Inicialmente uma sátira ao "mortus operandi" de George A. Romero, o filme A Volta dos Mortos-Vivos (Return of the Living Dead, 1985) acabou resultando num mix certeiro de terror, gore e comédia. A produção foi um hit na época. Faturou os tubos em merchandising, arrebanhou uma legião de fãs durante os anos seguintes e ainda hoje é alvo de um sem-número de referências cult (como a banda inglesa Send More Paramedics). Também alavancou duas seqüências que tinham lá suas qualidades, mas que não se comparavam à divertida zoeira B do original. O segundo filme se limitava a repetir as gags do anterior, e no terceiro sobrava estilo (Brian Yuzna na direção e Melinda Clarke, de The O.C., fazendo uma zombie-girl que era um convite à necrofilia), mas faltava um roteiro decente. Com isto, a série acabou pegando uma longa temporada no freezer do necrotério.
Com o recente boom post-mortem que acometeu Hollywood, a série levantou mais uma vez da sepultura e foram anunciadas duas seqüências direct-to-DVD. Há um tempo atrás, eu me perguntava o que fariam com os "comedores de cérebro mais sacanas do cinema" e agora já tenho a resposta. Ou pelo menos 50% dela (sendo que a outra metade acena para mim como se dissesse "é isso aê mermo, mané!").
A Volta dos Mortos-Vivos 4: Necropolis (Return of the Living Dead: Necropolis, 2005) começa bem, muito bem. Por incrível que pareça, foi a primeira produção hollywoodiana a conseguir permissão para filmar dentro de antigas instalações nucleares de Chernobyl. Desde a catástrofe de 1986, apenas documentários tiveram acesso às zonas seguras do local. O que sobrou dos galpões operativos e da área residencial reservada aos funcionários é de arrepiar. É inevitável pensar que aqueles dias trágicos geraram um cenário apocalíptico mil vezes mais aterrador do que qualquer filme. O que se vê hoje parece mesmo uma "necrópole".
Na cena inicial, vemos o cientista Charles Garrison (Peter Coyote) e dois ex-militares russos negociando uns tonéis contendo Trioxyn, o Biotônico Fontoura dos cadáveres. Obviamente, um dos envolvidos marca bobeira e acaba melando a mão com o sinistro material tóxico.
"Êêê... que porra é esta aqui, hein"
Neste momento, vem a primeira pista de que, fora os mortos-vivos, havia algo a mais de podre no filme. A promissora seqüência culmina no primeiro atentado ao "universo ROTLD", quando o personagem de Coyote despacha o recém-zumbificado com um tiro na cabeça - violando a principal regra da série. Diferente da trilogia de Romero, os monstrões aqui nunca ligaram pra sua integridade cerebral. Eles tinham o crânio perfurado, esmagado e alguns até passeavam por aí sem cabeça. Os zumbis não paravam por quase nada (a eletricidade usada no 2º filme foi uma boa solução). O que me faz divagar...
Na época, talvez tenha sido meramente um lapso, uma falha contextual. Afinal, os preceitos criados por Romero eram respeitadíssimos e se tornaram quase uma lenda urbana no assunto. Então, foi como se ignorassem o efeito de balas de prata em lobisomens ou estacas em vampiros. Mas, sem querer, esta "invencibilidade" acabou se tornando um achado e virou um dos charmes da série, além de render seqüências impagáveis (como no 1º filme, quando três personagens destroçam um morto-vivo amarelo e mesmo assim os pedacinhos continuam se debatendo). Infelizmente, esta boa violação das regras foi solenemente ignorada aqui.
Como eu já comentei outro dia, o resto da história segue mais ou menos o esquema usual:
"Julian, Zeke, e seus amigos, são típicos estudantes do colegial curtindo um marasmo teenager-mauricinho, até que um terrível acidente de moto coloca Zeke no hospital, do qual ele desaparece misteriosamente e sem deixar vestígios. Seus amigos investigam seu paradeiro e tudo leva a crer que a famigerada corporação Umbrell... digo, Hybratech está envolvida. A Hybratech conduz perigosos experimentos com o composto Trioxyn-5, um poderoso agente químico capaz de despertar os mortos!
...e blá-blá-blá..."
Soldado Universal de segunda mão
No geral, o filme acaba empilhando a clicherama que a própria série ajudou a propagar em 15 anos de produções trash. O que, em si, não seria tão ruim, mas é fatal se a direção não demonstrar um mínimo de vigor e inventividade (vide o 1º Evil Dead, do Raimi), coisa que o diretor Ellory Elkayem (quem?²) não parece estar muito familiarizado. Por várias vezes, a impressão que dá é que ele joga os atores lá no meio da bagunça pra se virarem do jeito que puderem. Puro teatro mambembe. E ainda que o roteiro de William Butler e Aaron Strongoni não seja lá a inspiração impressa, tem lá as suas sacadas, como o churrasquinho de ratazana zumbificada e um lindo casal de mortos-vivos tunados para uso militar (ele parece um do Borg, de Star Trek, e ela parece aquela cenobita de Hellraiser - ambos mal-aproveitados). Ao mesmo tempo, o script, mais esburacado que a superfície da Lua, poderia ter ido dormir sem a seqüência em que humanos e zumbis saem no braço com se fossem hooligans. Já viu morto-vivo dando joelhada na boca de alguém? Nem queira.
O elenco, à exceção do coiote Peter, é basicamente composto de fuças desconhecidas. O protagonista é interpretado por John Keefe (um Kevin Dillon cover), a namoradinha da vez é a fabulosa Jana Kramer e uma das cenas é protagonizada pela cabulosa VJ romena Diana Munteanu (podiam ter aproveitado mais a linguagem corporal da moça). Estes até que entraram no clima e saíram sem maiores chamuscadas, mas o resto do cast é medonho. O moleque gordinho chega a ser hilário, tamanha sua má-vontade em estar ali, quando poderia estar em casa se refestelando em seu Playstation 2.
E Coyote, geralmente um ator versátil e puta velha de carteirinha, se sai com uma atuação tão caricata que ele só pode estar de sacanagem. Sua canastrice é comparável à de Jon Voight no filme Anaconda (que, até então, eu achava incomparável). Obviamente, Coyote adotou a máxima de Linda Fiorentino, na qual produções B são o veículo ideal para se experimentar nuances de interpretação sem encargo na consciência. O salário é uma merreca mesmo.
Coyote, dando no pé antes que alguém perceba que ele participou do filme
Há sempre a questão do humor involuntário, que brota aqui em cada fresta bem-intencionada, ou as dezenas de crânios apodrecidos explodindo lindamente e acumulando alguns pontinhos no conceito dos fãs de splatter... tem até uma cena bacana ao som de Cold Machines, da tia Alice Cooper... mas a impressão que ficou é que A Volta dos Mortos-Vivos 4: Necropolis reabasteceu a franquia com trioxyna adulterada - e seu sucessor, ROTLV5: Rave from the Grave, não aparenta ser muito melhor, visto que foi rodado simultaneamente.
Desta vez, os mortos ganhariam mais se continuassem saboreando o sono eterno no além-vida.