sábado, 22 de outubro de 2022

Tim Maia em suas próprias palavras


Difícil pensar numa conexão mais esdrúxula que Frank Zappa e Tim Maia. Mas a docussérie Vale Tudo com Tim Maia, produção da Globoplay codirigida por Nelson Motta e Renato Terra, mostra que existem mais similaridades entre o fusionista de Baltimore e o soulman da Tijuca do que julga a vã filosofia. A começar pela própria natureza musical: compositores multi-instrumentistas autodidatas (apesar de Zappa dominar tudo de teoria) que estrearam na carreira como bateristas. E um dos aspectos mais importantes, que era a saudável mania de registrar tudo o que fosse possível, de conversas informais e coletivas de imprensa a ensaios e bastidores.

Uma semelhança em vida que tornou possível uma bem vinda semelhança póstuma.

No doc Eat That Question: Frank Zappa in His Own Words (Thorsten Schütte, 2016) — que já mencionei en passant, inclusive — fiquei maravilhado com a proposta old school de conduzir o filme apenas com materiais de arquivo. E mais ainda com o volume impressionante desse material, que possibilitava uma narrativa com início, meio e fim amarrando cenas bem difundidas com outras obscuras e/ou raríssimas. Tudo isso sem apresentadores ou narrações em off, apenas com breves legendas para efeitos contextuais e cronológicos.

É muito bom ver que o formato não só foi possível no caso do Síndico, como funcionou à perfeição. Tim Maia era o melhor promotor de si mesmo. A série em três capítulos reúne registros pessoais doces e bucólicos com sua família e com as crianças do orfanato Lar de Narcisa (graças à colaboração de seu filho Carmelo) ao lado de típicos "momentos Tim Maia", antológicos, e muita, mas muita música. As sequências da fase de shows em bailões de subúrbio, em particular, são sensacionais, com lotação sold out e público enlouquecido. E claro que as pirações-Maia também têm seu espaço garantido. A fase Racional tem o merecido lugar de destaque, bem como a entrevista de um Tim doidão para o Otávio Mesquita após um show caótico em que até o Fábio Jr. foi convocado ao palco para dar uma "ajudinha" nos vocais.

Essenciais também são as passagens de Tim pelo Cassino do Chacrinha. O cantor trovejando no palco cercado pelas gostosíssimas Chacretes é o puro suco de Brasil dos anos 80. E bola dentro para a inclusão da bizarra cena que resultou na briga do Síndico com o Velho Guerreiro.

Em contrapartida, o mesmo programa foi palco do lindo dueto de Tim e Gal Costa, que simplesmente para de cantar só para ficar admirando o vozeirão do homem. Momento fanzoca total, paralelo ao trecho da entrevista no programa Gente de Expressão, da Bruna Lombardi. Num momento confessional sobre a dualidade da fama e o preço da solidão, Tim derrete o coração da entrevistadora com uma palhinha de "Não me Iludo Mais". E emenda com um "mas a voz é foda, né?", quase como se estivesse se referindo a outra coisa ou pessoa. Um momento que sintetiza todo o embate entre o Tim e o Sebastião.

Uma amostra da esportividade de um dos realizadores foi a inserção do dueto ao vivo de Tim e Marisa Monte. Cantando "Chocolate" abraçadinho com a artista, Tim dá uma provocada: "Nelson Motta, cê tá cheio de ciúme, né? Nós estamos só vendo que música que nós vamos cantar, cara. Calma, bróder." Divertido, com certeza, mas ganha a ressonância de piada interna para quem leu a bio/ensaio Noites Tropicais (2000), do notório produtor.

Vale Tudo com Tim Maia é uma deliciosa (e rápida) viagem pela carreira do Síndico. Imperdível documento histórico para admiradores do músico ou simplesmente de música popular brasileira. E funciona ainda melhor em conjunto com o especial de tevê Por Toda a Minha Vida: Tim Maia, de 2007, e, logicamente, o livraço Vale Tudo: o Som e a Fúria de Tim Maia (2006), de Motta.

Ao contrário do Tim, esses não podem faltar...