quarta-feira, 29 de setembro de 2004

Operação Resgate:
Os primos italianos de Evil Dead...



Com raras exceções, o cinema de horror está atravessando uma fase que varia do ruim à pura inexistência. O subgênero conhecido como splatter/gore então, nem se fala. Até velhos mestres, como John Carpenter parecem ter perdido o tino pra coisa (vide o fraco Fantasmas de Marte). O que se vê hoje é o estilo subvencionado ao esquemão pop (Freddy X Jason, O Filho de Chucky), e com poucos representantes genuínos (Madrugada dos Mortos, Extermínio), fora os descendentes natimortos da franquia Pânico, que teimam em não desaparecer de vez. Os tempos são outros, e dificilmente os admiradores de experiências mais radicais irão se satisfazer com alguma obra que não seja do circuito independente ou que não tenha saído do catálogo casca-grossa da Troma Films.

A década de 80 hoje parece pertencer à uma outra era. Nesses 10 anos foram produzidos alguns marcos da carnificina cinematográfica. Eram filmes em que até os revezes técnicos (roteiros esbucarados, defeitos especiais de ponta) se convertiam em pontos positivos. Aliás, justamente por causa deles é que esses filmes ficavam tão divertidos. Da esbórnia total (A Volta dos Mortos-Vivos, Fome Animal), passando pelo ultra-referencial (Evil Dead, Re-Animator), às produções caprichadas (A Hora do Pesadelo, Força Sinistra, O Enigma do Outro Mundo), e atingindo o nível de perfeição (Evil Dead II).

Entre uma coisa e outra, Demons (Demoni, Itália, 1985).


Apesar do jeitão hardcore, Demons vem de linhagem nobre. Seu diretor, Lamberto Bava, é filho de Mario Bava, um dos maiores diretores do gênero na Itália, senão o maior (são dele clássicos cult como Black Sabbath e Black Sunday - A Máscara de Satã, entre muitos outros). Isso sem contar a experiência adquirida através da convivência e trabalhos ao lado de mestres como Dario Argento e Lucio Fulci.

Mesmo sem alcançar o brilhantismo desses diretores, Lamberto sabe apertar onde dói. Ele sempre larga o incauto espectador sozinho, à mercê das sensações mais desconfortantes e situações mais apavorantes. Não é nada assim "putz, que legal essa sanguinolência!", muito pelo contrário. Por vezes, sua narrativa chega a incomodar mesmo. É como ser trancado em um quarto escuro com aqueles saquinhos de brinquedo que produzem uma risadinha sinistra (tá, mas imagina isso na mesma proporção de quando você era criança). Claro que esses rasgos de genialidade doentia terminam onde a diversão sangrenta e irresponsável começa. Aí é se largar e curtir, pois é nesse ponto que Demons oferece um verdadeiro banquete.


Como que seguindo uma espécie de tradição, Demons mantém algumas regras do gênero splatter. Entre eles está uma tonelada perguntas sem resposta (grande... ou melhor, uma enorme parte do filme é assim), personagens hesitantes, cheios de problemas pessoais (para serem esquecidos logo que o couro comer), guerreiros se revelando entre cidadãos comuns (paus e pedras, old style), erros de continuidade, e seqüências maravilhosas de escatologia pesada e violência gratuita, que não exercem qualquer influência na história.


A história é um mix do açougue infernal de Evil Dead com o padrão "Living Dead" da trilogia clássica de George A. Romero. Sempre com um forte ar de conspiração, mas nunca confirmado (lembre-se: sem perguntas), o filme começa com a gracinha Cheryl (Natasha Hovey), desafiando a Lei de Murphy ao desembarcar numa estação de metrô mais sinistra que o castelo do Conde Drácula. Chamariz de serial-killers, logo ela se vê perseguida por um cara esquisitão usando uma máscara prateada (Michele Soavi - um total workaholic, e já explico por quê). Jogando fora uma bela chance de assassinato cruel, o misterioso sujeito apenas entrega um flyer para a inauguração de um cinema. Claro que ela vai (essas meninas) e, mui amiga, leva junto a sua colega Kathy (Paola Cozzo).

No sagüão do cinema, conhecemos os aperitivos do dia: os onipresentes casaizinhos apaixonados, o cafetão machoman Tony (Bobby Rhodes, figuraça) mais duas acompanhantes, um senhor cego (no cinema...) acompanhado de sua esposa "amiga da garotada", os amigos George (Urbano Barberini) e Ken (Karl Zinny), mais uns canapés coadjuvantes.


Em Demons tudo parece ser a origem do Mal. Ao mesmo tempo que isso causa uma certa confusão (afinal, precisamos de explicações!), é, de certa forma, uma boa idéia. Não há nada mais assustador do que não sabermos a natureza do Mal que enfrentamos. Dessa forma, inventamos automaticamente dezenas de interpretações esdrúxulas, apenas e tão somente para nos sentirmos mais confortáveis diante de uma situação difícil e fora do nosso controle. E o pior é que sabemos disso, pois não temos a menor idéia da verdadeira face do inimigo. Então, nesse caso, menos é mais.

Vamos lá... A misteriosa figura de máscara prateada é quem aparentemente arma toda a cilada, mas ele não dá mais as caras, só retornando ao final do filme. No sagüão do cinema, há uma estátua de um guerreiro em cima de uma moto, segurando uma espada samurai em uma mão e uma estranha máscara na outra. Uma das gurias do cafetão pega a máscara para brincar, e acaba se arranhando com ela. Claro que nesse vacilo ela foi "infectada" e logo se transforma em uma criatura demoníaca (aaêêê).


Como se não bastasse, o filme que está sendo exibido na telona é amaldiçoado. No mesmo estilo documentário-realista de Holocausto Canibal (referência mais pra cá: A Bruxa de Blair), o filme retrata um grupo de amigos sem-noção explorando a tumba perdida de Nostradamus (!) no cu da noite (!!), e, claro, despertando um Mal milenar no processo. Daí, esse Mal "vaza" da telona para o cinema.

Por incrível que pareça, esse subterfúgio acabou se revelando muito funcional dentro da narrativa. À medida que os acontecimentos vão ficando mais macabros no filme que está sendo exibido, as mesmas situações vão se formando nas dependências do cinema. Chega uma hora em que os eventos dos "dois lados" acabam transcorrendo quase em paralelo, culminando na incrível (e nojenta) cena de transformação da prostituta. Sem dúvida, um belo exercício de metalinguagem, e mérito do roteiro, que foi escrito pelo Dario Argento, Franco Ferrini e Dardano Sacchetti, além do próprio Bava.

Outra coisa: um dos rapazes que participam do filme que está sendo exibido (ô troço complicado de escrever) é interpretado pelo mesmo Michele Soavi, o cara esquisitão da máscara prateada. Além disso, ele também é o diretor de 2ª unidade do filme! É ou não é um workaholic? :D


Na platéia, uma das espectadoras se contamina só de ver o filme (sem perguntas...). Indisposta, ela vai ao banheiro e protagoniza uma das cenas mais putrefactas já filmadas. Envolve estouros de bolhas cheias de pus, jorros de sangue podre e enormes dentes pontiagudos rasgando gengivas de fora a fora. Logo, temos nosso 1º demon, pronto para se multiplicar. O modo de contágio lembra muito o dos mortos-vivos mais lambões: qualquer mordida, arranhão ou baforada já é o suficiente. A semelhança acaba por aí. Os demons são ainda mais rápidos que a rapaziada de Extermínio (os atuais campeões morto-vivolímpicos), e não têm aquela fraqueza da cabeça (hehe). A seqüência em que uma legião de demons avança pelos corredores escuros do cinema - com aqueles olhos luminosos - é antológica, ficou muito boa mesmo. Tanto que virou o cartaz oficial.

Logo, a turba entra em pânico, mas o cinema está totalmente selado. É isso aí... daí pra frente, com exceção de uma externa no final, a ação se passa inteira dentro do cinema! Entre um clima pesadão e claustrofóbico, e soluções inovadoras (pra época), o resultado é o já tradicional vâmu-quebrá-tudo com direito a esquartejamentos, decapitações e pancadaria estilo briga de torcida organizada. No final apocalíptico, a influência de Romero chega a ser palpável.


Na esteira do sucesso cult do primeiro filme, Demons 2 foi produzido logo no ano seguinte, em 1986. Lamberto Bava assina a direção e o roteiro novamente é dividido com Argento, Ferrini e Sachetti. Quase toda a equipe original retorna, inclusive alguns atores de destaque, como o carne-de-pescoço Bobby Rhodes.

Demons 2 inicia uma nova história do zero, apenas baseada nos aspectos do primeiro filme, sem, no entanto, ter relação com ele (da mesma forma que Evil Dead II está para o primeiro). Na verdade, o que houve foi uma reedição do filme original, onde só mudaram a ambientação e alguns outros detalhes. E, seguindo à risca o manual de continuações de filmes de terror, Demons 2 traz o triplo de sanguinolência e carnificina por frame rodado. Talvez, pela assumida zoação em cima dos clichês estabelecidos no primeiro filme, a continuação traz ainda menos explicações (!) e seqüências de podreira pra lá de exageradas (mesmo para os padrões gore).


Sai o cinema, entra um prédio residencial ultra-sofisticado. Sai o filme amaldiçoado rolando na telona, entra um filme amaldiçoado rolando na telinha (!). Trata-se de um documentário exibido num canal de TV, sobre uma cidade em quarentena, totalmente devastada após um holocausto epidêmico. Ao que parece, trata-se da mesma cidade onde ocorreram os eventos do filme anterior, mas isso, é claro, fica a cargo da sua imaginação (uma constante...).

O menu dessa vez é o professor de musculação Hank (Bobby Rhodes, machão e impagável), o casal George (David Knight) e a grávida Hannah (Nancy Brilli), a menina Ingrid (Asia Argento, gatíssima hoje em dia, e filha do Dario), o guri Tommy (Davide Marotta), a prostituta Mary (Virginia Bryant) e a aniversariante Sally Day (Coralina Cataldi), sem contar os condôminos com o aluguel atrasado.

Sally surta em sua festa de aniversário (só porque convidaram o seu ex), se tranca no quarto e começa a assistir o tal filme amaldiçoado. O improvável acontece quando um dos demônios do filme começa a atravessar a tela da televisão, ao melhor estilo Samara Morgan, de O Chamado. Em questão de segundos, Sally é demonizada também (o processo continua o mesmo), e a festinha de aniversário ganha contornos aterradores. A seqüência de acontecimentos é mais ou menos essa aí:






Os demons sofreram um upgrade. Seu sangue agora é ácido (!!), igualzinho à certos ETs babões. Além disso, o sangue também passou a ser ultra-contagioso, bastando encostar na vítima para infectá-la (putz!).

O pega-pra-capar é inevitável e como toda desgraça é pouca (e forçação de barra também!), o sistema de segurança automatizado do edifício entra em pane e tranca todas as saídas. Rapidamente, o prédio inteiro é varrido por um furacão demoníaco, que, em poucos instantes, deixa pouquíssimos humanos não infectados. Num esforço derradeiro, uma parte dos sobreviventes desce à garagem subterrânea, na esperança de encontrar uma saída. Acabam cercados por um exército infernal e, a partir daí, o lugar se torna palco de uma porradaria generalizada.



Demons 2 é bastante irregular. Deliciosamente irregular. Mas, mesmo assim, irregular. Existem buracos no roteiro na mesma proporção de uma rodovia federal brasileira, e há uma profusão de cenas sem qualquer influência na história. O roteiro também chega ao final ao troncos e barrancos. Antes da metade do filme, a quantidade de demons é tão grande, que quase não existem mais humanos pro filme acompanhar.

Igual ao primeiro filme, também há várias pistas e questões não esclarecidas ou exploradas devidamente. Na mais inquietante delas, um casal consegue escapar para um prédio vizinho, e lá encontra um estúdio de TV abandonado. Uma coincidência dessas não poderia ser à toa. Será que o filme que deu origem à barbárie estava sendo exibido nas TVs do mundo inteiro ou apenas naquele edifício? Houve uma conspiração por trás de tudo? E se houve, quem foi o fdp? Como eu já avisei... não pergunte.


A série Demons pertence à uma época em que os filmes de terror eram feitos para assustar, não para vender a sua própria marca. Que se dane o sucesso comercial (mas se vier é de bom grado), o barato era brincar de monstro e sair por aí pregando susto. A partir do momento em que o dinheiro começou a entrar, a coisa foi ficando mais séria, e acabou-se a mística.

Lamberto Bava ainda tentou invocar os demons mais uma vez, com o obscuraço La Casa dell'Orco, de 1989. Esse filme não tem qualquer relação com os dois anteriores, a não ser pelo título que recebeu no mercado de VHS: Demons III: The Ogre (dessa vez, os demons saem dos pesadelos de crianças!). Daí em diante, Lamberto caiu no ostracismo cinematográfico, limitando-se a dirigir e produzir filmes e séries para TV.

Mas a derradeira só foi acontecer anos depois. O mestre das trevas Dario Argento (Suspiria, Inferno, Trauma, etcetcetc...) começou a dirigir filmes policiais meia-boca, Sam Raimi (Evils Deads) foi ganhar na loteria com o mega-pop Homem-Aranha, e Peter Jackson (Fome Animal) virou um diretor respeitável, com três superproduções no currículo e um exército de carecas dourados na mão.

Terminou aí uma fase memorável e brilhante no cinema de horror gore.


Antes que eu me esqueça, recomendo esta matéria sobre Demons, e esta outra, sobre Demons 2, ambas escritas por Felipe M. Guerra, um cara que conhece do riscado. Logo depois, tire a poeira do videocassete e alugue os dois Demons, numa tacada só. Vai por mim, eles estarão lá te esperando, no cantinho menos visado da locadora. Diversão garantida.


Na trilha: muito gótico e psychobilly... Meteors, The Cramps, The Faith and The Muse, The Nymphs, algumas do The Cranes... e uma coletânea matadora do The Misfits, fase 77/83.

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM


Sei lá o quê dizer. Vergonhoso? Revoltante? Acho que a palavra certa é "Capitalista". O cancelamento de O Justiceiro nos cinemas brasileiros foi, de certa forma, meio previsível. A estréia do filme estava marcada para 22 de outubro, seis meses após seu lançamento nos EUA, o que já era um verdadeiro absurdo.

Analisando mais friamente, a Columbia Pictures anunciou o seu cancelamento logo após a notícia de que as vendas americanas do DVD superaram as expectativas. Em apenas 5 dias, foram vendidas 1,8 milhão de unidades de DVD e VHS de O Justiceiro. Daí é fácil deduzir que alguma estatística econômica indicou que seria mais lucrativo para a Columbia ignorar a etapa brazuca nos cinemas e lançar logo a produção no cada vez mais rentável mercado de home-vídeo.

Enfim, não teve nada a ver com o filme, nem com o número de fãs que Frank Castle tem no Brasil. Trata-se exclusivamente de dinheiro... como sempre. Aí meu amigo, não tem cor, religião ou time de futebol que nos separe.


Esse aí é outro que eu já perdi as esperanças... O remake de O Massacre da Serra Elétrica foi lançado nos EUA em outubro do ano passado, e já teve tantas datas de estréia canceladas no Brasil (a última foi 13 de agosto), que quase alcança a marca de shows cancelados pelo Tim Maia.

Lá fora, o filme foi adorado pelo público e linchado pela crítica (como todo bom gore movie), mas foi bem nas bilheterias. E nada de estrear por aqui. Segundo a Europa Filmes, "uma nova data será estudada"... Bah! Sabem o que eu vejo? Eu vejo o vigia noturno do escritório dessa distribuidora revirando os rolos de celulóide das estréias, pegando o de Massacre e indo assistir na sala reservada. Estou pensando seriamente em enviar um currículo lá pra Europa Filmes pra trampar de vigia noturno. Acho que só assim pra eu poder assistir a nova versão de Massacre.

Sinceramente, após quase um ano de espera, eu duvido muito que o Leatherface ligue a sua motosserra em terra brazilis, ou pior... que eu nunca chegue a ver a deliciosa Jessica Biel correndo por aí de camiseta molhada.

PS: Eu gosto de ir ao cinema. Gosto de assistir aos filmes lá. Não sou de baixar filmes da net, prefiro esperar um pouco. Sou um cara que tenta contribuir com esse Sistema mal-agradecido. Aos poucos, estou mudando essa mentalidade, e Shaun of the Dead (Inglaterra/2004) é o primeiro de uma série. Baixei há pouco e vos garanto: filmaço!

Fuck the System!



O ESPÍRITO HELL ANGEL DA VINGANÇA


O 1º filme do Motoqueiro Fantasma ainda tem muito o que ralar pela frente, mas já dá sinais de algo promissor. Até agora, houveram poucas mudanças na line-up da produção, o que é sempre um bom sinal.

Mark Steven Johnson, por exemplo, ainda é o diretor. Não sei se isso é lá uma boa coisa, pois seu trampo anterior, a adaptação de Demolidor, poderia ter sido um filmaço e não foi. De qualquer forma, ele terá tempo de sobra pra trabalhar o personagem.

Já o (anti) herói ainda conta com Nicolas Cage no primeiro lugar da fila, o que pra mim é uma ótima escolha. Nic sempre foi doido por um papel com "super" no prefixo. Ele até quis ser o Clark, tempos atrás. Tsc, que bobagem. Talvez o mais atormentado - e com certeza o mais faustiano - dos personagens de quadrinhos, o Motoqueiro faz um paralelo perfeito com a aura psycho-hero de Nic. É só conferir as suas atuações insanas em filmes como Coração Selvagem (do "Mágico de Oz" David Lynch) e Vivendo no Limite (do domador de outsiders Martin Scorcese). Existem boatos sobre a participação de Jon Voight também, mas nada está confirmado.

Numa recente declaração, o diretor Johnson disse que será extremamente fiel ao conceito original do personagem, e ao seu visual também (essa parte não será muito difícil, visto que a vestimenta à Judas Priest do caveirão ainda hoje é atual). Nessa mesma entrevista, ele revelou que os vilões serão Mefisto e seu bacuri, Coração Negro. Apesar do lance alto (Mefizin é um puta personagem promissor!), já estava mais do que na hora de tirarem do armário todos aqueles demônios da Marvel. É só não errarem na mão, afinal, Mefizin é presença constante nas origens e aventuras de outros super-heróis também merecedores de filmes.

O nome Mefisto deriva de Mefistófeles, e vem do hebraico Mephir ("destruidor") e Tophel ("mentiroso"). Na hierarquia infernal, ele exerce as funções de porta-voz imperial, bibliotecário chefe, enviado diplomático e um tipo de diretor de marketing do inferno. É o mais perigoso dos demônios, abaixo somente do (putz, eu já ia escrever "fodão") Lúcifer. Essas e outras informações você pode conferir nessa matéria, escrita pelo Rodrigo "Piolho".

Agora, um "momento HQ"® de leve (Cag@mba's rights reserved). Mefisto e Coração Negro Jr. tramando a discórdia e a desgraça alheia, num momento terno e familiar. Imagino que Bush pai e Bush filho também tiveram uma conversa muito parecida com essa. Clique na imagem pra ler na íntegra.


Só pra registro: O Motoqueiro Fantasma apareceu pela primeira vez em 1967, na Marvel Spotlight #05. Johnny Blaze era um dublê profissional que fez um acordo com o demônio Mefisto para salvar Craig "Crash" Simpson (também dublê e seu pai adotivo), de um câncer terminal. A barganha ocorreu sem maiores problemas, mas um belo dia, Craig morreu durante uma performance. E Mefisto estava lá pra buscar a sua alma. Johnny tentou dissuadí-lo a libertar o espírito de seu padastro, mas Mefisto lhe disse que o acordo entre eles já havia acabado. Foi aí que Roxxane Simpson (filha de Craig e atual esposa de Blaze), apareceu e lançou sobre Mefisto uma maldição que havia aprendido em um livro de ocultismo. Mefisto foi obrigado a ir embora sem a alma de Craig, mas não deixou barato: ordenou a possessão da alma de Johnny Blaze por um demônio chamado Zarathos.

O detalhe é que Blaze não perdia a sua consciência durante os "picos" de sua possessão. Ele acreditava mesmo que essa nova personalidade demoníaca era um lado obscuro de sua própria. O processo de domínio se iniciava ao pôr-do-sol, deformava totalmente a face de Blaze, e lhe conferia certas "habilidades": força nível 10, o Olhar da Penitência (capaz de fazer o inimigo sentir a dor que provocou, só que multiplicada inúmeras vezes), magia pirocinética e o poder de transformar qualquer YBR numa Kawasaki Ninja incandescente. Após um tempo, e várias aventuras, Blaze conseguiu enganar o demônio Zarathos e prendê-lo em um cristal espiritual. Mas houve um retorno, claro.

Um adolescente chamado Danny Ketch e sua irmã, Barbara, descobriram as atividades ilegais de um figurão do submundo do crime. Perseguidos por assassinos profissionais, eles fogem, mas Barbara é assassinada. Acuado, Danny se depara com uma misteriosa moto... Daí pra ele se transformar no novo Motoqueiro Fantasma foi um pulo.

Johnny Blaze até chegou a enfrentá-lo, achando que se tratava da volta de Zarathos. Feitas as explicações, os dois ficaram amigos e juntos enfrentaram a demoníaca Lillith. A saga do Motoqueiro Fantasma ainda reservou uma reviravolta digna de um dramalhão mexicano: Danny descobriu que era adotado e que Johnny é o seu irmão verdadeiro...

Estes são alguns sketchs do ilustrador Bernie Wrightson, da equipe de programação visual de Motoqueiro Fantasma. Já dá pra ter uma idéia do Nic Cage se transmutando em uma caveira infernal. Clique nas imagens.

Apesar da declaração de fidelidade (eles sempre prometem isso), o filme deverá trocar ou mudar alguma coisa. No lugar do seu padrastro, Johnny vai se sacrificar pela sua amada Roxxane, ou coisa parecida. Só espero que o lado água-com-açúcar pare por aí, pois a mitologia do Motoqueiro é sinônimo de seqüências sanguinolentas de porradaria em alta velocidade. Além do quê, não dá pra fazer um filme bonitinho com um "galã" desses...

Mas a produção ainda tem um longo caminho a percorrer, afinal, estipula-se que o filme só vai estrear no longínqüo 2006. Pode ser um puta thriller de ação/horror, ou um sub-Spawn (que já não era lá essas coisas). Ou pode até ser engavetado (que Mefisto não permita!).


GOLFINHO DE SORTE


Confesso que eu já estava de olho nela desde aquela versão nova do seriado Flipper. Depois de A Mão Assassina (e da inesquecível seqüência só de underwear...) fiquei ainda mais instigado. Agora ela é a garota do momento em se tratando de adaptações de HQs. Jessica Alba, participa atualmente de duas produções do gênero, e não são personagens baseadas em qualquer tranqueira não. Tratam-se de Susan Storm, dos bastiões do Quarteto Fantástico, e Nancy Callahan, da aclamada Sin City de Frank Miller.



Esse é Quarteto Fantástico ideal, na minha opinião... e bota "fantástico" nisso...

Sinceramente, eu não sei como ela se sairá no papel da Susan, visto que isso depende de vários outros fatores, como a abordagem diferente (Sue está bem mais jovem) e, o mais preocupante, o diretor-incógnita Tim Story. Desejo toda a sorte para o pessoal do edifício Baxter em sua estréia nas telonas. Por enquanto, um fato é inegável pra mim: Jessikita envergou muito bem aquele colantezinho azul... :P

Já em Sin City a coisa é bem diferente. Se fosse um time de futebol, ele já entraria em campo com vinte gols de vantagem, com direito a empate. Todo mundo gostou do preview, e aquele breve strip da cowgirl Jessica ficou em modo replay por um bom tempo na minha memória (e na do meu HD).


Dá-lhe Jessikita...! Alguém tem cinco reais aê pra me emprestar?! :P

E já que isso aqui tá meio zoneado, vão aí umas antigüidades: duas páginas do seminal Dicionário Marvel, e em uma delas - aproveitando o hype - a ficha de Reed Richards, a.k.a. Senhor Fantástico (além de ser o sortudo que pega a Sue).


Clique nas imagens para aumentá-las... aham...

Certa vez, a entidade Eudes/OutZ (é um conflito) publicou umas páginas dessa relíquia. Se alguém aê tiver alguma dessas, favor me enviar. Tô retomando a minha coleção após 15 anos. :P


A PAIXÃO DE MATT MURDOCK


Se um dia adaptarem essa história para o cinema (quem dera!), minha indicação para o advogado cego iria pro Jim Caviezel. Em matéria de sofrer durante um filme inteiro ele manda bem.

A edição 97 da memorável Superaventuras Marvel trazia a história Sinais Vitais (Vital Signs, publicada originalmente em Daredevil #260), com o herói da Cozinha do Inferno atravessando uma verdadeira via-crucis.

Poucas vezes houve uma desmistificação tão crua do mito do herói invencível. Em outras palavras, nunca vi um herói apanhar tanto quanto o Demolidor nessa história. Parece até o personagem de Kevin Costner, no filme Vingança, de Tony Scott (que, por acaso, assisti ontem).

A mando do Rei, a febril Mary Tyfoid arma uma senhora arapuca para o Homem Sem Medo. Acaba agrupando um considerável número de inimigos do Demolidor (Bullet, Guerrilheiro, mais alguns punks) e, juntos, detonam o vigilante. O início idílico, com Matt passando pela melhor fase de seu relacionamento com Karen Page, contrasta maravilhosamente com a descida ao inferno das páginas seguintes. Mérito do texto esperto de Ann Nocenti e dos traços cirúrgicos de John Romita Jr (ê fase boa...).

Aliás, essa dupla é responsável por uma das seqüências mais ordinárias dos quadrinhos (ainda hoje). Trata-se de uma briga do Rei com a Mary. O que eu posso dizer é que ela não termina do mesmo modo que começa. Cara... Wilson Fisk é muito, muito sinistro... :D


(scan feito por mim mesmo em 2004, então já sabe!)


Uma HQ perfeita, onde até o Johnny Storm faz bonito.

E uma dica d'O Cara dos links (90% de aproveitamento da minha parte!): o Chico desenterrou esse link aqui, que tem uma pá de HQs disponíveis, em formato original - inclusive essa aí publicada pela SAM, e todas (ou quase todas) da brilhante fase Nocenti/Romita Jr. do DD. Como tudo que é bom dura menos do que deveria, se eu fosse vocês...


dogg, que tinha mais coisa pra escrever, ao som de Feedback, EP matador do Rush que coveriza covers.

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

O MONSTRO DE DOGGENSTEIN


Dr. Doggenstein, meus caros. Esse é o meu epíteto agora. Há muitas eras passadas (ano passado), eu vivia no auge de meu afã scânico (não satânico, de adorador do capeta, e sim scânico, de scanner, aquela maquininha que a entidade Eudes/OutZ e o Immateria popularizaram - falando nisso, vocês deviam cobrar royalties das fábricas de scanners... aposto que eles venderam muito naquela fase, só por conta de vocês). Na época, eu me sentia o próprio Galactus, devorando sem dó o retorno de capital das careiras editoras de quadrinhos.


Esse sentimento era reforçado também por dois fatores. Primeiro, mais óbvio, era o prazer de compartilhar com outras pessoas alguma obra que eu achava bacana. Me lembrava de quando eu "descobria" uma banda legal e apresentava pros meus amigos, emprestava o CD e tudo (muitas vezes eu nem via mais o CD!).

Segundo, e mais motivador, era disponibilizar essas HQs pra quem não mora no eixão RJ/SP. Pra quem mora aí, eu só digo uma coisa: o Brasil tem a maior periferia do planeta. É assim mesmo que somos tratados pela mídia e, talvez por conseqüência disso, sofremos certos "embargos". Quando falamos em produtos de 3ª necessidade então... Distribuição setorizada é o novo nome que inventaram para "exclusão". RdA encadernado, por exemplo, não deu nem sinal de chegar por aqui. O detalhe é que eu já tive acesso ao seu conteúdo - inclusive as páginas inéditas - há muito tempo atrás, num feliz download no Rapadura Açucarada. Esse é o tipo da motivação que cairia bem em qualquer origem de super-herói.


Mas voltando ao assunto, se eu era o todo-poderoso Galactus, não demorou muito e logo fui apresentado ao Nulificador Total: meu scanner dançou. Por uma razão cósmica inexplicável até para o Vigia, meu scanner (que sempre teve tratamento de rei), começou a apresentar fortes tons azulados nas imagens. Como eu jamais poderia colocar no ar um scan meia-boca (é a mesma coisa que colocar um daqueles odiosos MP3 corrompidos), resolvi seguir adiante, sem o meu "parceiro" de blog. Aí, eu já me senti o Steve Rogers, depois que o Bucky bateu as botas ("Bbb", hehe).


Inspirado pelas recentes explosões scânicas do Alcofa (o cara tá escaneando até o cachorro de estimação) e do Luwig X (ainda tô me acostumando com esse nick... e que puta HQ melancólica aquela da Diana, hein?), resolvi dar uma última chance ao meu velho Genius Color Page Vivid III. A mesma coisa. Liguei o foda-se, peguei as minhas chavinhas Phillips e abri o ex-Galactus. Desconectei tudo, limpei a poeira, tirei o vidro e mandei ver no álcool isopropílico. Usei o cabo de conexão do meu velho Zip Driver (o famoso Darkseid!), reconectei tudo, fechei e liguei no CPU. Depois dessa, eu poderia montar uma banda punk com um pé nas costas.

Pra minha surpresa, as imagens melhoraram uns 70% em definição. Não o suficiente para satisfazer o meu perfeccionismo, mas suficiente para um resultado no mínimo apresentável. Resolvi fazer um teste, aproveitando o meu mais novo hobby: varrer sebos atrás das velhas edições de Superaventuras Marvel.


SAM #79, traz uma puta história do Matt Murdock, da memorável fase Ann Nocenti/John Romita Jr. O texto estiloso de Ann não envelheceu nem um pouco, mesmo tendo essa história mais de dez anos. E Romita filho - acho que serei criticado agora - estava em sua melhor fase, disparado. Não há uso de violência desnecessária (mesmo porquê, o universo do Matt é mais do que isso), e o DD é retratado aqui da forma mais realística possível. Matt está prestando assistência jurídica beneficente, e investiga uma provável quadrilha de terroristas, ao mesmo tempo em que enfrenta problemas legais que podem levá-lo à cadeia. Destaque para Bullet, um brutamontes "com personalidade" (igualzinho ao James Gandolfini, de Família Soprano) e para o filho dele, Lance, um guri fanático pela possibilidade de uma guerra nuclear (!).


Essa edição traz também uma aventura bem meia-boca com o Homem-Aranha, Wanda e o Visão enfrentando o mago Necrodamus (um dos vilões mais toscos que já vi). História fraca e envelhecida, mas que vale pelo quebra entre o Parker e o andróide comedor de feiticeiras. :P

Pra fechar, uma aventura bem legal do Frank Castle. Escrita por Mike Baron e com o traço de Klaus Janson, a história traz um Justiceiro à paisana desmantelando a célula de uma rede internacional de tráfico de drogas. Destaque para a seqüência em que ele é torturado e vira o jogo, ao melhor estilo Jack Bauer, de 24 Hs.

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Reup do arquivo cbr (mesmo scan da época) - 06/09/2017

SAM #80 traz a conclusão nada maniqueísta do episódio anterior, com o dedão do famigerado Wilson Fisk dando o ar da graça (como sempre). Matt está passando por um momento muito difícil em sua carreira, tanto de advogado, quanto de vigilante. Aqui ele encara novamente o paredão Bullet, e conclui que não chega nem aos pés do cara em termos de força física. Essa luta lembra bastante as antigas pelejas do Matt com o Rei do Crime, fase Frank Miller.


Em Bolívia, Frank Castle segue a rota do narcotráfico internacional até o topo do cadeia alimentar. Acaba se reencontrando com um velho "amigo" da Guerra do Vietnã: general Trahn. Eficiente história, que só seria perfeita se o título fosse "Colômbia". :D

SAM #80 ainda trazia uma aventura com um personagem que eu abomino: Longshot. A história, chamada Eu Quero Morrer, é tão ruim, mas tão ruim, que não tive a menor vontade de escanear. Argumento fraquíssimo (de Ann Nocenti), pessimamente ilustrado por Arthur Adams e colorido nas coxas pelo Estúdio Artecômix. Longshot (a "Estrela da Sorte") e um pai de família fracassado tentam assaltar uma companhia de luz, porque "a conta estava muito alta" (hhmm... até que faz sentido). Se alguém quiser conferir, por alguma curiosidade mórbida ou mero gosto pelo trash extremo, é só me escrever que eu publico.

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BRIGA DE CACHORRO GRANDE


Na rebarba, resolvi mandar duas Marvel 99 também. As edições #08 e #09 são particularmente especiais por mostrarem um pouco mais do passado do mega-vilão Apocalipse, e por traçarem um interessante paralelo entre as motivações dele e do Hulk. Sem contar o quebra-pau titânico entre o Gigante Esmeralda (com a alcunha de Guerra, então um dos cavaleiros do mutante egípcio), Homem-Absorvente e o "imparável" Fanático.

Nessa edição também tem uma aventura sensacional do Deadpool, com participação especialíssima de Mary Tyfoid. A dupla Joe Kelly/Ed McGuinness é uma das melhores dos últimos tempos. A luta de Deadpool e Ânimus e, principalmente, a "luta" com o T-Ray, são hilárias. O estilo da narrativa e do traço lembra muito a recente parceria Peter David/Chris Cross, das últimas aventuras do Capitão Marvel (o Genis, da Casa das Idéias), sempre muito bem-humoradas.

Coisas do formatinho: deixei de fora algumas histórias. Uma delas é a conclusão de O Beijo da Viúva Negra, um thriller de espionagem com Demolidor, Viúva Negra e Vanguard, o "Capitão América soviético". A história tem uma trama até interessante, mas que não funciona isoladamente. Não incluí também uma aventura do Kazar, pois ela segue adiante em outras edições, e a mesma coisa aconteceu com uma história fraquinha dos fraquinhos Thunderbolts.

Não faz sentido colocar arcos pela metade, a menos que alguém os queira mesmo assim. Aí, é dogg-mail na cabeça. Aliás, "dogg-mail" foi a idéia mais tosca que já saiu da minha cabeça... :P


Marvel 99 #08
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Reup do arquivo cbr (mesmo scan da época) - 06/09/2017


Marvel 99 #09
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Reup do arquivo cbr (mesmo scan da época) - 06/09/2017

Agora, só mais um favor... me digam se as imagens ficaram aceitáveis ou horríveis. fiquei mexendo tanto nelas que já até perdi a referência... Preciso saber, pois tenho intenção de sacanea... digo, scannear outras revistas também. Ah, e eu hospedei no Photobucket mesmo. Mas um dia isso vai mudar. :P


Post ao som de quase tudo do Ramones. Agora, no momento do publish, está rolando Needles & Pins...

Longa Vida ao RAMONES!

sábado, 11 de setembro de 2004

A 14ª GUERREIRA


Essa foi a imagem que mais marcou a minha memória, após a sessão de A Vila (The Village, 2004), a nova incursão do diretor e roteirista M. Night Shyamalan. A cadeira vazia foi a única testemunha de uma declaração de amor de verdade, sem falsa pose ou frases feitas para impressionar. Na verdade, muitas vezes, declarações de amor de verdade passam longe de convenções "românticas". Elas ficam mesmo parecendo uma espécie de desabafo. E isso é ótimo, pois se você não conseguir nada, pelo menos tira aquele "peso" da consciência. :P

Após meses de intenso hype, é improvável que alguém desconheça a premissa de A Vila, pero... A história se ambienta em um vilarejo isolado, que lembra por demais uma comunidade amish. Totalmente auto-sustentável, ela independe de qualquer contato com a cidade, o que é quase uma benção: no bosque que cerca a vila, habitam misteriosas e mortais criaturas. Como forma de coexistência, os habitantes da vila e as criaturas mantêm um pacto silencioso de não-intervenção. Ninguém invade a área de ninguém, senão o bicho pega (literalmente). A situação começa a sair dos trilhos quando são encontrados animais silvestres esfolados nas imediações da vila, ao melhor estilo chupa-cabras. Um belo dia, as criaturas resolvem fazer algo mais, e deixam uma mancha vermelha na porta de cada casa, marcando assim o fim da trégua.

Shyamalan é atualmente o melhor criador de atmosferas (de suspense ou não) do Cinema, ao lado de David Fincher e Alejandro Amenábar. Sua câmera atua do ponto de vista do espectador, como se ele estivesse ali fisicamente acompanhando os acontecimentos. E essa característica atinge seu auge justamente nos momentos de maior tensão, quando algum personagem se encontra em alguma situação complicada e/ou desesperadora.

O recluso William Hurt comparece aqui no papel de Edward Walker, um tipo de líder comunitário da vila. Responsável, paternalista e, ao mesmo tempo, amargurado, como se estivesse carregando o mundo nas costas. Hurt está ótimo, como sempre. O breve diálogo entre Edward e Alice (Sigourney Weaver, discreta), na cozinha, é um dos momentos mais subjetivos já filmados nos últimos 10, 15 anos. Foi uma aposta arriscada de Shyamalan, mas diga-se de passagem, ficou soberba. Adrien Brody, o gaiato que lambeu a goela de Halle Berry na premiação do Oscar, faz o papel de Noah Percy, que é um puta personagem trágico e imprevisível. Henrique V perde. Um belo trabalho.

Joaquin Phoenix recebeu uma das missões mais difíceis da sua carreira. Seu personagem, o homem-sem-medo Lucius Hunt, é o terror dos atores que não sabem atuar de boca fechada. Austero, hiper-introspectivo e reservado, Lucius é, antes de tudo, um bravo que não teme por si, e sim por aqueles que ama. Phoenix está crescendo à olhos vistos, e essa é a sua melhor atuação desde 8MM (Max California, seu personagem lá, foi a única coisa boa do filme). Não vai demorar muito até a "grande chance" bater à sua porta.

Diante de um elenco desses, é uma surpresa que o destaque seja a novata Bryce Dallas Howard (filha do Ron), no papel da cega Ivy Walker (filha do Ed). Com poucos filmes no currículo, ela fez juz à confiança que Shyamalan depositou nela. Ivy é sensível, forte e independente, e sua jornada quase quixotesca é a representação dos valores que fazem dela uma pessoa especial. E bonita. E sim, estou apaixonado por ela. Vou anotar seu nome na minha lista, logo depois de Scarlett Johansson, Keira Knightley e Evan Rachel Wood. :)

Mesmo com uma linha principal intensa, o argumento do filme faz certos paralelos de maneira elegante e sem se render ao panfletarismo barato (o que prejudicaria a narrativa). Além das observações às políticas do medo e do intervencionismo (bosque e criaturas), tão em voga atualmente, A Vila não fica só aí e cria subcontextos, que, se parecem incompletos à primeira vista, é porque simplesmente foram realísticos. Afinal, o tão almejado "final feliz" não se encontra em qualquer esquina (Edward/Alice e Noah). O que não quer dizer que você não possa lutar por ele (Ivy/Lucius).

Poucas vezes um filme suscitou tantas opiniões radicalmente opostas - e de pessoas cujas opiniões eu respeito, incluindo-se aí escritores de sites, blogs, revistas e jornais.

Vou poupar o trabalho e colocar o clímax no começo. Sabe qual o problema de A Vila? O seu público. Que por acaso não é o público do filme, e sim o público do diretor, em sua maior parcela. O apreciador médio do "mesmo-cara-que-fez-O-Sexto-Sentido" foi ao cinema mais armado que Zé Pequeno e Tony Montana juntos. E que soem as trombetas, pois o estrondoso final-reviravolta acontecerá a qualquer momento. Tem que acontecer. O público precisa da sua dose Shyamálica de finais imprevisíveis pelo menos uma vez a cada dois anos. Sem querer, Shyamalan criou um monstro, e um monstro mal-acomodado ainda por cima.

E o coral de críticas negativas? Cada vez mais, a minha impressão é de que algo aconteceu lá no começo que prejudicou todo o subseqüente julgamento do filme pela opinião pública. Se fossem opiniões amenas, passaria batido, mas não. A Vila simplesmente despertou o Hulk Ultimate que existe nas pessoas. Ninguém achou o filme "mais ou menos" e sim de detestável pra baixo, em sua esmagadora maioria. Sem meio termo.

Eu, sinceramente, me senti em uma dimensão paralela nessa última semana. Eu sou o próprio Bizarro, e estou num universo onde 90% da população nutre um ódio profundo ao filme A Vila e ao seu diretor. Mas 90% não é 100%. Pra mim e mais alguns poucos, é tão claro o brilhantismo desse filme, quanto ele é péssimo na opinião dos detratores. Nenhuma das críticas conseguiu me convencer de que esse é um filme menos do que excelente.

E digo mais: muito provavelmente A Vila não será justiçado com o tempo. Se não há a capacidade de enxergar a sua beleza simplista agora, isso dificilmente acontecerá no futuro.


dogg, que só comentou sobre o filme pra registro, ao som de I'll Hate You Better, do Suicidal Tendencies. E que coincidência! O nome da música tem tudo a ver com a polêmica que cercou A Vila...