quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

AS NOVAS AVENTURAS DO CAPITÃO SPAULDING


Na época do lançamento de A Casa dos 1000 Corpos (House of 1000 Corpses, 2003), fiquei com o pé atrás, achando que o diretor estreante Rob Zombie - um cara bacana - se deixaria levar pela empolgação natural de quem está realizando sonho antigo. Inexperiência técnica e excesso de informações também vinham no pacote. Com a missão de realizar uma produção B com um ar, digamos, despretensioso, Zombie acabou criando um pequeno divisor de águas. O filme, execrado por 2,98/3 da população terrestre, era um tour-de-force nonstop de cultura trash.

O estilhaço de história começava no padrão estrutural típico (adolescentes, postos de beira de estrada, casarões sinistros, caroneiros[as] suspeitos[as]), mas logo descarrilhava em um carnaval macabro com missivas nada sutis ao american way of life. Tudo isso com um climão que remetia a um director's cut de Contos da Cripta/Amazing Stories/Twilight Zone. A Casa dos 1000 Corpos foi um levante anti-genéricos de Pânico, uma distorção febril de Massacre da Serra Elétrica, exagerado, irregular, perturbador, injetado de referências cult e incursões experimentais. É horror B, mas na versão Pro, não a Home Edition.

Eis que chega Rejeitados Pelo Diabo (The Devil's Rejects, 2005), uma continuação do "incontinuável". Tudo me levava a crer que o Zé do Caixão gringo iria triplicar o tempero daquele acarajé coagulado, tornando a digestão ainda mais complicada. Mas não é que o cara se revelou um chef sofisticadíssimo? Acima de tudo, Rejeitados marca uma evolução aterradora de Rob Zombie enquanto idealizador e realizador de filmes. É absurda a segurança que ele adquiriu entre um filme e outro. Ao zerar toda a tralha estereotipada de outrora (e olha que era muita coisa), Zombie colocou os monstros pra brincar à luz do dia, sob um ponto de vista nítido e revelador. He let the dogs out. E também foi esperto ao livrar a cara de personagens que, embora fossem a quintessência genealógica das famílias Sawyer & Voorhees, eram tão fascinantes quanto um ser humano com opinião própria.

Como o diretor mesmo disse, Rejeitados não é uma seqüência literal de A Casa. De lá, herda apenas as conseqüências da matança generalizada (que vem na forma de uma caça às bruxas Texas Ranger style) e seus protagonistas mais carismáticos: o esquisitão Tiny (Matthew McGrory, o gigante de Big Fish), o sociopata Otis (Bill Moseley), sua irmã Baby (Sheri Moon Zombie, esposa do Rob - tá bem o maluco) e Mama Firefly (Leslie Easterbrook, perfeita no lugar de Karen Black), além, é claro, do singular Capitão Spaulding (Sig Haig, outra vez excelente). O processo de revisão não poupou nem os demais membros da família Firefly (como Rufus - aqui numa ponta feita pelo dentes-de-sabre Tyler Mane - e o Vovô Hugo), nem Dr. Satan e suas abominações genéticas conjuradas dos círculos inferiores (estes, além de Rosario Dawson no papel de uma enfermeira, aparecem na seção de cenas deletadas do DVD).

Realmente Zombie deu uma faxina no casarão mal-assombrado. Falando nisso, o casarão também foi pra escanteio.


Rejeitados começa sem pausa pra respirar, como se fosse a ressaca da farra do primeiro filme. A residência dos Firefly é cercada por uma força-tarefa policial liderada pelo xerife Wydell (William Forsythe, imerso no personagem), irmão do tenente Wydell (abatido no filme anterior), obviamente obcecado por vingança. Acuados, Otis e Baby conseguem escapulir do cerco e caem na estrada. Logo pedem auxílio ao Capitão Spaulding, que recomenda um ponto neutro como abrigo - no caso, um puteiro dirigido pelo seu colleague Charlie Altamont, interpretado pelo venerável Ken Foree (ator do clássico O Despertar dos Mortos, de George A. Romero).

Aliás, a fina flor do cinema outsider compõe a escalação. Além de Foree, também marcam presença o folclórico Michael Berryman (de Quadrilha de Sádicos), P.J. Soles (de Carrie, A Estranha e do primeiro Halloween), o veterano Geoffrey Lewis, o onipresente Danny Trejo (de Um Drink no Inferno e dá só uma olhada no 3x4 dele no IMDb!) e, por última, uma senhorita que acabou com o tédio das minhas tardes pré-adolescentes: Ginger Lynn Allen.

Já a trilha sonora é um primor de compilação southern rock, utilizada sem a menor parcimônia. Notável também é o "carinho" que Zombie demonstra pelos personagens, conferindo-lhes tridimensionalidade e motivações individuais críveis. Até o fato de não poupar nenhum deles da crueldade hardcore daquele mundo-cão denota um respeito absoluto às suas existências bem tramadas. Ao contrário de um thriller comum de horror, ninguém tem cara de presunto ali. A maioria é gente-fina que se meteu numa merda de dar gosto, na qual gentes-finas podem perfeitamente se foder. Um momento bem ilustrativo da malvadeza do diretor é a horripilante "cena do mascarado" (ma-gis-tral-men-te filmada, uma pérola), desde o momento em que ele sai do hotel até o final. É a vida (ou a arte).

E aí chegamos aos "rejeitados pelo diabo", Otis, Baby, Capitão Spaulding e Mama Firefly, selecionados por Zombie como se fossem os participantes de um Big Brother from Hell. Ao focalizar suas atitudes práticas no cotidiano, Zombie cria uma sensação incômoda e persistente para o espectador. De um modo insólito, eles parecem surpreendentemente familiares, donos de uma moral interna que vai de encontro à moral do resto do mundo, mas ainda assim uma moral. Otis tem pose de rockstar e contestador do Sistema. Baby é a típica garota-que-só-quer-se-divertir, provocante, sacaninha e que dispara palavras rápido como uma cigana (conheço umas vinte assim). A zelosa Mama Firefly é a coroa insinuante na idade da loba (aliás, Easterbrook e Forsythe protagonizam alguns dos diálogos mais deliciosamente insanos dos últimos tempos). E Capitão Spaulding... é praticamente o meu padrinho.

A partir daí, Zombie desenvolve um loop de percepção, que eleva o filme de entretenimento bacana para um veículo de um significado maior e desgraçadamente humanista, que antige seu clímax justamente na vingança tão almejada pelo xerife Wydell. E aí meu amigo... só terminando com um spoiler mesmo pra eu poder desabafar:

(antes que eu me esqueça, spoiler do filme Dogville também)



Ao virar a mesa sobre quem é a caça e quem é o caçador, Zombie formulou uma questão de apelo universal. Note bem, em nenhum momento criamos algum tipo de simpatia pela família Firefly, e Zombie jamais suaviza a mão nas atrocidades que eles cometem, exatamente para que isso não ocorra. Mas em compensação, ele nos enfia goela abaixo o sabor amargo da vingança, ainda que direcionada à assassinos tão cruéis. O ensaio de genialidade vem justamente aí: após impregnar a tela com uma seqüência visceral de atos hediondos, Zombie praticamente esgota a nossa crença em conceitos como humanidade e boa-fé. Mas durante o pau-de-arara físico e psicológico empregado por Wydell - quando o nosso espírito de solidariedade está lá no centro da Terra - o sentimento de compaixão inevitavelmente vem à tona, com força total.

Tive pena da Mama, de Otis, de Spaulding, e torci para que Baby conseguisse fugir em uma cena extremamente simbólica da "mensagem" embutida no filme - situação a qual não pude deixar de relacionar com Grace, de Dogville, e suas ponderações que variavam de um extremo a outro sobre o destino que escolhera para os habitantes daquele vilarejo (não poupando nem o bebê de sua algoz). Observando a trajetória de Grace, Wydell e de... minha nossa, alguém anotou a placa... Yu Ji-tae & Oh Dae-su, de Oldboy, me pergunto até onde a vingança é eficiente como cauterizador espiritual.

A constatação do que realmente Rejeitados Pelo Diabo trata, surpreende. Funciona tanto como alegoria à política dos EUA em combater o terrorismo com terrorismo, quanto como um olhar pungente sobre a pena de morte. A redenção chega (sim, ela chega), e não deixa de ser lírica - lírica de uma maneira reconfortante para os personagens e alienígena para nós (mas compreensível enquanto testemunhas de sua trajetória). E novamente retornamos ao padrão - afinal, é um loop - e o filme se despede como um legítimo road movie, ao som da bela Free Bird, do Lynyrd Skynyrd.



Confesso... esperava menos de Rob Zombie. Muito menos.

Rejeitados Pelo Diabo é um filmaço.

5 comentários:

Anônimo disse...

realmente rejeitados pelo diabo e um filme de marcar geração.....muito loco, e muito melhor que jogos mortais...dexa nu chinelo.....

Anônimo disse...

Kara, simplesmente fantástico
vc torce p/ que os assassinos
terminem bem.....rsrsrkkkkkkk
Nota: 1000000000 ...vlw

tha disse...

Um dos melhores filmes de terror da atualidade.

VANONE RAPMAN disse...

FODAÇO...... SEM PALAVRAS O FINAL QUE É FODA ELES CANSADOS DE TANTA PORRADA AINDA RÓLA OS COXINHAS FAZENDO BARREIRAS,A CENA TIPO CES TERÃO QUE ALGEMAR É NOSSOS CADAVERES..COM AQUELE SOM ""FREE BYRD" DE LYNYRD SKYNYRD


LOUCO!

Anônimo disse...

Ótimo filme. Roteiro simples e convicente. Muito louco, mas possui uma direção perfeita e diálogos excelentes: engraçado e inteligente.