sexta-feira, 29 de setembro de 2006

TRANQUEM SUAS SEPULTURAS


Inicialmente uma sátira ao "mortus operandi" de George A. Romero, o filme A Volta dos Mortos-Vivos (Return of the Living Dead, 1985) acabou resultando num mix certeiro de terror, gore e comédia. A produção foi um hit na época. Faturou os tubos em merchandising, arrebanhou uma legião de fãs durante os anos seguintes e ainda hoje é alvo de um sem-número de referências cult (como a banda inglesa Send More Paramedics). Também alavancou duas seqüências que tinham lá suas qualidades, mas que não se comparavam à divertida zoeira B do original. O segundo filme se limitava a repetir as gags do anterior, e no terceiro sobrava estilo (Brian Yuzna na direção e Melinda Clarke, de The O.C., fazendo uma zombie-girl que era um convite à necrofilia), mas faltava um roteiro decente. Com isto, a série acabou pegando uma longa temporada no freezer do necrotério.

Com o recente boom post-mortem que acometeu Hollywood, a série levantou mais uma vez da sepultura e foram anunciadas duas seqüências direct-to-DVD. Há um tempo atrás, eu me perguntava o que fariam com os "comedores de cérebro mais sacanas do cinema" e agora já tenho a resposta. Ou pelo menos 50% dela (sendo que a outra metade acena para mim como se dissesse "é isso aê mermo, mané!").

A Volta dos Mortos-Vivos 4: Necropolis (Return of the Living Dead: Necropolis, 2005) começa bem, muito bem. Por incrível que pareça, foi a primeira produção hollywoodiana a conseguir permissão para filmar dentro de antigas instalações nucleares de Chernobyl. Desde a catástrofe de 1986, apenas documentários tiveram acesso às zonas seguras do local. O que sobrou dos galpões operativos e da área residencial reservada aos funcionários é de arrepiar. É inevitável pensar que aqueles dias trágicos geraram um cenário apocalíptico mil vezes mais aterrador do que qualquer filme. O que se vê hoje parece mesmo uma "necrópole".

Na cena inicial, vemos o cientista Charles Garrison (Peter Coyote) e dois ex-militares russos negociando uns tonéis contendo Trioxyn, o Biotônico Fontoura dos cadáveres. Obviamente, um dos envolvidos marca bobeira e acaba melando a mão com o sinistro material tóxico.


"Êêê... que porra é esta aqui, hein"

Neste momento, vem a primeira pista de que, fora os mortos-vivos, havia algo a mais de podre no filme. A promissora seqüência culmina no primeiro atentado ao "universo ROTLD", quando o personagem de Coyote despacha o recém-zumbificado com um tiro na cabeça - violando a principal regra da série. Diferente da trilogia de Romero, os monstrões aqui nunca ligaram pra sua integridade cerebral. Eles tinham o crânio perfurado, esmagado e alguns até passeavam por aí sem cabeça. Os zumbis não paravam por quase nada (a eletricidade usada no 2º filme foi uma boa solução). O que me faz divagar...

Na época, talvez tenha sido meramente um lapso, uma falha contextual. Afinal, os preceitos criados por Romero eram respeitadíssimos e se tornaram quase uma lenda urbana no assunto. Então, foi como se ignorassem o efeito de balas de prata em lobisomens ou estacas em vampiros. Mas, sem querer, esta "invencibilidade" acabou se tornando um achado e virou um dos charmes da série, além de render seqüências impagáveis (como no 1º filme, quando três personagens destroçam um morto-vivo amarelo e mesmo assim os pedacinhos continuam se debatendo). Infelizmente, esta boa violação das regras foi solenemente ignorada aqui.

Como eu já comentei outro dia, o resto da história segue mais ou menos o esquema usual:

"Julian, Zeke, e seus amigos, são típicos estudantes do colegial curtindo um marasmo teenager-mauricinho, até que um terrível acidente de moto coloca Zeke no hospital, do qual ele desaparece misteriosamente e sem deixar vestígios. Seus amigos investigam seu paradeiro e tudo leva a crer que a famigerada corporação Umbrell... digo, Hybratech está envolvida. A Hybratech conduz perigosos experimentos com o composto Trioxyn-5, um poderoso agente químico capaz de despertar os mortos!

...e blá-blá-blá..."



Soldado Universal de segunda mão

No geral, o filme acaba empilhando a clicherama que a própria série ajudou a propagar em 15 anos de produções trash. O que, em si, não seria tão ruim, mas é fatal se a direção não demonstrar um mínimo de vigor e inventividade (vide o 1º Evil Dead, do Raimi), coisa que o diretor Ellory Elkayem (quem?²) não parece estar muito familiarizado. Por várias vezes, a impressão que dá é que ele joga os atores lá no meio da bagunça pra se virarem do jeito que puderem. Puro teatro mambembe. E ainda que o roteiro de William Butler e Aaron Strongoni não seja lá a inspiração impressa, tem lá as suas sacadas, como o churrasquinho de ratazana zumbificada e um lindo casal de mortos-vivos tunados para uso militar (ele parece um do Borg, de Star Trek, e ela parece aquela cenobita de Hellraiser - ambos mal-aproveitados). Ao mesmo tempo, o script, mais esburacado que a superfície da Lua, poderia ter ido dormir sem a seqüência em que humanos e zumbis saem no braço com se fossem hooligans. Já viu morto-vivo dando joelhada na boca de alguém? Nem queira.

O elenco, à exceção do coiote Peter, é basicamente composto de fuças desconhecidas. O protagonista é interpretado por John Keefe (um Kevin Dillon cover), a namoradinha da vez é a fabulosa Jana Kramer e uma das cenas é protagonizada pela cabulosa VJ romena Diana Munteanu (podiam ter aproveitado mais a linguagem corporal da moça). Estes até que entraram no clima e saíram sem maiores chamuscadas, mas o resto do cast é medonho. O moleque gordinho chega a ser hilário, tamanha sua má-vontade em estar ali, quando poderia estar em casa se refestelando em seu Playstation 2.

E Coyote, geralmente um ator versátil e puta velha de carteirinha, se sai com uma atuação tão caricata que ele só pode estar de sacanagem. Sua canastrice é comparável à de Jon Voight no filme Anaconda (que, até então, eu achava incomparável). Obviamente, Coyote adotou a máxima de Linda Fiorentino, na qual produções B são o veículo ideal para se experimentar nuances de interpretação sem encargo na consciência. O salário é uma merreca mesmo.


Coyote, dando no pé antes que alguém perceba que ele participou do filme

Há sempre a questão do humor involuntário, que brota aqui em cada fresta bem-intencionada, ou as dezenas de crânios apodrecidos explodindo lindamente e acumulando alguns pontinhos no conceito dos fãs de splatter... tem até uma cena bacana ao som de Cold Machines, da tia Alice Cooper... mas a impressão que ficou é que A Volta dos Mortos-Vivos 4: Necropolis reabasteceu a franquia com trioxyna adulterada - e seu sucessor, ROTLV5: Rave from the Grave, não aparenta ser muito melhor, visto que foi rodado simultaneamente.

Desta vez, os mortos ganhariam mais se continuassem saboreando o sono eterno no além-vida.

SAUDADES DO TEXAS


Houve um tempo em que Tobe Hooper era sinônimo de cinema outsider, contraventor. Com uma câmera vagabunda na mão e algumas idéias insanas na cabeça, ele mandou vários recadinhos malcriados ao american way of life (contundentes até hoje). O que é interessante, visto que Hooper, texano da gema, perverteu sua terrinha natal já em seu 2º filme, o esquartejante Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974). Após essa ode à visceralidade rústica, o que se seguiu foi, até determinado momento, uma trajetória explosiva: Noites de Terror (Eaten Alive, 1977, bloody feast com as vivisecções que não couberam em Massacre), o enfarta-miocárdio Pague para Entrar, Reze para Sair (The Funhouse, 1981), Poltergeist (de 1982, mais de Spielberg que dele, mas os detalhezinhos hardcore são inconfundíveis) e o grandioso Força Sinistra (Lifeforce, 1985, o único épico living dead que se tem notícia). Mas lá pela metade dos anos 80, o motor de Hooper começou a expelir fumaça. Em Invasores de Marte (Invaders from Mars, 1986) ele rodou na pista e a continuação desastrosa de Massacre resultou em perda total.

Mortuária (Mortuary, 2006) marcaria o retorno em grande estilo de Tobe Hooper, após anos de défict produtivo. Numa época em que CG mal e porcamente utilizado e sensações teen do momento avacalham qualquer tentativa de insuflar medo, nada melhor que uma atitude slasher de macho pra honrar a camisa ensangüentada (pô). Primitivismo e minimalismo = é disto que eu preciso.

O filme começa mostrando a família Doyle se mudando para uma pacata cidadezinha da California, a fim de recomeçar a vida. Os filhos Jonathan (Dan Byrd) e Jamie (Stephanie Patton) acompanham a mãe Leslie (Denise Crosby) meio à contragosto. O fato dela assumir o cargo de preparadora de cadáveres do local e ter de usar o porão de sua nova casa como "escritório" só deixa a situação mais confusa para os guris. Claro que, além disto, ainda pipocam outros detalhes bizarros pra dar o tom: a residência fica em frente a um antigo cemitério e existe um 'causo' horripilante (destes de acampamento, em volta da fogueira) envolvendo os antigos moradores do lugar.

O casarão tenebroso, os corpos no porão e os caixões espalhados em um cômodo, davam conta de que, quando a matança começasse, só iria parar quando elenco, equipe técnica e espectador estivessem estrebuchando no chão. Não por acaso, a premissa (mais simplória que cordel falando de Lampião) se ocupava exclusivamente em preparar a atmosfera enegrecida na qual Hooper faz e acontece. Ou fazia.


O roteiro de Jace Anderson e Adam Gierasch parece mesmo aquelas histórias de acampamento, especialmente na conclusão (ou na falta de uma). Sabe quando o contador da história, na ânsia de assustar o ouvinte, dá um grito de horror no final (ou alguma onomatopéia qualquer), sem, no entanto, descrever o desfecho? É o que ocorre aqui quando o caldo começa a entornar. Somos confrontados diretamente com o terror da situação por uns quarenta minutos até o final, e o impacto é praticamente o mesmo de um episódio de Scooby-Doo (com todo respeito ao dogue alemão e àqueles garotos intrometidos). O resultado é uma hesitação gráfica modorrenta e uma pífia tentativa de pegar leve com o público não-iniciado. Mesmo delegando responsabilidades, é clara e evidente a péssima direção de algumas seqüências, como aquela em que os mortos irrompem dos túmulos. Só faltaram dizer "booo". A cena do 'ataque de sal' (!) é a idéia mais jumenta que eu já vi na vida. E foi preciso dois roteiristas pra escrever aquilo.

O elenco principal, surpreendentemente, funciona, tem química e chega até ser cativante, com destaques para a veterana Denise Crosby, a encantadora jovenzinha Stephanie Patton e a hilária Lee Garlington (no papel da dona da lanchonete, uma ex-groupie). E é realmente incrível como Alexandra Adri passa tranqüila por 15-16 aninhos, mesmo tendo 33. Já as pinups bagaceiras e boas de grito também comparecem aqui, como todo o Hooper-combo que se preze (a loira falsificada é a melhor). Mas até aí a coisa parece ter adquirido contornos mais comportados e puritanos. Foi-se o tempo da superficialidade travestida num topzinho molhado.

Daquele Hooper estradeiro, poeirento e sacana sobrou pouco, pra não dizer nada. As únicas auto-referências old school que comparecem aqui remetem ao pastelão estético de Massacre da Serra Elétrica 2. O subvilão tem os mesmos trejeitos do Leatherface abobalhado daquele filme, além de morar num shit-hole igualzinho, com os túneis, esqueletos pendurados e tudo (existe COHAB pra assassino slasher desfigurado?). Mas o pior mesmo foi a inserção de um antagonista principal que nada mais é que uma geleca verde-escura que controla cadáveres e seres vivos. Totalmente sem explicação, destino ou sentido - ou talvez fosse um reflexo do final, que é exatamente assim.

Sendo sincero, eu comecei a assistir este filme já prontinho pra gostar e sair recomendando. É triste ver que qualquer Cemitério Maldito faz embaixadinha com os sustinhos de Mortuária. Hooper parece sofrer da "síndrome de Chris Claremont" - foi (e ainda é) muito influente, mas a cada nova empreitada fica mais longe daquela energia irreprimível dos velhos tempos. E, no que depender de Mortuária, não tem como ficar mais longe.

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Operação Festival: BABEL


Compaixão. Segundo um dicionário online, trata-se de dor perante o mal alheio; pena; comiseração; lástima. Segundo Alejandro González Iñárritu, trata-se do elemento que falta à humanidade para convivência pacífica. Pelo menos foi o que disse no palco do Odeon antes da premiére de seu filme no Festival do Rio. Ainda segundo o diretor, o filme trata também de fronteiras; aquelas que todos conhecemos e aquelas que são guardadas em nossas cabeças, que afloram quando tomamos posturas em relação ao próximo.


Um moleque no meio do deserto do Marrocos dispara um tiro. Quatro famílias em três continentes têm suas vidas afetadas por este evento. Esta é a sinopse de Babel (idem, 2006). Tentar encaixar esta sinopse nas palavras do parágrafo anterior parece, à primeira olhada, tão fácil quanto esbarrar com a Scarlett Johansson na porta da minha casa. Uma família no Japão, outra no Marrocos, uma terceira no México e uma quarta dividida nestes lugares. Cinco línguas, dentre elas a dos surdos-mudos. Um tiro. Vamos combinar que o plot não é simples, mas Iñárritu (pronuncia-se Inarritú - aprendi ontem quando a mestre de cerimônias o apresentou) mostra competência para contar esta estória de forma convincente e tocante, sem em nenhum momento resvalar no piegas. É mais um daqueles filmes onde não há protagonistas, todos coadjuvam, ninguém tem destaque sobre ninguém, mesmo que no elenco tenhamos um Brad Pitt, uma Cate Blanchett e um Gael Garcia Bernal contracenando com Adriana Barraza (Quem?), Rinko Kikuchi (Hã?) e Said Tarchani, o garoto marroquino que nem creditado no IMDB está, mas é quem rouba a cena a cada vez que aparece.



Iñarritu é um diretor cuja carreira é interessante. Não há muito no seu background para ser comparado, mas, do que ele já fez, pode-se afirmar que tudo preza pelo equilíbrio e uniformidade. Dirigia algumas produções da Televisa até realizar Amores Brutos e receber nomeação ao Oscar por melhor filme estrangeiro. Descoberto pela indústria dos EUA, realizou, sempre em parceria com o roteirista Guillermo Arriaga, 21 Gramas , que ganhou nomeações para melhor ator coadjuvante e atriz. E agora Babel. 3 filmes. Só. No entanto, percebo que ele, mesmo com filmografia tão discreta, já consegue aquilo que muita gente persegue e não alcança: fazer cinema autoral. Ver seus filmes dá a sensação de que a cada quadro temos uma assinatura no cantinho inferior mostrando quem está por trás da obra. Não à toa, seus dois trabalhos na grande indústria já lhe renderam a possibilidade de escalação de atores reconhecidamente seletivos quanto à qualidade do que estrelam. Indo além, ele não só consegue fazer cinema autoral na grande indústria com apenas três filmes, como também os classifica como uma trilogia, tipo de indulgência só possível para gente já conceituada (ou obra adaptada, vide SdA). O primeiro tinha um acidente de carro e um cachorro que interconectava 3 estórias. O segundo também tinha um acidente de carro que perpassava os dramas de núcleos distintos. Agora o acidente mudou, mas mudou também a força do tapa na cara. Antes os eventos eram focais. Ali no bairro, acontece com qualquer um. Página 8 do jornal. Até aí, muitos outros diretores já se arvoraram na mesma seara, com mais ou menos competência, sendo que antes esta competência era mais destacável pela segregação de culturas. Com as relações globais de hoje, mostrar o mesmo drama existencial exige outro tato e, de uma forma geral, este “tato” opta pelos mecanismos dos sistemas e corporações (vide Syriana), em detrimento dos mecanismos da alma. Em Babel, mesmo com as proporções intercontinentais, o filme não perde a característica de retratar o drama também das coisas pequenas, só que mostrando como estas individualidades são reflexos puros das tais fronteiras internas influenciadas por nossa imersão cultural, como falei no começo do texto.



Nesta linha, Babel também não perde a oportunidade de cutucar os EUA, assim como 15 entre 10 produções sérias vêm fazendo ultimamente, mas ao menos não se prende ao maniqueísmo dos “americanos maus” vs “resto do mundo bons”. Sim, em diversos momentos nos mostra como o americano é capaz de ser cruel com seus vizinhos, seja na relação pessoa x pessoa ou na relação governo x pessoa, mas mostra também que eles são cruéis até mesmo com seus próprios cidadãos, como no embate entre Pitt e os outros turistas do ônibus, ou quando o governo, no afã de arranjar uma justificativa para rotular o acidente idiota como terrorismo, impede o envio de uma ambulância para atender uma cidadã. Mas vemos também que o mundo tem bem mais tons de cinza do que os jornais costumam mostrar. Quando vemos a postura da polícia marroquina no tratamento de suspeitos, fica bem claro que a intolerância não é trademark yankee – e não estamos falando aqui de grupos radicais, mas de uma força policial integrante de um sistema de um país soberano. Em contraponto, temos também o drama da japonesa surda-muda; a retratação de seu mundinho silencioso que contrasta com as impressões visuais mais “ensurdecedoras” que conseguem ser, a juventude e os hormônios tentando arrombar a porta da sua sexualidade e esbarrando na angústia desesperada para ser aceita como mulher completa; as humilhações às quais se sujeita e o encontro da compaixão no ombro de um policial japonês, escolha esta interessante para polarizar as posturas policiais de um local e de outro, mas ambos orientais, mostrando que toda generalização é idiota. Esta sub-trama do filme é a que, numa tacada só, tem a menor e a maior ligação com o evento central da trama. É também o núcleo que me passou os sentimentos mais essencialmente humanos, em contraposição às questões mecanizadas que orientavam os outros 3 cenários. Em outra polarização, agora ocidental, Iñárritu coloca duas crianças americanas by the book no meio de um casamento mexicano. Por serem crianças, suas “fronteiras” ainda não estão construídas. Aquele ambiente seria visto como uma taverna de bárbaros se já estivessem institucionalizadas, mas transforma-se rapidamente num playground sem diferenças à medida que os preconceitos culturais são demolidos.



Iñárritu é muito competente. Dirigiu atores em cinco línguas diferentes e com todos desempenhando bem seu papel (deve ter algum significado isto, mesmo que japonês, para mim, seja um mero agrupamento de fonemas desconexos). E humilde. Não sei se foi apenas devido ao fato de ser uma premiére e pela presença do diretor no cinema, mas as palmas efusivas que seguiram os créditos mostraram que um pouco mais de compaixão contribuiria muito para um mundo mais agradável de se viver.

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Observações adicionais: Nunca fui numa premiére antes. Não uma destas. Sabia que o diretor do filme estaria presente, mas não imaginava que teria toda aquela pompa. Tapete vermelho, cinema lotado, gente sentada nas escadas nos dois andares do Odeon (aliás, lindíssimo... há tempos não colocava os pés lá). Dá um clima interessante ao evento, diferente de quando vamos ao cinema normalmente. Vem um sentimento de que tem alguém ali apresentando o trabalho dele para você, diretamente, submetendo-se à sua avaliação. Humildade. Muito interessante. Em sua apresentação, o diretor falou no espanhol mais português que ele conseguiu, de modo que todos entenderam tudo, além de ter passado pelos lugares comuns que todos passam quando aqui vêm: “A cidade mais bela do mundo”, “torço pelo Brasil na copa (depois do México sair na primeira fase)”, “tenho grande amigos brasileños” etc, até falar do que se tratava realmente o que estávamos por assistir. O que é bom, pois o cara está ali dizendo para você, momentos antes do filme, o que passou pela cabeça dele quando resolveu realizar aquilo. Simpatia pura.

Ah... teve os peitos da Danielle Winnits tb, mesmo cobertos, mas estes eu já tinha visto numa sessão especial de Homem Aranha no UCI.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

BUENA VISTA VICE CLUB


Dois anos após o ótimo-e-ficando-melhor-a-cada-assistida Colateral, Michael Mann retorna ao campeonato jogando em casa. É ponto pacífico que a série foi um case símbolo de sua era. Não que isto seja depreciativo, não totalmente. Talvez em termos de estética - mas até aí, mullet e blazers brancos não são tão mais ridículos que a obsessão por celulares e modinhas tenebrosas que duram menos de uma semana. O que importa mesmo é o conteúdo (caso você ainda não tenha ouvido isto hoje). E neste ponto, o material aqui sempre se garantiu, com ou sem Phil Collins. Mas a verdade é que sou suspeito pra falar. Gostava da série. Muitas vezes, até pelos seus defeitos e - por mais estranho que isto soe - aprendi a beber e degustar Michael Mann (coisa que não consegui com a tal da Campari). Hoje, sou um "somMannlier" profissional e, obviamente, fui ao cinema me sentindo o próprio Tommy Vercetti. A barba de três dias e o cabelão cultivado por meses à fio eu já tinha, faltaram só o blazer branco e, principalmente, uma Testarossa ao redor do meu corpo. Todo esforço era pouco para prestigiar o retorno do SuperMann.

Miami Vice (2006) é, antes de tudo, o flagrante da evolução de um profissional cujo nível técnico já era absurdamente alto. E marca o segundo grande passo do diretor/roteirista rumo àquela idiossincrasiazinha autoral que destaca um gênio das cigarras preguiçosas que somos. Se em Colateral o cineasta se mostrou encantado pela infinidade de texturas possibilitadas pelas belezinhas da Viper FilmStream e experimentações com filtragem digital, em Miami Vice ele lança a versão Beta de sua tese sobre o assunto. Ao contrário da libertinagem putesca de Tony Scott em Domino, Mann utiliza tais recursos off-road como uma poderosa ferramenta de amplificação para a atmosfera densa e visceral proposta pelo roteiro.

Ou seja: sem resquício de virtuosismo egocêntrico, seu THC visual realmente obtém resultado prático perceptível no que se vê na telona. Se algum dia houve glamour em levar um tirambaço em cena, aqui esta impressão passa bem longe.

Se for parar pra pensar, a festança do HD que houve na sala de edição é bem compreensível, já que a temática The Mann conhece bem. O universo de Miami Vice é do tipo que não envelhece. Ao menos, não enquanto crime organizado, cartéis do narcotráfico, caos urbano, corrupção policial e todo tipo de escrotitude humana estiverem na pauta do dia.


Na página dedicada ao filme no IMDb, alguns fãs da série original reclamaram que boa parte da história se passa fora de Máiâmi, opção que achei curiosa. De fato, esta década e meia de globalização galopante rendeu alguns momentos inusitados (e outros, bizarros mesmo). Precisou um irlandês para se atualizar o estereótipo do californian boy dos anos oitenta, com uma dose de cinismo e atitude à tira-colo. A mistura etno-cultural já começa aí e, embora o Detetive "Sonny" Crockett fosse mais gaiato e canalha com o Don Jonhson, Colin Farrell (o tal irlandês) entra no clima e atinge lá a sua cota de estilo. Mais interessante ainda é ver que Ricardo "Rico" Tubbs agora é o talentoso Jamie Foxx - e lá se vai a afro-latinidad sugerida de Philip Michael Thomas. Em compensação, o filme passeia por alguns países da América do Sul e ainda faz umas escalinhas em Cuba. Os vice-guys estão agora globalizados. Cresceram e deixaram as guerras de gangues pra caçar os verdadeiros tubarões em mar aberto.

...que, por sinal, estão mui bien representados pelo hiper-mega-narcotraficante - saca o nome - Arcángel de Jesús Montoya, interpretado por Luis Tosar com tal frieza e crueldade que faria Noriega e Don Escobar o chamarem de el patrón. Sabe aquele episódio velhusco da série que você mal se lembra? Então... este serve como sinopse. Sonny e Rico se infiltram em um esquema de transporte de drogas para os EUA, controlado por uma importante quadrilha do tráfico internacional. No topo da cadeia, o narco-CEO Montoya delega o ativo circulante lá de sua mansão no meio da selva e na "contabilidade", estão o desconfiado cabrón José Yero (John Ortiz) e la bella Isabella (Gong Li, bela) gerenciando o franchising no país do Tio Sam.

Cabe dizer que as duas cenas de sexo existentes no filme são primorosamente filmadas e remetem (sem trocadilhos) à seqüência memorável entre Al Pacino e Diane Verona, no início de Fogo Contra Fogo, também obra do Mann. Realismo é o que há. E, mesmo que não tenha nenhum tiroteio no nível do que acontece naquele filme (o melhor que já vi, por sinal), todos eles têm um impacto tão efetivo e necessário à narrativa, que as balas mereciam uma indicação ao Oscar. A trilha esperta de John Murphy é cúmplice e prepara o terreno carregando na dramaticidade pré-pancadaria. Dependendo do tom, sabemos que o tempo vai fechar feio. Isto é ilustrado com maestria na cena que antecede o cerco ao trailer da gangue neonazista. Cena, aliás, que pertence a um ato em três movimentos - o último deles, tracionado por um silêncio de fazer nervo pedir demissão.

É surreal ver que, sem propor qualquer inovação estrutural, Miami Vice faz miséria no mesmíssimo terreno de pieces of shit como + Velozes + Furiosos e Bad Boys 2. Apontar algum destaque isolado no meio de tantos acertos é complicado, mas talvez o tom de seriedade e o fato de que, em nenhum momento, o filme faz pouco caso da inteligência do espectador, sejam um belo ponto de partida. Direcionamento mantido até a conclusão, que reserva a um dos personagens o destino mais verossímil que eu vejo desde o finalzinho de Operação França. Uau.


No playlist: a Vice Soundtrack. Uma ótima seleção. E, claro, os temas clássicos do Jan Hammer - Miami Vice Theme & Crockett's Theme.