segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Halloween Ends é o fim


Halloween Ends merecia ser empalado numa parede pelo próprio Michael Myers. Mas não sem antes rastejar agonizando por uns bons metros, como manda o figurino.

Tive tempos difíceis com a trilogia de David Gordon Green. Halloween e, especialmente, Halloween Kills: O Terror Continua tiveram recepções mornas e atravessadas, mas sempre os defendi (quando não preguei para o mais gélido vácuo). Felizmente, não vou passar por isso de novo com Ends. Só irei atualizar a disputa de pior filme da franquia, ao lado de Halloween VI: A Última Vingança (1995), Halloween: Ressurreição (2002) e Halloween II (2009). Páreo duro!

A vontade de elaborar sobre a história coescrita por Green, Paul Brad Logan, Chris Bernier e Danny McBride é a mesma de querer ser apunhalado por Michael Myers nos bagos. O legendário John Carpenter já havia comentado que o filme era um "afastamento" dos dois capítulos anteriores. Foi gentil. Green foi mais incisivo: antecipou que Ends tem inspiração em Christine (1983) sob uma narrativa coming-of-age. É exatamente isso. E é muito pior do que parece.

Difícil enumerar todas as forçadas do roteiro para estabelecer o novo cenário. As sobreviventes Laurie Strode e sua neta Allyson tentando uma idílica vida nova, os habitantes de Haddonfield ainda celebrando Halloweens mesmo com Myers foragido, o local manjadíssimo que serviu de esconderijo para o monstro por três longos anos, a polícia quase inexistente, a profunda ligação de Allyson e Laurie virando fumaça de uma hora pra outra e por aí vai.

Mas isso ainda é bico perto da grande novidade do filme: o protagonismo-surpresa de Corey Cunningham.

Interpretado por Rohan Campbell, o personagem é uma tentativa de personificar toda a extensão do mal causado por Michael Myers em Haddonfield. Após o massacre dos dois primeiros filmes, a comunidade ficou doente. A comprida introdução da trama demonstra isso até bem, destacando o estado contínuo de medo e ansiedade impregnado nas pessoas. A conclusão inesperada — e de arrepiar — já dá uma noção do tom a seguir.

Excetuando o deliciosamente surreal Halloween III (1983), este é o Halloween com a menor participação de Michael Myers em toda a franquia. O que sobra são muitas D.R.'s, traumas, conflitos geracionais, familiares e até o velho bullying escolar. É a parte coming-of-age da receita, enquanto a imersão de Corey na escuridão corresponde à parte Christine. Tudo o que nunca procurei num filme da série.

Divagando em certo momento, lembrei que no Halloween II do Rob Zombie houve cenas hardcore de revirar o estômago, mas que, sozinhas, eram incapazes de salvar o filme do desastre. É o mesmo caso aqui. Quando a violência chega, é uma pauleira só (vide a sequência no ferro-velho), mas já é tarde demais e ainda partindo de um contexto totalmente equivocado.

A própria natureza inumana de Michael Myers soa confusa e indecisa, à mercê das conveniências do roteiro.

Se nos dois filmes anteriores, The Shape era um apex predator dotado de uma disposição sobrenatural, sendo atropelado, baleado, esfaqueado, queimado, linchado, etc, sem diminuir o ritmo das matanças, em Ends, ele parece doente e envelhecido (ok, ele é um idoso nesta timeline, mas não é essa a questão). Em determinado momento, ele chega a ser dominado no mano a mano em uma cena que faria o saudoso Dr. Loomis dar um tiro na tampa do caixão. Em contrapartida, Myers tem a capacidade de "ler" o passado traumático de Corey com um simples toque, entre outras habilidades — para depois, novamente, perder todo o mojo.

Outro ponto contra é o pouco caso do ótimo casting, incluindo o retorno de Will Patton como o Delegado Frank Hawkins, criminosamente relegado à pontas românticas (pior ainda com o Omar Dorsey, voltando como o Xerife Barker num rasguinho de script), e Karen (Judy Greer), a filha de Laurie, que, por pouco, é sequer mencionada após aquele final em Halloween Kills. Já Andi Matichak, apesar das linhas aborrescentes da Allyson, mostra que sabe trabalhar mesmo em condições adversas.

De alguma forma, todos esses problemas pouco afetam a presença indefectível de Jamie Lee Curtis, que aqui provavelmente se despede de seu maior hit. Entre mortos e feridos (e uma cena terrível de reviravolta com Corey), Laurie conquista a tão merecida redenção que, de um modo brutal e melancólico, é coerente com a sua jornada e digna da sua importância.

Valeu pela emoção, tanto na tela quanto fora dela. Mesmo que a saideira tenha sido uma droga.

A Scream Queen #1 finalmente poderá descansar. Long live the Queen.

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