quinta-feira, 15 de julho de 2021

Guerra e Pais


Dizem que a justiça tarda, mas não falha. Há tempos aguardo pacientemente pelo grande filme de ação girl-on-girl (sem saliências, safadão), do tipo que atenda ao máximo de pré-requisitos da porradaria pé no chão antes de partir para a extravagância blockbuster habitual. E Viúva Negra parecia o(a) candidato(a) mais promissor(a) dos últimos tempos. Porque Natasha Romanoff é o que é. E Scarlett Johansson também. Ainda não foi desta vez, mas valeu pela reverência a esta atriz que deu coração, personalidade e profundidade à personagem no cinema.

Paradoxalmente, a tal da reverência foi o elemento que mais esteve em falta no filme.

Em nenhum momento me senti impactado, arrebatado ou cativado pelo fato desta ser a possível despedida de Johansson da personagem. Talvez seja pelo efeito Ultimato – onde ela protagoniza uma de suas cenas mais marcantes – e ter isso como parâmetro não facilita as coisas. Mas, noves fora, e mesmo sob o risco de soar meloso e/ou cerimonioso, a Viúva Scarlett merecia um "até logo". Alguma cena, alguma analogia ao futuro, linhazinha de diálogo, sei lá.

Em contrapartida, é bom notar que o roteirista Eric Pearson e a diretora Cate Shortland parecem ter tirado lições valiosas vendo o decepcionante voo solo da Capitã Marvel. Nenhum homem é uma ilha; nenhuma mulher tampouco; e uma Viúva só não faz verão. Ou algo assim.

Mesmo de vez, Florence Pugh é o melhor fruto de Viúva Negra e um dos grandes debuts da já extensa filmografia Marvel. A guria convence como a Viúva-Negra Yelena Belova. Que se dane: me convence. Pra mim, era algo impossível dissociá-la da Amélia carpideira de Midsommar, o que foi uma garoteada inconsequente da minha parte. A moça já encenou trocentas adaptações da literatura e é Oxfordiana da gema – incluída assim na regra implícita que estabelece que qualquer ser humano nascido brit é ator até o pâncreas. Pra melhorar, o roteiro, baseado na premissa da dupla Jac Schaeffer/Ned Benson, sabe o que fazer com ela.


No início do filme vemos um pouco do passado das Viúvas "Nat" Romanoff e Yelena ainda crianças – sendo que Ever Anderson, filha de Milla Jovovich & Paul W. Anderson, me deixou uma eternidade sem saber se era menino ou menina, igualando o recorde de androginia de Kristen Stewart em O Quarto do Pânico. Infiltradas na América, elas são criadas como irmãs em uma família de faz-de-conta completada pelo supersoldado russo Alexei "Guardião Vermelho" Shostakov, interpretado por David Harbour (o Hellboy ruim!), e pela Viúva-Negra Melina Vostokoff, papel da indefectível Rachel Weisz.

A trama principal tem início 20 anos depois, logo após os eventos de Capitão América: Guerra Civil. Com os Vingadores separados e vários deles presos ou foragidos, Romanoff é caçada pelo General Ross, em mais um cameo furtivo de William Hurt, e se isola nos cafundós da Noruega. Seu único contato com o mundo exterior é Mason (O.T. Fagbenle), um fornecedor de sua época na SHIELD. Ainda assim, ela se vê envolvida em uma guerra entre sua "irmã" Yelena e a rede de Viúvas-Negras que ela julgava desativada.

Daí pra frente é uma montanha-russa de ação e lutas frenéticas. Ou quase. Fica evidente que a maior preocupação da diretora é focar nas questões mal resolvidas da vida de Natasha. E isso vai desde os traumas adquiridos em anos de missões sanguinárias para a KGB até seu vazio pessoal/existencial, preenchido apenas pelas boas recordações de uma família fake. E dos Vingadores.

Felizmente, Shortland soube evitar os excessos em momentos genuinamente tocantes e pontuados pela experiência do elenco. Um bom exemplo é quando Natasha confronta emocionalmente sua "mãe" Melina. Mesmo com ambas endurecidas pelo programa Viúva-Negra, a troca dramática entre Johansson e Weisz é pungente. Outra boa sacada foi o momento "pai e filha" entre o fanfarrão Alexei e a relutante Yelena. De início, a cena parecia ter se esticado além da conta e já dava como perdida, daí ele começa a cantarolar desajeitadamente “American Pie”, a canção favorita de Yelena quando criança, e vira o jogo. Engraçado e comovente ao mesmo tempo.


Claro que a montanha-russa de ação não demora a chutar a porteira e estampar na tela cada cent das 200 milhões de doletas do orçamento. Ainda que a perseguição pelas ruas de Budapest seja eficiente, não é nada que algum Velozes & Furiosos não tenha feito num terça-feira qualquer. A cereja mesmo fica com o CGI Sky Fest da sequência final. Visualmente tão impressionante quanto absurda. E isso é meio que um elogio. Já as lutas são meio que problemáticas.

A bem da verdade, as lutas são acima da média. Pena que não é disso que o filme se trata e a relevância das mesmas é frequentemente negligenciada no decorrer da história. Nenhuma delas decide nada na trama. Normalmente, heróis se encontram e se enfrentam por motivos idiotas. Sempre foi assim. Mas a (boa) briga de Nat e Yelena é o novo marco das lutas gratuitas do UCM. Tony Pinga e Rhodey em Homem de Ferro 2 já podem respirar aliviados.

Chega a ser notável certo desleixo em alguns momentos. Num deles, Yelena derruba um guarda na Sala Vermelha com uma banda e o cara desmaia. E até ali, a Ursinha Pugh estava mandando bem na coreografia.



Taskmaster?*

* olha como sou bonzinho com o leitor que não assistiu ainda

Apesar do visual afudê e da aparição inicial com stunts descaralhantes mimetizando os movimentos de Natasha, temo concordar com meus confrades: uma decepção. Puta potencial jogado fora. Ainda mais porque a pessoa por trás da máscara é bastante conhecida. Ou seja, some aí desperdício à decepção. Sem contar que todas as cenas bacanas já estavam no trailer.

E ainda que o 3º ato realize um dos meus sonhos mais agradáveis, que é ver a Rachel Weisz com roupitcha super-heróica, é nele que a narrativa acelera e sai ralando no guard rail.

O veterano Ray Winstone como o evil chefão Dreykov fez o melhor possível mediante o curto tempo de tela: imitar o Brian Cox em X2 como se tivesse uma arma apontada pra cabeça. E, de fato, sua posição e relações familiares remetem diretamente ao Coronel William Stryker e seu filho mutante zoado Jason 143. Outra coisa que chama atenção é a Sala Vermelha com baixíssimo contingente de guardas, técnicos e cientistas. Novos filmes, velhos problemas.

Até fiz vista grossa para o pequeno estratagema nasal bolado por Natasha para evitar o bloqueio dos feromônios (coisa mais anos 80), mas dali pra frente a logística da coisa embola perigosamente. Capturados em São Petersburgo, as heroínas e o anti-herói são levados até a nave russa localizada bem "embaixo" do nariz dos americanos sem dar um bip sequer lá na SHIELD/SWORD/etc. E quando o AeroportaCCCPaviões cai, Natasha chama justamente o Ross? Detalhes, detalhes.


No fim das contas, o saldo é bem positivo. Foi uma boa despedida para Scarlett Johansson – se é que foi uma despedida per se – e ainda deixa os braceletes da Viúva muito bem encaminhados. Florence Pugh é uma graça e está mais do que preparada para a próxima fase da Marvel.

Fora que ela zoando o superhero landing da Natasha foi sensacional. Melhor que o Deadpool.®

Ps: que Valentina Allegra de Fontaine faça o dever de casa. Thunderbolts já!
Pps: co-resenhado with a little help from my friends Sandro e Fivo. Valeu, cachorros!

4 comentários:

Marcelo Andrade disse...

Salve Dogma!
O filme se encaixa bem na fase em que rola a historia, apesar das semelhanças c/ o Soldado Invernal n achei ruim e sim muito bom. Poderiam ter aproveitado mais...sempre mas sabemos q o Kevinho adora fazer cortes e pelo que andei vendo por fora a cena do Ursa c/ o Cap Russo foi uma delas. Abraço e espero que já esteja vacinado.

doggma disse...

Marcelo, nessa cena torci para um mano a mano do Guardião com o Ursa Maior. Mas pelo visto, o Feige tá evitando mutantes a todo custo. Podiam ter largado ao menos uns nomes tipo Arkady, Vanguard, Estrela Negra...

Após a tempestade (também sofri com o maldito vírus), tomei o 1º shot da AstraZ. Falta a 2ª. Abração!

Anônimo disse...

A Viúva Negra não era um filme terrível de se assistir no início. A cena de abertura parecia promissora, mas o enredo começou a parecer muito estúpido quando Dreykov entrou e a "Sala Vermelha" foi revelada. Foi quando perdi todo o interesse pelo filme.

-Treinador foi horrível. Eles transformaram um dos mais temidos mercenários do Universo Marvel em um robótico mentalmente instável com queimaduras. E o seu gênero não é o problema, é o fato de que eles o despiram de toda a sua personalidade e história e o tornaram um robô. É basicamente X-Men Origins: Wolverine e Deadpool tudo de novo.

-0% cenas emocionais.

-Muito PG-13. Eu sei que o MCU é um conteúdo familiar, mas a Black Widow seguiu a receita genérica do MCU e sua história é muito sombria para ser tão alegre. Pelo amor de Deus, ela era uma assassina da KGB, então por que isso é classificado como PG-13? É como fazer um filme sobre Blade e classificá-lo como G. O filme deveria ter sido classificado como R ou pelo menos um pouco mais sombrio como o Soldado Invernal.

Eu acho que este filme saiu sete anos atrasado e isso matou um pouco do seu ímpeto, especialmente porque ela está morta. Eu teria preferido uma prequela sobre o que aconteceu em Budapeste com Gavião Arqueiro, o Soldado Invernal, HYDRA - assim teria sido muito mais interessante, considerando que não sabemos o que aconteceu lá e houve inúmeras referências a essa missão no passado. Agora que penso nisso, a linha "Just like Budapest" em Avengers NÃO faz sentido por causa deste filme.)

doggma disse...

Pois é, cara, ao menos essa parte do Dreykov/Sala Vermelha já era no terço final. Mas ainda curti o cinemão-pipoca-absurdista que foi a queda da aerobase.

- Sobre Treinador, concordo em gênero (ops), nº, etc.

- Se por "cenas emocionais", você quer dizer cenas emotivas, pessoalmente salvaria o momento mãe & filha da Melina com a Natasha e, especialmente, o momento pai & filha do Alexei com a Yelena. Como destaquei no post, gostei demais da construção. E já ficou de bom tamanho, pro meu gosto.

- Tem toda a razão, tivesse a atmosfera mais densa do Invernal seria um golaço. Provavelmente, por ser a despedida da Natasha/Johansson, evitaram pesar a mão. Ah, se eles soubessem... haha

Então, Nat e Barton estiveram lá, já que ela revisita o esconderijo deles durante uma missão. Mas ficou - e vai ficar - por aí...