Dizem que a justiça tarda, mas não falha. Há tempos aguardo pacientemente pelo grande filme de ação
girl-on-girl (sem saliências, safadão), do tipo que atenda ao máximo de pré-requisitos da porradaria pé no chão antes de partir para a extravagância blockbuster habitual. E
Viúva Negra parecia o(a) candidato(a) mais promissor(a) dos últimos tempos. Porque
Natasha Romanoff é o que é. E
Scarlett Johansson também. Ainda não foi desta vez, mas valeu pela reverência a esta atriz que deu coração, personalidade e profundidade à personagem no cinema.
Paradoxalmente, a tal da reverência foi o elemento que mais esteve em falta no filme.
Em nenhum momento me senti impactado, arrebatado ou cativado pelo fato desta ser a possível despedida de Johansson da personagem. Talvez seja pelo efeito
Ultimato – onde ela protagoniza uma de suas cenas mais marcantes – e ter isso como parâmetro não facilita as coisas. Mas, noves fora, e mesmo sob o risco de soar meloso e/ou cerimonioso, a Viúva Scarlett merecia um
"até logo". Alguma cena, alguma analogia ao futuro, linhazinha de diálogo, sei lá.
Em contrapartida, é bom notar que o roteirista
Eric Pearson e a diretora
Cate Shortland parecem ter tirado lições valiosas vendo o decepcionante
voo solo da Capitã Marvel. Nenhum homem é uma ilha; nenhuma mulher tampouco; e uma Viúva só não faz verão. Ou algo assim.
Mesmo
de vez,
Florence Pugh é o melhor fruto de
Viúva Negra e um dos grandes debuts da já extensa filmografia Marvel. A guria convence como a Viúva-Negra
Yelena Belova. Que se dane:
me convence. Pra mim, era algo impossível dissociá-la da Amélia carpideira de
Midsommar, o que foi uma garoteada inconsequente da minha parte. A moça já encenou trocentas adaptações da literatura e é Oxfordiana da gema – incluída assim na regra implícita que estabelece que qualquer ser humano nascido brit é ator até o pâncreas. Pra melhorar, o roteiro, baseado na premissa da dupla
Jac Schaeffer/
Ned Benson, sabe o que fazer com ela.
No início do filme vemos um pouco do passado das Viúvas "Nat" Romanoff e Yelena ainda crianças – sendo que
Ever Anderson, filha de Milla Jovovich & Paul W. Anderson, me deixou uma eternidade sem saber se era menino ou menina, igualando o recorde de androginia de Kristen Stewart em
O Quarto do Pânico. Infiltradas na América, elas são criadas como irmãs em uma família de faz-de-conta completada pelo supersoldado russo Alexei "
Guardião Vermelho" Shostakov, interpretado por
David Harbour (o
Hellboy ruim!), e pela Viúva-Negra
Melina Vostokoff, papel da indefectível
Rachel Weisz.
A trama principal tem início 20 anos depois, logo após os eventos de
Capitão América: Guerra Civil. Com os
Vingadores separados e vários deles presos ou foragidos, Romanoff é caçada pelo
General Ross, em mais um cameo furtivo de
William Hurt, e se isola nos cafundós da Noruega. Seu único contato com o mundo exterior é
Mason (
O.T. Fagbenle), um fornecedor de sua época na
SHIELD. Ainda assim, ela se vê envolvida em uma guerra entre sua "irmã" Yelena e a rede de Viúvas-Negras que ela julgava desativada.
Daí pra frente é uma montanha-russa de ação e lutas frenéticas. Ou quase. Fica evidente que a maior preocupação da diretora é focar nas questões mal resolvidas da vida de Natasha. E isso vai desde os traumas adquiridos em anos de missões sanguinárias para a KGB até seu vazio pessoal/existencial, preenchido apenas pelas boas recordações de uma família
fake. E dos Vingadores.
Felizmente, Shortland soube evitar os excessos em momentos genuinamente tocantes e pontuados pela experiência do elenco. Um bom exemplo é quando Natasha confronta emocionalmente sua "mãe" Melina. Mesmo com ambas endurecidas pelo programa Viúva-Negra, a troca dramática entre Johansson e Weisz é pungente. Outra boa sacada foi o momento "pai e filha" entre o fanfarrão Alexei e a relutante Yelena. De início, a cena parecia ter se esticado além da conta e já dava como perdida, daí ele começa a cantarolar desajeitadamente
“American Pie”, a canção favorita de Yelena quando criança, e vira o jogo. Engraçado e comovente ao mesmo tempo.
Claro que a montanha-russa de ação não demora a chutar a porteira e estampar na tela cada
cent das 200 milhões de doletas do orçamento. Ainda que a perseguição pelas ruas de Budapest seja eficiente, não é nada que algum
Velozes & Furiosos não tenha feito num terça-feira qualquer. A cereja mesmo fica com o CGI Sky Fest da sequência final. Visualmente tão impressionante quanto absurda. E isso é meio que um elogio. Já as lutas são meio que problemáticas.
A bem da verdade, as lutas são acima da média. Pena que não é disso que o filme se trata e a relevância das mesmas é frequentemente negligenciada no decorrer da história. Nenhuma delas decide nada na trama. Normalmente, heróis se encontram e se enfrentam por motivos idiotas. Sempre foi assim. Mas a (boa) briga de Nat e Yelena é o novo marco das lutas gratuitas do UCM. Tony Pinga e Rhodey em
Homem de Ferro 2 já podem respirar aliviados.
Chega a ser notável certo desleixo em alguns momentos. Num deles, Yelena derruba um guarda na
Sala Vermelha com uma banda e o cara desmaia. E até ali, a Ursinha Pugh estava mandando bem na coreografia.
Taskmaster?*
* olha como sou bonzinho com o leitor que não assistiu ainda
Apesar do visual afudê e da aparição inicial com
stunts descaralhantes mimetizando os movimentos de Natasha, temo concordar com meus confrades: uma decepção. Puta potencial jogado fora. Ainda mais porque a pessoa por trás da máscara é bastante conhecida. Ou seja, some aí desperdício à decepção. Sem contar que todas as cenas bacanas já estavam no trailer.
E ainda que o 3º ato realize um dos meus sonhos mais agradáveis, que é ver a Rachel Weisz com roupitcha super-heróica, é nele que a narrativa acelera e sai ralando no
guard rail.
O veterano
Ray Winstone como o
evil chefão
Dreykov fez o melhor possível mediante o curto tempo de tela: imitar o Brian Cox em
X2 como se tivesse uma arma apontada pra cabeça. E, de fato, sua posição e relações familiares remetem diretamente ao Coronel William Stryker e seu filho mutante zoado Jason 143. Outra coisa que chama atenção é a Sala Vermelha com baixíssimo contingente de guardas, técnicos e cientistas. Novos filmes, velhos problemas.
Até fiz vista grossa para o pequeno estratagema nasal bolado por Natasha para evitar o bloqueio dos feromônios (coisa mais anos 80), mas dali pra frente a logística da coisa embola perigosamente. Capturados em São Petersburgo, as heroínas e o anti-herói são levados até a nave russa localizada bem "embaixo" do nariz dos americanos sem dar um bip sequer lá na SHIELD/SWORD/etc. E quando o AeroportaCCCPaviões cai, Natasha chama justamente o Ross? Detalhes, detalhes.
No fim das contas, o saldo é bem positivo. Foi uma boa despedida para Scarlett Johansson – se é que foi uma despedida
per se – e ainda deixa os braceletes da Viúva muito bem encaminhados. Florence Pugh é uma graça e está mais do que preparada para a próxima fase da Marvel.
Fora que ela zoando o
superhero landing da Natasha foi sensacional. Melhor que o Deadpool.®
Ps: que Valentina Allegra de Fontaine faça o dever de casa. Thunderbolts já!
Pps: co-resenhado with a little help from my friends Sandro e Fivo. Valeu, cachorros!