sexta-feira, 25 de maio de 2007

Operação Resgate
Edição split: Connelly Begins x Motorista Fantasma




O italiano Dario Argento já estava muito no lucro quando realizou Phenomena (idem, Itália, 1985). O filme foi precedido pelo cult Profondo Rosso, de 1975, pelo hit subterrâneo e masterpiece do giallo Suspiria, de 77, por Inferno, de 1980, e pelo casca-grossíssima Tenebrae, de 82. Uma quadra gótica de dar inveja à qualquer aficcionado e que ainda será descoberta e regurgitada pelo circuitão como se fosse algo recém-inventado por algum "visionário" de Hollywood...

Mesmo inserido em um traçado final que Argento arquitetou - concluído por Opera, de 87, e Trauma, de 93 - Phenomena talvez tenha sido o primeiro passo para uma concepção mais acessível das pirações dark do cineasta. De muitas maneiras, estava conectado ao que andava sendo feito de moderno em thrillers de horror na época - cujas diretrizes básicas foram fornecidas em grande parte por ele mesmo (e Fulci, Lenzi, Bava, Avati...). Em tudo ali, Argento soava mais dinâmico, atual.

Indo tão fundo quanto a poça que meu café fez aqui, o cinema de Argento e Sua Gangue foram essenciais para retirar o terror do estágio trash-exploitation patrocinado por Roger Corman e os condes romenos da Hammer Films.

Esta impressão de abertura, apesar de ser mérito de um conjunto de fatores, inevitavelmente saltava aos olhos só de conferir o cast principal: estrelavam o saudoso Donald Pleasence, que, além da moral de ator respeitável, era figurinha fácil em incursões mais comerciais (fora que ele era simplesmente o Dr. Loomis, arquiinimigo de Michael Myers, em Halloween!), e uma jovenzinha de catorze anos que literalmente encantou Argento, após vê-la num pequeno papel em Era Uma Vez na América, do amigo Sergio Leone.

Jennifer Connelly, além da... do... ah, de tudo... esta mulher é... já exibia timing, carisma e maturidade absurdos em cena. E charme. Valha-me Deus. Sua participação em Phenomena excede o espaço reservado à sua personagem e o arquétipo que ela possa representar - mas já retorno ao ponto.


A premissa era um mix dos elementos mais caros à cinematografia de Argento, sendo que a primeira metade remete a uma estética de suspense slasher e a segunda ao horror surrealista enegrecido por uma pesada atmosfera onírica (já dizia John Carpenter que assistir Argento era como "estar preso num pesadelo"). No primeiro ato, uma jovem dinamarquesa (Fiore Argento, filha do diretor) perde o ônibus e acaba se perdendo também. Procurando por ajuda, a menina vai parar numa casa de campo, onde é recebida na base de correntes e tesouras. A seqüência é bastante tensa, sendo finalizada de maneira crua, chocante, mesmo para os padrões atuais ("Se o cara faz isto com a própria filha, que dirá com o resto" - dogg, filósofo malaio) - por outro lado, a beleza técnica da cena é inegável... nada se compara a um bom exercício de hiper-realismo, ainda que o realizador seja dado ao surrealismo (trocadilho realmente ruim).

No filme, Connelly também é Jennifer, só que Jennifer Corvino, filha de um famoso ator americano, que é enviada à Suíça para estudar num renomado colégio internacional para moças. Logo que a menina chega ao país do sigilo bancário, vemos que ela tem o estranho dom de interagir telepaticamente com insetos. E também sofre com pesadelos tenebrosos e um tipo de sonambulismo hardcore (daqueles de levantar dormindo, ir pra guerra e voltar a tempo do café da manhã). No colégio, ela divide o quarto com Sophie (Federica Mastroianni), uma francesa bobinha mas ordinária com quem rapidamente faz amizade. No entanto, a recepção das demais alunas não é nada hospitaleira e Jennifer já chega batendo de frente com a coordernadora da instituição, a Sra. Frau Brückner (vivida por Daria Nicolodi, ex-esposa do nepotista Dario). Pra completar o cenário, estão ocorrendo vários assassinatos hediondos na região.

A principal característica destas mortes é a decapitação das vítimas. Na maioria dos casos, as cabeças nunca foram encontradas. Donald Pleasence interpreta o Prof. John McGregor, um entomologista paraplégico que está auxiliando a polícia a elucidar os crimes através da perícia nos cadáveres, consumidos por vermes e larvas de insetos - o que cria um estranho vínculo com as habilidades especiais de Jennifer. Não demora muito até os dois se conhecerem e sentirem uma empatia quase imediata.

O tempo começa a fechar quando as alunas do internato se tornam os novos alvos do serial-killer. Ao mesmo tempo, as crises de sonambulismo de Jennifer ficam mais intensas e parecem estar ligadas sensorial/paranormal/mística/darioargentamente ao frenesi dos assassinatos.

Mas isto é na primeira hora. Depois a coisa parte pro giallo-core de sempre.


A metade final de Phenomena é pra deixar os admiradores de Argento se sentindo em casa. Não chega a soterrar espectador com claustrofobia (pra isto, existe Suspiria), mas a pegada é inconfundível. É como se Jennifer parasse de ter pesadelos para vivê-los ipsi literis. Em certo ponto, a identidade do assassino é envolta em um clima tão obscuro que ele quase se torna uma entidade onipresente dentro do filme. De fato, não dá pra antecipar totalmente o desfecho (ainda bem que teve um - assista e passe por essa paranóia também), já que os indícios dão conta de que ali operam forças que não são deste mundo.

Falando no sobrenatural, não há o que reclamar sobre a exploração dos poderes de Jennifer no filme. Os mesmos são utilizados ao máximo de sua capacidade e assim Argento acabou criando uma perfeita (e igualmente poderosa) contraparte para a ameaça do assassino. Nenhuma chance foi perdida aqui - com o tempo e o aprimoramento, a menina se torna a Fênix Negra dos insetos. E isto não é apenas uma referência en passant: não sei bem porque, mas desconfio que Jean... digo, Jen, iria se adaptar muito melhor numa certa escola em Westchester, NY, do que aquela na Suíça. Se a coincidência for pouca, confira as cenas em que o Professor... hã, McGregor ensina a Jen como controlar seus poderes e o macete pra sair do estado de sonambulismo.

Como se não bastasse, McGregor também é acometido da monumental irresponsabilidade que todo tutor dos quadrinhos tem para com seus jovens pupilos. Não satisfeito com o trabalho da polícia, o bom professor (obcecado em vingar uma antiga assistente) resolve colocar a menina de catorze anos no encalço do maníaco sangüinário. E não pense que existe alguma margem de segurança aí.

Nas duas últimas longas seqüências do filme, o climão de pesadelo generalizado toma conta e Alice, digo, Jennifer, vai descendo até o ponto mais baixo do inferno. Impressionante como ela ainda consegue manter um fiapo de sobriedade diante das situações tenebrosas que passa. Ah, mas isto só dura até o mergulho numa vala escrotíssima cheia de cabeças, membros decepados, tripas, vermes, coliformes e detritos diversos. Perto disto aqui, a chuveirada de suínos em decomposição de Saw 3 é como dividir uma hidro com a Hellen Ganzarolli. Mal deu pra acreditar que ela caiu ali mesmo.

Daí pra frente, alguns lugares-comuns do gênero surgem quase que de forma caricatural, incluindo o final fake, à Jason Voorhees do primeiro filme, e um inusitado final-pra-valer, que combina bizarria e violência gráfica extrema.


Phenomena é um filme estranho, que se alimenta de suas próprias imperfeições. Consegue ser incrivelmente equivocado em alguns momentos e brilhante em outros tantos. A cena em que Jennifer, numa paisagem idílica, segue um inseto para descobrir o paradeiro do assassino é belíssima, por mais esquisito que possa parecer. A bad trip sleepwalker da moça é realmente assustadora e incômoda. O já citado prólogo do filme é primorosamente escrito, filmado, montado e o escambau. Momento clássico mais do que obrigatório.

E sim, há várias outras questões sobre Phenomena a serem debatidas fervorosamente, mas a mais contundente é esta: Jennifer Connelly foi rainha do grito em seu primeiro filme como protagonista (engula esta, Jamie Lee Curtis!).

Jennifer já era uma gigante em cena. Sua atuação era um diamante quase lapidado, demonstrando a mesma carga de sensualidade, inteligência e certa introspecção que se vê hoje. A atriz literalmente brinca de empilhar as convenções estilísticas do filme. Mesmo porquê, o cinema de Argento é extremamente hermético, autoral, segmentado por opção - basta ver os diálogos dela com as travadinhas Sophie e Sra. Brückner... a menina passeia livre em cena. Elegante e sagaz, Connelly nunca se entrega ao preciosismo e veste a camisa sempre que necessário. Um show. Só a presença dela já faz valer a assistida.


Infelizmente, a carreira internacional do filme recebeu um duro golpe ao ser lançado nos Estados Unidos. A censura da época - mais slasher que nunca - mutilou quase trinta minutos da produção e o lançou com o não-poderia-ser-mais-genérico título "Creepers". No Brasil, o título original foi mantido, mas a cópia era a mesma editada nos EUA. Só em janeiro de 2006, a versão integral finalmente foi lançada aqui, em DVD, via Works Editora, encartado na edição #6 da revista Cine Monstro.

A trilha sonora de Phenomena é foda. Pra caralho. Argento não titubeou e meteu a antológica Flash Of The Blade, do Iron Maiden, quase inteira durante uma seqüência em que o assassino caça uma vítima. Lá pelas outras tantas, foi a vez da descarrilhante Locomotive, do Motörhead. Motör-fuckin'-head, man. Ficou parecendo um daqueles clipes incidentais de Donnie Darko, só que pra macho. Genial.

E não pára por aí. Bill Wyman, ex-baixista dos Stones participa com uma trilha de arrepiar e Claudio Simonetti também está lá. Simonetti (nascido em São Paulo), que todo fã de horror deveria conhecer, foi tecladista no dino progressivo Goblin, onde compôs para outros filmes de Argento, além do inesquecível tema do mega-clássico Dawn Of The Dead, de George A. Romero, entre outras belezinhas memoráveis. Não é à toa que vários grupos heavy, gothic e prog metal devem as calças pro cara. Influência melódica primordial.

O tema principal de Phenomena também ganhou um "pseudo-clipe", que Simonetti fez entre as gravações do filme. Visto hoje, é tosco no último - como todo clipe daquela era recém-MTVitimizada, aliás. Mas sabe como é... música pronta, câmeras ligadas, cenário em cima, Jennifer Connelly lá de bobeira...


Recentemente, Simonetti fundou a banda Dæmonia, que faz releituras metalizadas para os clássicos que ele compôs para o cinema. O projeto é imperdível.


Próximo!





Lembro como se fosse ontem: meu sonho de consumo adolescente eram o Ford Falcon V8 Interceptor do Mad Max, o De Lorean DMC-12, óbvio, e o Dodge M4S Turbo, de The Wraith, a Aparição (The Wraith, EUA, 1986). Muitos anos depois, ainda não sou milionário e mesmo se fosse, dificilmente conseguiria adquirir este último. Como se tratava de um modelo conceitual, a Dodge só fabricou 1 unidade original (na época, pela bagatela de 6mi US$) e mais seis clones (1mi US$, each) devidamente destruídos durante as filmagens. Desde então, o Pontiac '82 preto da Supermáquina subiu uma colocação na minha lista.

The Wraith é o patinho bonito da filmografia do diretor/roteirista Mike Marvin. O cara simplesmente não fez nada que prestasse depois deste filme, chegando a dirigir até um daqueles pornôs soft reprisados à exaustão no Cine Band Privé. Aqui, no entanto, ele soube dosar energia, boas sacadas e despretensão na medida certa, resultando num filme bastante divertido, mesmo descontando as oitentices típicas (que, por mim, tudo bem).

Aliás, The Wraith não é exatamente um filme de terror, nem suspense, nem sci-fi e nem ação, mas traz características de todos estes gêneros em seu DNA, fluindo simultaneamente. E funciona como um ponto a favor, pois durante o tempo todo se espera uma postura pré-definida que nunca chega e se amarra de forma ainda mais curiosa. Fora que mantém o sensorial sempre no full mode.

Dá quase pra elogiar esta concepção descompromissada (mas não desfocada) da narrativa, só que, pela ficha corrida do diretor, imagino que foi involuntário mesmo.



A história é aquele chocolate. Você sabe como é, o gosto que tem, mas... Nos cafundós do Arizona, uma gangue de piratas do asfalto faz o rapa em quem transita pelas estradas do perímetro. O líder do bando é o sociopata Packard Walsh (Nick Cassavetes, ele mesmo, filho do grande John e o diretor de Um Ato de Coragem e Alpha Dog) e os demais são Rughead (Clint Howard, ainda mais bizarro na sua fase new wave), o maluco viciado em fluído hidráulico Skank (David Sherrill) e o smeagolzinho expert em carburadores Gutterboy (Jamie Bozian), entre outros buchas com a inscrição "morgue" tatuada na testa.

Em geral, eles "propõem" um racha aos motoristas incautos, valendo o carro do perdedor. Mas isto é só por diversão, já que os bad guys, além de serem trapaceiros assassinos, têm os motores mais envenenados da região. Seus carros já eram tunados antes mesmo de inventarem o termo. Na cola dos punks, está o Xerife Loomis (Randy Quaid), que sempre come poeira atrás de um flagrante e está investigando o assassinato de um rapaz, possivelmente morto pela quadrilha.

Até que um dia, um forasteiro de nome Jake (Charlie Sheen) chega ao lugar e já vai se engraçando pra cima de Keri Johnson (Sherilyn Fenn, a Helena de Encaixotando Helena, novinha e um tesão), ex-namorada do garoto assassinado e território do malvadão Packard. Apesar das ameaças do maluco, os dois estão dispostos a deixar a natureza seguir seu curso.

Tudo se encaminha para mais um homicídio providencial, até que um misterioso carro preto com turbina de F-15 e design futurista surge reivindicando a supremacia das estradas - e jogando bem mais pesado que os vilões. A partir daí, sobram cadáveres, acidentes espetaculares e muito aço retorcido.



Segundo o diretor, o filme é uma adaptação livre de O Estranho sem Nome, um western sobrenatural do Eastwood pós-Leone. Ah, bom. Se é assim, sim. Isso explica muitas coisas, mesmo as não-explicadas. Mas o Mike dem-moderfóquer Marvin conseguiu deixar tudo ainda mais enigmático, principalmente na conclusão (e olha que em O Estranho sem Nome - spoiler - tinha um cowboy que desaparecia no final). Possibilidades não faltam para tentar explicar a natureza fantástica e os incríveis feitos do super-carro...

Ele pode ter vindo do céu (acho que não), do inferno (acho que sim), pode ter sido um fusquinha 76 abduzido e tunado com tecnologia alien, pode ser um projeto secreto do governo americano (eles fazem de tudo lá), pode ter vindo do futuro (exatamente, acabaram as idéias)... é só escolher. Qualquer hipótese faz sentido porque as pistas que Marvin vai deixando durante a história não fazem o menor sentido.

A grande sacada de The Wraith é deixar só uma nesguinha de margem para especulações e logo sentar uma machadada na cabeça do espectador. Os vários rachas que acontecem durante o filme são absolutamente empolgantes e quando o Dodjão M4S dos infernos (será?) dá as caras é porque a coisa vai ficar sinistra pra valer. Em 100% dos casos, as disputas terminam em mortes, despenhadeiros e explosões. Fora os Daytonas, Diplomats, Corvettes, GMC Sierras e Plymouths totalmente carbonizados - nota-se que metade destes foram providenciados pela Dodge himself, além, é claro, do carro "protagonista", o que explica o plotter da empresa num veículo sobrenatural (o mais irônico é que só aparece em alguns breves frames... seria uma tentativa de mensagem subliminar?).

Quanto ao motorista propriamente dito, há pouco o que se revelar. Ele aparece algumas vezes, usa um tipo de armadura bio-mecânica e traz consigo uma arma com luzinhas vermelhas que lembra muito uma calibre doze, dispara igual a uma calibre doze e faz o mesmo estrago que uma calibre doze faz. Fui levado a crer que se trata de uma calibre doze sobrenatural.

De qualquer modo, as seqüências de ação foram reforçadas por uma trilha sonora da hora (na época), que parece ter sido escolhida a dedo, sem limite orçamentário e com a fina flor da farofa oitentista. Pura festinha americana.

A corrida inicial rola ao som de Secret Loser, do madman Ozzy Osbourne. Depois tem a Rebel Yell, do papito original Billy Idol, o hit yuppie Addicted To Love, do magnata Robert Palmer, Matter Of Heart, da açucareira Bonnie Tyler, a poseríssima Never Surrender (LOL), do Lion (ROTFLOL), entre muitas outras pérolas pra ouvir no walkman, com o sol a pino, camiseta regata e óculos espelhados.



Apesar do lance com a Dodge ter abocanhado a maior parte dos custos, o filme traz efeitos especiais surpreendentes para a época. Um bom exemplo é o esquema (sacana) que o carro negro tem para destruir os adversários, no qual ele mesmo é pulverizado no processo e se reconstrói entre o fogo e os destroços. Outra cena espantosa é logo no início, quando o carro se materializa no meio de uma encruzilhada (chuta que é macumba!) - algo entre Close Encounters, De Volta para o Futuro e Exterminador do Futuro, versão econômica, mas criativamente promissora.

A propósito, se pensarmos que o possante de O Carro - A Máquina do Diabo é o Hannibal Lecter dos automóveis e Christine, o Carro Assassino é a personagem de Glenn Close em Atração Fatal com tração nas quatro ("A Tração Fatal"), o dodjão preto é o próprio Terminator. Ele mata a sangue frio e sem qualquer cerimônia. O que ele faz no galpão-oficina dos bandidos só pode ser coisa da Skynet. Extermínio automobilístico.

É muito engraçado ver o Nick Cassavetes fazendo papel de galã psicopata no filme. Mais engraçado ainda é o Charlie Sheen como um californian boy metido a fodão, com cabelinho arrepiado e montado numa jurássica XL (que, pelo visto, também é sobrenatural). Naquele mesmo ano ele encarnou um papel que era o total oposto - o junkie de Curtindo a Vida Adoidado. Hoje, fatura os tubos em Two and a Half Men.

Só para registro, sempre fiz uma baita confusão com os nomes de Sherilyn Fenn e Sheryl Lee. Em comum, as duas têm o fato de serem gostosas e musas do David Lynch (participaram de Coração Selvagem e da polêmica Twin Peaks - Fenn era a Audrey e Lee era a própria Laura Palmer, raison d'être da série). E tanto uma quanto a outra amargaram um limbo de produções trashescas durante os anos 90. Atualmente, Sherilyn (uma bela balzaca!) leva uma carreira discreta, com participações esporádicas em seriados famosos e produções made for TV (última frase powered by IMDb®).

The Wraith, a Aparição ainda rende boas sessões até hoje. Como todo bom pop movie. Mas adoraria que o maldito Mike Marvin respondesse algumas perguntas.

Como assim "as instruções estão no porta-luvas"?!


Na trilha: Cars, do Gary Numan.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

BRASIL, TEXAS






Ah, o finzinho dos anos 60... paz, amor e uma motosserra.

O Massacre da Serra Elétrica: O Início (The Texas Chainsaw Massacre: The Beginning, 2006) parece um velho álbum de fotos. Nele estão registrados os primeiros... massacres do assassino slasher estupidamente seminal Leatherface. Ao invés de seus primeiros dentinhos de leite, mostra, em alto e bom som, o ranger dos mais de trinta e dois dentes metálicos de sua motosserra decepando cabeças, troncos e membros - entre outras canduras dos demais membros da família Hewitt. Dirigido pelo novato Jonathan Liebesman, o filme tem uma urgência pela carnificina que chega atropelar os mais desatentos.

Claro que numa produção dessas não há muito o que ficar regulando. Este back-to-the-basic, que é a representação dramática do canibalismo (selvagem ou não), já foi retratado um porrilhão de vezes, com inúmeras possibilidades de crossover estilístico. Estão aí os antropófagos de Delicatessen, Mortos de Fome, e até o honorável Hannibal Lecter contribuindo para o perfil da classe, seja em incursões no drama, comédia ou suspense. Todos felizes, assobiando e chupando até o último caldinho do fêmur de algum incauto.

Façamos todos uma hola em homenagem ao grafismo aqui presente, à moda antiga, com todas as fraturas, desmembramentos, lacerações, marretadas, pauladas e motosserralhadas distribuídas torrencialmente em uma hora e meia de puro carnival bizarre (seis minutos a mais na versão americana). Porque o filme abraça a causa.

Coisa que Tobe Hooper deixou de fazer.

Oboy, me sinto terrível sempre que falo mal do Hooper (que aparece aqui como produtor). Foi ele quem começou toda esta brincadeira, mas, como diria o Bátima, "ele começou, agora se fudeu". Filho a gente cria pro mundo, e com Hooper não foi diferente. Incorporaram a cria do ômi e cuidaram do patrimônio muito melhor que ele. Foi assim com o remake de 2003 e também agora, com o prequel. Um remake e um prequel, dois dos artifícios mais esculhambados ultimamente.



E o filme começa pegando lá no toucinho mesmo, em agosto de 1939. Em um matadouro no cu do Texas, uma empregada do estabelecimento (aparentemente religiosa e ralando no esquema da rédea curta) passa mal e vai tonteando até desabar de vez. Quando o patrão e um outro funcionário chegam pra socorrer, "meio" que percebem que ela está parindo alguma coisa ali, entre jorros de urina, sangue e placenta. O pimpolho todo desfiguradinho é o futuro Leatherface, que já chega ao mundo provocando sua primeira morte. A cena inteira assusta até alien recém-nascido.

A vida não pegou leve com o pequeno Leatherboy. Tão logo deixou a sala de parto (um matadouro, veja só como o destino é pulha em suas ironias), o embrulharam num jornal e o descartaram num depósito de lixo, sendo resgatado dali pela má-triarca Luda Mae, então uma jovem asquerosinha. Levado para o velho casarão, ele é prontamente acolhido ("é a coisa mais feia que já vi!") e batizado Thomas Hewitt.

A história, de David J. Schow e Sheldon Turner (atual escritor de Magneto), é bastante sintética, mas sem perder de vista aquele crescendo gradual típico de um conto de origem - que, por sinal, não é novidade pra quem já viu os primeiros filmes da série Sexta-Feira 13. Uma breve seqüência de flashes nos dá conta que o meninote desenvolveu tendências à automutilação, sofreu preconceito até do homem-elefante, e, apesar das intempéries, começou a trabalhar desde cedo - lá no matadouro, claro.

E aí veio uma sacada maneiríssima do filme.


A exemplo do que acontece no perturbador Evilenko, é dado a Leatherface & Cia um status meio dechavado de "produto do sistema". Só que a brusca mudança de cenário social ocorre à velha e boa moda capitalista: um êxodo rural de proporções bíblicas toma conta do local. Quando aquele decadente fim-de-mundo interiorano já deu o que tinha de dar, passa direto pelo estágio de falência e chega sem escalas à condição de cidade-fantasma; só ficam pra trás os que não cogitam (ou não conseguem mais) se desligar de suas raízes, de sua terra. Cria-se aí uma geração inteirinha de outsiders sobrevivendo à margem do sistema que lhes enfiou um pé na bunda, formulando uma nova ordem conforme sua própria visãozinha de sociedade que funciona.

O momento-chave é quando, no último dia de funcionamento do matadouro, o dedicado Leatherface é o único funcionário que ainda permanece no local, retalhando vísceras, coxas, costelas e qualquer coisa que sangre em bicas (o que rende a "cena de demissão" mais hilariante e nervosa dos últimos tempos). Era óbvio que, dali pra frente, as coisas teriam que mudar.

Assim sendo, os Hewitt têm de fazer o que uma família faz pra sobreviver, oras. E em terra de ninguém, quem tem uma motosserra é rei! E ai de quem se enroscar naquela teia.

As mosquinhas da vez são os irmãos Eric (Matt Bomer) e Dean (Taylor Handley) - o 1º voltando ao Vietnã pra proteger o traseiro do 2º, que pretende desertar e picar a mula pro México - acompanhados das namoradas Chrissie (Jordana Brewster) e Bailey (Diora Baird), respectivamente. Como já é de praxe, eles vão curtir um pouco antes de... e tinha um postinho na beira da estrada... uns hell's angels... uma vaca...

Na verdade, pouco importa. Você já viu tudo isso antes (menos a vaca!). Só que aqui foi a primeira vez. A primeira, sabe. E não tenho o menor problema em acatar este filme como se fosse "A origem do" oficial®, incluindo neste espectro a importância cult do clássico de 74.


Neste universo reconhecível, o interessante é observar os atores dentro daquelas personas jurássicas (algumas, quase como um paletó de concreto cênico). Desta vez, as coroas têm uma participação mais discreta. O gurizinho Jedidiah e a assustadora Henrietta (personagem de Heather Kafka no remake) não aparecem aqui, mas, em compensação, a titia doidona Luda Mae (uma Marietta Marich terrivelmente indiferente) e a enorme Tea Lady (Kathy Lamkin) estão arrepiantes, num sentido meio bizarro. As duas juntas são o terror dos sobrinhos e eu já tive alguns pesadelos recorrentes desde então. O filme também reservou um decepante background para o velho Monty (Terrence Evans).

Já os moleques Eric e Dean são devidamente triturados no processador de lingüiça leatherfaceano, como não poderia deixar de ser (a mulher herdará a terra!). Espero que isto não seja considerado um spoiler, pois eu tinha de mencionar a honra de Eric em ser o dono da primeira face escalpelada pelo Leather!

Quando comentei sobre a "subsistência dos rejeitados", eu não estava brincando... em parte, pelo menos. Quem viu a seqüência do rodeio em Borat, sabe o quanto este povo do sul (dos EUA) pode ser assustador. Mexer com white-trash racista, reacionário, homofóbico, morador de trailer e comedor de prima é tão perigoso quanto um nigga doidaço de crack apontando um revólver pra sua cara. Fui saber disto através de Easy Rider, com aqueles tirambaços que chocaram umas três gerações antes da minha. Pois esta é a síntese de Charlie Hewitt Jr., personagem que o singular e sempre motivacional R. Lee Ermey reprisa no filme. Rebatizado Xerife Hoyt (nome do último tira do lugar, morto por ele), o sujeito vive imerso em seu sonho sem limites. Hoyt é juiz, júri, torturador e açougueiro da auto-estrada, e não perde a chance de esculachar meio mundo em suas observações (republicanas) sobre os rumos do país. Ecos do Sargento Hartman? I can't hear you!

Claro que esse não seria um legítimo Massacre sem as bem-alimentadas 'massacretes' correndo por aí. Diora Baird é uma babe-action de respeito e, por isto mesmo, seu potencial poderia ter sido melhor aproveitado. Já a "brasileira" Jordana Brewster - charmosíssima a menina - acabou por fazer um ótimo negócio (pra ela), evitando a tradicional camiseta molhada e os faroletes que Jessica Biel ostentou com orgulho no remake - por outro lado, pra quem é chegado num cofrinho semi-bundalêlê, aviso logo que o diretor Liebesman foi bem cara-de-pau.

E a brincadeirinha com o clássico de Win Wenders ("e aprendenders") não foi de toda irresponsável, afinal... Jordana acabou por fazer aí o link Brasil-Texas definitivo. Tudo bem que, na prática, ela é tão brasileira quanto um ornitorrinco, mas serviu como um tempero mais exótico na receita de dobradinha dos Hewitt.


O Leatherface do gigantesco Andrew Bryniarski leva o personagem de volta ao panteão slasher, de onde nunca deveria ter saído. Nada mais justo, já que ele foi o primeiro exemplar do gênero. Bryniarski mantém o mesmo vigor e rudeza do remake, só que agora está muito mais aterrador. Seu olhar é petrificante, cheio de ódio e ressentimento. Dá pra ver claramente que Leatherface não tem alma, medo, remorso ou dúvidas. É instinto puro. Não tem nada de monstro-bonzinho aqui, como Hooper mesmo tentou engambelar nas seqüências originais.

Quando Hoyt grita "Leatherface" como quem chama um cão raivoso, só o que resta é correr e correr muito, pois o mesmo baixa no local como se fosse um redemoinho de motosserras ligadas e só pára quando não sobra mais ninguém em pé. Mesmo com essa negação emotiva, o roteiro teve a manha de enfiar uma analogia à "perda da inocência", Texas Chainsaw Massacre style.

Chega a reta final e Leatherface faz sua última vítima no filme. Uma certa paz paira no ar, com gostinho de serviço bem-feito. Só faltou ele dizer "foi bom pra você também?"

O primeiro massacre a gente nunca esquece.

terça-feira, 8 de maio de 2007

BEER LABEL SOCIETY


A culpa é do Alcofa. Após trocentas recomendações, eu finalmente fui conferir o show do... arram... megafodônico Black Label Society. Em DVD, claro.

Lançado no ano passado, o duplo The European Invasion - Doom Troopin' (Live) traz na íntegra a apresentação da banda em Paris, mais quatro porradas que demoliram o Astoria, em Londres. No disco 2 tem um rockumentário on the road, três vídeos e um making of na faixa.

Ainda que eu já esperasse, a performance é uma marretada na têmpora esquerda. Ao vivo, o grupo de Zakk Wylde é quase uma fonte energia alternativa, elevando seu southern metal pesadão a novos patamares. Impressionante. Com o apoio de uma trinca de músicos afiadíssimos, Zakk fica livre pra debulhar guitarras incessantemente durante o set - que, por sinal, é porrada atrás de porrada, dando só um descanso na bela In This River e numa dobradinha semi-acústica. O legal é que, apesar do altíssimo cacife técnico, Zakk não se rende à solos operísticos, digitados e cheios de escalas. O barulho é privilegiado no mix e chega troncudo, espaçoso, violento, na melhor escola Tony Iommi's Iron Man encontra Eddie Van Halen's Eruption.

Notável também foi a quantidade de cerveja que Zakk matou durante o show. Sozinho, o cara deve ter fechado uma grade ali. Bebe, mas bebe com pressão. Se fosse Black Label mesmo - o whisky -, dificilmente ia terminar o set-list.

E falando em Iron Man, o clássico do Sabbath é citado rapidamente em um interlúdio. Com uma guitarra na mão e um copo de cerveja na outra, Zakk inventou a melhor maneira de tocar Iron Man que já vi >>



Som de macho é isto aqui, porra. Depois que assisti ao show eu ando com muita, mas muita vontade de encher a lata de cerva.

Cadê a minha clava?

Papai Noel Velho Batuta


No ótimo Papai Noel às Avessas, o bom velhinho é alcoólatra, mulherengo e ladrão. Em As Crônicas de Nárnia ele presenteia criancinhas com armas afiadas. Em Uma Noite de Fúria (Santa's Slay, EUA, 2005) ele é o próprio filho do demônio.

Pra ser mais exato, é o filho único de Satã com a Virgem Erica. Todos os anos, em seu aniversário (adivinha o dia), ele monta num trenó puxado por um búfalo voador e sai percorrendo o mundo, deixando para trás um rastro de morte e destruição.

Num belo dia, um anjo, farto de tanta barbárie, se disfarça como um inofensivo velhinho e lança um desafio à criatura maligna através de uma partidinha de curling (uma bocha com pedigree). Se perder, irá de bom grado para o inferno, onde sofrerá torturas indizíveis durante toda a eternidade, mas se ganhar, o Noel from hell passará os próximos mil anos sendo amável e distribuindo presentes para todas as crianças que foram boazinhas. Bleargh.

Apesar dos aguçados sentidos sobrenaturais do demônio do Pólo Norte, o anjo acaba ganhando a aposta, e assim foi criada a imagem benevolente do Papai Noel da Coca-Cola. Isto aconteceu no ano 1005. Ou seja, o prazo expira justamente na data da produção do filme.


Neste primeiro longa, o diretor/roteirista David Steiman - camarada de Brett Ratner, que produz - demonstra muita desenvoltura no trato com a nulidade descerebrada. E isto é um elogio, se é que você me entende. Ainda falta muito pra chegar no mesmo patamar de um Ronny Yu ou de um Stephen Chow (mmmm... mestre!!), mas aqui ele já exibe um inequívoco humor negro e timing para o Nada contextual. Sim, ele poderá vir a ser um mestre da Câmara Oca de Shaolin e, para o futuro, quem sabe... algo do nível de Bill & Ted?! O céu de chroma-key é o limite!

E o filme começa muito bem, com Papai Noevil implodindo uma chaminé e chacinando James Caan, Rebecca Gayheart, os comediantes Chris Kattan (SNL) e Fran Drescher (The Nanny), mais duas coadjuvantes e um cãozinho. De cara, nota-se que o gigante escarlate parece saído de algum ringue de luta-livre e não é pra menos: quem incorpora o bom velhinho é Bill Goldberg, ex-wrestler, ex-"jogador" de futebol americano e atualmente ofendendo a classe artística se dizendo ator. O cara é um ídolo nos EUA e não poderia ter sido uma escolha melhor. Bom, até que poderia, mas Andrew Bryniarski estava ocupado mutilando gente nos dois últimos balaços da série O Massacre da Serra Elétrica.

Ator dedicado, Goldberg mostra tudo o que sabe (voadora, mata-leão, rabo-de-arraia, etc) e acaba fazendo o Lobo em pele de Papai Noel (tá na hora de agitar um abaixo-assinado exigindo um longa de Lobo: The Paramilitary Christmas Special!). O pau quebra, xará.


Apesar da zoação constante em cima dos costumes judaicos, o que mais tem no filme é ator judeu. Até Goldberg é judeu. Além do mais, o figuraça Saul Rubinek está lá, no papel de Mr. Green, o que funciona mais ou menos como um certificado semita de propriedade. Há (vários, muitos) momentos em que o roteiro de Steiman é tão ralo que chega a ser quase um exercício de estilo. Pra ter uma idéia, o nome da cidadezinha onde o filme se passa é simplesmente Hell - desculpa esfarrapada para um sem-número de trocadilhos acéfalos durante o filme.

O pior é que acaba sendo engraçado e eu eventualmente passei a me odiar por rir daquilo. A piadinha do Drácula, por exemplo, foi infame ao cubo, mas eu ri de rolar no chão. Fiquei preocupado.

Uma boa sacada foi a animação com massinha inserida lá pelas tantas. Inacreditavelmente tosca, foi a maneira escolhida pra contar a origem do nêmesis natalino. Toque de gênio.




E não podia faltar o habitual casalzinho de protagonistas que salvam o dia. Na verdade, Nicolas (Douglas Smith) e a gracinha cute-cute Mary (Emilie de Ravin, a Claire, de Lost) passam a maior parte do tempo tentando salvar a própria pele. Provavelmente, se os dois se deixassem matar sem resistência, Papai Nohell não teria despachado tanta gente enquanto os caçava.


Óbvio que, por abraçar forte a causa trash, falar mal de Uma Noite de Fúria é como chutar cachorro morto. Contudo, vou falar mal mesmo assim. Foi muito bacana a caracterização da cidade como se fosse o live-action do município de South Park, especialmente no final - não esqueceram nem o cara sem cordas vocais que usa aquele aparelhinho que faz voz de robô - mas o problema aqui (o real problema... caramba, é até difícil não perdê-lo de vista em meio a tanta picaretagem) é a relutância de Steiman em chafurdar de vez na grosseria, no gore.

Aqui tem putaria, incorreção política e uma quantidade até interessante de cadáveres (45), mas quando ameaça pintar aquela enxurrada splatter pra transformar de vez Hell num inferno (ops), ficamos só na vontade. Faltou tingir aquela neve toda de vermelho. Faltou insanidade, desconstrução. Faltou escracho. Faltou ao diretor um estágio lá na Troma.

Quando chega aquele final "ih, acabou a grana, vamos fechar logo esse boteco", típico de produtinho B com validade vencida, acaba rolando a sensação de coito interrompido sendo que nem saímos das preliminares. Mas tudo bem, o rapaz só está começando e já salvou a tarde de domingo. Foi quase um Natal fora de época.


Na trilha: Tia Alice on the stage.