescas. Hell yeah!


"Braaaaiinnss... braaaaiinsss..."

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

HAUTE T-TENSION










Caralho.

Delírio macabro de violência e desespero. Isto é Alta Tensão (Haute Tension, França/2003), um pacote de viagem completo para a versão mais sádica do inferno na Terra. Aqui, o Mal impera com arrogância, apronta das suas com uma indiferença aterrorizante. É preciso muito sangue-frio pra acompanhar esta... bad trip não, é muito pouco... esta forma de vida (sim, Alta Tensão, embora não seja uma criatura nada bonita, vive, respira e tem muito, mas muito sangue correndo nas veias), que ama e odeia com requintes de crueldade. O clima é tão denso que a atmosfera de perversidade jorra através da tela e afoga o espectador. Mesmo sem estar lá, a pressão sensorial é quase tangível.

Hannibal Lecter lamberia os beiços.

Alta Tensão é o terceiro filme do cineasta Alexandre Aja, e foi o seu divisor de águas. Graças à ótima recepção de estripados público de crítica, ele foi escolhido para realizar o polêmico Viagem Maldita, remake de Quadrilha de Sádicos, clássico B de Wes Craven.

Sempre fui muito curioso em relação aos trabalhos iniciais de artistas que começam a se destacar. Geralmente, é quando sua arte está menos infectada por questões tendenciosas e/ou comerciais. O que vemos ali é o resultado mais puro que sua genética criativa poderia produzir (inocência, raiva, simplicidade e despretensão são elementos primordiais inclusos). E neste filme você entra com tudo na cabecinha perturbada do menino Aja. É um abismo.


Marie e Alex são estudantes que caem na estrada pra passar um finde à base de livros e anotações. Grandes amigas, elas vão ficar na casa dos pais de Alex, localizada numa daquelas áreas rurais idílicas e bucólicas, intocadas pela urbanidade. À quilômetros de qualquer lugar, o ambiente parece mais que perfeito para mergulhar nos cadernos - imagem rapidamente destroçada por uma cena de trincar a espinha, na qual o vilão da trama é apresentado de uma maneira tão direta e brutal que chega a provocar mal-estar (é de arrepiar mesmo e saiba que aquela será a tônica do resto do filme). Se eu fosse um dos personagens e soubesse que meu possível algoz seria aquele, eu ia a nado pra ilha de Lost na mesma hora.

O título nacional não é por acaso. Desta vez eu defendo o standard. A tensão começa fina e pentelha e logo se estabelece uma contagem regressiva impressionista. É neste ponto aí que a bolinha de neve começa a rolar lá de cima da montanha.

Em Alta Tensão o silêncio faz barulho. Enquanto a fotografia claustrofóbica e sussurante sugere um megadeath iminente, Aja larga a tensão no último volume e vai embora. A sensação absurda de que algo vai acontecer atinge seu primeiro orgasmo - numa pusta triangulação de metáforas - logo na primeira noite em que as duas passam na casa, sugerindo que já chegamos a um suposto clímax. "Suposto", porque o caos chega varrendo o lugar impiedosamente como se não existisse amanhã e só se passaram, o quê, vinte e poucos minutos...? E ainda tem mais umas três sessões de sexo selvagem pela frente (calma, é outra metáfora) e uma senhora cravada final que te larga lá, estabacado no chão, com cara de "anotaram a placa...?"


A maior característica de Alta Tensão é sua habilidade em arrastar o espectador com tudo pra dentro do pesadelo. Ao acompanharmos os passos de Marie e Alex, somos atirados junto com elas naquela terra de ninguém. O fato do filme se valer de estética e premissa slasher, mas não ter nenhum freio funcionando (e muito menos seguro de vida), faz parecer que é só uma questão de tempo até o IML ficar abarrotado. Estratégia genial que Aja arquitetou para manter a "tensão alta"... o início nos soterra com a expectativa da chacina vindoura e inevitável; na metade, é um survivor from hell que sobrecarrega qualquer sistema nervoso; e o final... nó! Que final.

Tenho de agitar umas considerações aí. Nego de responsa nas parada' achou o final uma bela merda. Outros tantos acharam o Santo Graal Butcher das conclusões slasher. Eu achei do caralho. Até pelo fato de se estender de maneira over, desembocar numa cachoeira de hemácias deliciosamente gratuita e de preparar o terreno para uma última ceninha de quebrar o encosto do sofá. Sem contar que a porra do negócio estava mais do que... opa, parei. Quem quiser dissertar sobre, go to the comments. Use them!

Longe de mim levantar bandeira anti-imperialista, mas o fato do filme ser francês, e não hollywoodiano, já adianta para os mais escolados que a parada ali é realmente casca-grossa, não se rendendo a nenhum censorshit patrulhinha pra levantar bilheteria. O filme tá pouco se fodendo. E isto se aplica também ao elenco de primeira, anos-luz mais interessante que aquela panelinha teen que costuma cozinhar a paciência de quem procura um terror decente. O furacão assassino do filme aparece nos créditos como "Le tueur" (alguém?) e é encarnado pelo veterano Philippe Nahon com uma frieza que chocaria até Ted Bundy. No papel de Alex está a competente Maïwenn Le Besco, enquanto Marie recebe a performance surpreendente da bela Cécile De France (de Albergue Espanhol/Bonecas Russas). O que esta mulher faz é incrível.

O filme é gráfico ao extremo e cumpre até a beirola do que promete com precisão cirúrgica. Isto porque quem está lá no grotesque make-up é o velhinho Giannetto de Rossi, tradicional colaborador dos mestres do giallo, Mario Bava e Lucio Fulci. A produção também pode ser encarada como precursora desta leva de filmes anti-mochileiros que andam assolando o mercado (vide Abismo do Medo, Wolf "Eu Quero a Minha Mãe" Creek, O Albergue e o próprio Viagem Maldita) - pelo visto, o mais seguro hoje é fazer turismo na Antártida.


O mínimo que eu posso dizer, é que Alta Tensão te faz enxergar a vida com mais cautela. De repente, o barraco do Jason Voorhees parece mais seguro do que aquela rua deserta às duas da manhã. E a possibilidade de que qualquer coisa pode estar acontecendo enquanto você dorme profundamente só é menos assustadora do que acordar (ou ser acordado) e ter uma surpresa pra lá de desagradável. Assista o filme e veja sua paranóia subir 900 pontos percentuais para mais ou para menos.

Aja é mutcho loco e se continuar deste jeito, teremos ainda diversão redentora e primitivista por muito tempo (sim, ele nos faz reencontrar nossos ID's pré-civilização há muito adormecidos). Todo este do-it-yourself virulento e o filho da mãe é mais novo que eu. Seu próximo projeto, no entanto, é mais um remake - desta vez, do suspense sul-coreano Into The Mirror - programado pra 2007. Embora seja uma missão meio inglória, se existe alguém que ainda pode apavorar com remake de filme asiático, este é o cara.

Pra mim, até segunda ordem (ou até o próximo terror do Zack Snyder), Alexandre Aja é o sujeito mais punk do cinema atual.


Feliz Dia das Crianças. Melhor ainda... feliz Sexta-Feira 13. E na trilha: "Don't Talk To Strangers". Virou meu hino agora.