quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

O Superman pré-Crise está aqui


E o temAÇO clássico também.


Atualização 20/12


O Escoteirão não merecia nada menos.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

5&20 e os Numerões


Big Numbers é a maior obra inacabada dos quadrinhos. A maior, não a melhor. Por maior, entenda-se como a HQ que gerou mais discussões, especulações e lendas urbanas do porquê foi abandonada. O silêncio dos pais pródigos Alan Moore e Bill Sienkiewicz ficou ensurdecedor com o passar das décadas e o mito ganhou vida. A esta altura do campeonato, qualquer dado novo vai imediatamente para registro.

A história até aqui foi mais ou menos assim: Big Numbers foi lançada em 1990 pelo defunto selo Mad Love, do próprio Moore. Inicialmente, foi projetada como uma graphic de 500 páginas divididas em 12 edições. A trama era complexa e se utilizava de conceitos de Geometria Fractal e Teoria do Caos para abordar os efeitos socioeconômicos da chegada de uma gigante varejista em uma pacata comunidade inglesa. Seria a primeira incursão de Moore fora do gênero fantástico e sua primeira colaboração com Sienkiewicz desde Brought to Light, de 1988. O detalhismo obsessivo de Moore e Sienkiewicz, no entanto, logo cobrou seu preço. A primeira edição saiu em abril de 1990; já a segunda, só em agosto.

Sienkiewicz usava modelos para desenhar e a situação se complicou quando os mesmos ficaram indisponíveis. Ele então larga a série no meio da produção do #3, com apenas 10 páginas finalizadas. Para tentar salvar o projeto, entram no jogo a editora Tundra, de Kevin Eastman (cowabunga!). Após considerarem Jon J Muth, Dave McKean e outros possíveis substitutos na arte, acabam optando por Al Columbia, que era assistente de Sienkiewicz – e certamente muito mais barato. Mas a pressão, tanto da deadline quanto do escopo do projeto, amassam o jovem artista, então com 19 anos, que pira na batatinha, larga Big Numbers antes mesmo de completar a 4ª edição e destrói todos os originais que desenhou – milagrosamente, ainda conseguiram salvar as páginas que ele fez para completar a edição abandonada pelo ex-patrão.

O resto é lenda, cara.

Pessoalmente, sempre achei frescura um quadrinista depender tanto de modelos vivos para criar a sua arte. Isso vale tanto para Sienkiewicz, quanto para Tim Bradstreet e o Mike Deodato Jr. Todos incríveis, mas, antes de tudo, eles são os criativos visuais da equação, pô. Fora que existe um sem-número de recursos difundidos nos comics para dar aquele tapinha na arte e no ritmo dos trabalhos. De referências ao mais puro e deslavado tracing. Até os melhores já apelaram pra isso. Então sempre achei essa desculpa do 5&20 um tanto esfarrapada. Me parece que o motivo era outro (ou simples pretexto para sartar fora) e ele preferiu sair pela tangente. Vai saber.

O fato é que, em raríssimas ocasiões, tanto o Bill quanto o Alan arriscam algumas palavrinhas sobre a maior-graphic-que-nunca-foi. E hoje foi uma delas.

A bit of a dissertation. This showed up in my YouTube feed. On Friday the 13th no less. Be that as it may, It’s...

Publicado por Bill Sienkiewicz em Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

“Um pouco de dissertação.
Isso apareceu no meu feed do YouTube.
Na sexta-feira 13, nada menos.
Seja como for, é a primeira de duas partes, de aproximadamente quatro horas, de Alan Moore e minha série autoral inacabada, Big Numbers.
Algumas pessoas devem se lembrar. Ou melhor, lembrar de todas as conjecturas, rumores e ruminações sobre o que levou ao seu colapso final.
Não tenho muitos arrependimentos de carreira (sou um cara que aprende com seus erros e com os dos outros e segue em frente), MAS se eu tivesse uma lista dos três primeiros, Big Numbers certamente seria o número 1.
Parei de assistir depois de cerca de dez minutos. Isso não é culpa dos resenhistas (posso ver que eles são sujeitos sérios e conscientes); apenas me ocorreu que já discuti essa obra-prima malfadada inúmeras vezes ao longo dos anos e não tinha certeza se queria rastejar por essa toca de coelho em particular mais uma vez.
Na verdade, e desculpem a digressão, eu fiz uma entrevista filmada de três horas (parte um do que seria um mergulho profundo completo de várias partes) explorando cada fator contribuinte de BN com meu falecido amigo, Jon Schnepp.
Era para os donos de uma revista de cultura pop chamada Complex; seus planos eram se ramificar no mundo da SpikeTV e transformar a entrevista em algum tipo de documentário, série ou exposição; tanto faz.
Infelizmente, Jon já faleceu; as entrevistas restantes nunca aconteceram, a equipe e os produtores desapareceram. A filmagem está por aí em algum lugar.
E embora eu entenda a curiosidade em torno da série – e eu mesmo esteja honestamente curioso para ver como essa equipe aborda sua dissecação – ainda estou esperando por enquanto. Mas para algumas pessoas curiosas por aí, pessoas que não me viram suspirar e dar de ombros e fazer careta e revirar os olhos pessoalmente quando o assunto foi levantado, aqui está o link para a primeira metade.”




Não tenho a menor dúvida de que se alguma editora brasileira resolvesse lançar Big Numbers, mesmo incompleto, iria derrubar o site da Amazon.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

28 Anos Depois 22 anos depois de 28 Dias Depois


Finalmente.

A franquia Extermínio está de volta dos mortos. E meio que na surdina – não ouvi um pio sobre a produção, que, ao que consta, se concentrou toda em 2024. O novo filme marca o retorno da colaboração entre Danny Boyle e Alex Garland. Por mais que tenha adorado o trabalho de Juan Carlos Fresnadillo em Extermínio 2 (triste como os títulos brasileiros desperdiçaram toda a sacada dos originais), ver a saga novamente nas mãos dos criadores chega a ser emocionante. É uma das maiores duplas do cinema pop-transgressor, ora pois.

Trailer maravilhoso. Sem mais. E atenção para o retorno do Jim/Cillian Murphy na marca dos 1:48. Não me arrisco a palpitar sobre o que se vê ali, mas é de arrepiar.

28 Years LaterExtermínio 3... bah! – conta com o ex-Mercúrio & ex-Kick-Ass Aaron Taylor-Johnson, a sensação Jodie Comer (de Killing Eve) e o grande Ralph Fiennes no elenco principal. A estreia está prevista para 20 de junho de 2025 lá fora.

Ps: já há uma sequência a caminho, chamada 28 Years Later Part II: The Bone Temple e está sendo dirigida pela Nia DaCosta.
Pps: tecnicamente, essa não é uma série de zumbis. São "infectados". Mas a tag está mantida para efeitos práticos.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Épico ROM na Epic


Chutão da Marvel no ângulo: o ROM clássico de Bill Mantlo e Sal Buscema terá uma versão Epic Collection pra chamar de sua. Está lá, entre as solicitações de fevereiro. ROM Epic Collection: The Original Marvel Years Vol. 1 será um brochurão de 432 páginas compreendendo as edições #1 a #20 de ROM (dez/1979-jul/1981)). Uma surpresa que ouriçou num êxtase cósmico os fãs do Cavaleiro Espacial. Todos os oito.

Brincadeira (?).

O fato é que o herói cibernético, mesmo nos Estados Unidos, sempre operou em escala modesta, pra marvete fanboy graduado. Quem dirá aqui no Brasil, 35 anos depois da última publicação. Boletos chegaram, fraldas e cabelos brancos também. Dos bravos guerreiros que sobraram, poucos ainda têm di$posição pra essa coisa de gibi. Então, a republicação via Epic Collection – formato bom-e-barato (você me entendeu) – acaba sendo um passe açucarado para a Panini.

Confesso que fiquei loucamente apaixonado pelos ROMNIBUS. Mas talvez não seja a reeedição épica que precisamos agora. Precisamos da Epic. Mesmo que seja suspeito o fato da Panini até agora não ter dado continuidade a nenhum de seus títulos da série. No caso do galadoriano cromado, seriam necessários ao menos uns 4 volumes para fechar as 75 edições originais*.

* Já fazendo vista grossa para a edição #38, com o crossover com o Mestre do Kung Fu, cujos direitos estão agora revertidos ao Sax Rohme Estate.

De todo modo, é interessante assistir essa nova lua de mel do casal Marvel-Hasbro (Masbro?) com jeitinho de pornozão em VHS embolorado. Ainda mais porque, nos últimos anos, a Casa das Ideias andou pulando a cerca do copyright e cometeu pequenas indiscrições aqui e ali. E acolá.


Esqueletos Armaduras do armário de Rick Jones em O Incrível Hulk #136

ROM Epic Collection é tudo o que precisávamos.

(...)

Se bem que “A Saga de ROM, o Cavaleiro Espacial” ® não soa nada mal. Nada mal mesmo.


Atualização 8/12

É, a Panini optou pela facada com giradinha: será ROMNIBUS, mesmo. Em três volumes. E$pectros me mordam.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

As muitas mortes de Lucy Chambers


The Devil's Hour chegou pra mim do jeito como tudo tem chegado ultimamente: através de um corte que os algoritmos julgaram que seria do meu agrado. O corte em si é bacana, mas não vende a série direito. As classificações "thriller, drama, sobrenatural" são um pouco mais específicas. E a sinopse é cuidadosamente superficial.

“Lucy Chambers é uma assistente social com uma família e um relacionamento problemáticos. Ela acorda todas as noites exatamente às 3:33 da manhã, depois de ter visões aterrorizantes durante a chamada hora do diabo. Seu filho de oito anos é retraído e não expressa emoções. Sua mãe fala com cadeiras vazias. Sua casa é assombrada pelos ecos de uma vida que não é a dela. O nome de Lucy está inexplicavelmente conectado a uma série de assassinatos brutais na área, e ela é atraída para a caça de um serial killer.”

O fator descoberta é a peça-chave no slow burn que o showrunner Tom Moran montou para a série (no Brasil, literalmente, A Hora do Diabo). Isso se reflete nas duas temporadas até aqui, com enxutos 6 episódios na primeira e 5 na segunda – não exatamente o padrão da Prime. O que torna um desafio tecer maiores comentários sem chafurdar em spoilers e estragar a experiência alheia. Mas os mais calejados, especialmente leitores de histórias em quadrinhos, têm uma boa chance de triangular a premissa básica logo no primeiro episódio.

Já volto aí.

A série britânica é uma cocriação de Moran e do produtor executivo Steven Moffat, de Doctor Who, e realizada através de sua companhia, a Hartswood Films. Ênfase em "série britânica". Destacar o nível de um elenco da terra do Rei Charles III é até redundância, mas vamos lá.

Jessica Raine foi um achado no papel da cativante, corajosa e sofridíssima Lucy Chambers, Peter Capaldi é a singularidade dramática de sempre, com seu Gideon Shepherd imerso em mistério e inteligência-flertando-com-a-insanidade. A química entre eles, remetendo ao clássico duo Clarice Starling-Hannibal Lecter, é qualquer coisa de espetacular.

Nikesh Patel como o obstinado detetive Ravi Dhillon experimenta uma interessante curva ascendente de dimensão no decorrer da série. O promissor Benjamin Chivers traz uma performance memorável, algo assustadora, como Isaac, o estranho filho de Lucy. Phil Dunster (o Jamie Tartt, de Ted Lasso) surpreende como Mike Stevens, o cruel pai de Isaac. E Meera Syal entrega um misto de racionalismo e ambiguidade como a psicóloga Ruby Bennett.

A narrativa tem sido chamada por aí de "monótona" e "maçante". Não achei, não acho e, tenho certeza, não acharei na vindoura (e última?) 3ª temporada. Mas certamente exige do espectador. Não porque é física quântica, embora tenha tudo a ver. É que ela se utiliza de recursos um tanto incomuns.

A trama requer (olha o palavrão, Gen Z-ers) atenção e muita paciência, porém jamais perde o foco e se desenvolve sem tergiversadas Lostianas. Os enigmas são desvendados lenta e metodicamente, não raro, abrindo novas questões pelo caminho. Todas bem difíceis de antever, mesmo que as respostas estejam em nossa cara o tempo todo. É tudo muito bem encoberto.

E, como dizem, o segredo é a alma do negócio.

The Devil's Hour in 33 seconds

“I wake up, I open my eyes, I look at the time and it is 03:33am.” 📺 The Devils Hour (28th October) 🎭 Jessica Raine, Peter Capaldi, Nikesh Patel

Publicado por Amazon Prime Video em Sábado, 22 de outubro de 2022

Até os teasers ficavam na defensiva.

Para maiores e, acho, melhores comentários, só com spoilers mesmo. Fiz uma seleçãozinha organizada por grau de risco.


⚠️ ⚠️ ⚠️ SPOILER CONSERVADOR ⚠️ ⚠️ ⚠️
Visão geral da premissa sem detalhes da trama

O título do post é revelador, admito. Não consegui resistir. Ao mesmo tempo em que é uma homenagem a uma HQ que gosto muito, tem tudo a ver com o conceito de vida, morte e renascimento de The Devil's Hour. E o precedente dos quadrinhos não para por aí.

É impossível não relacionar a jornada metafísica de Lucy à de Moira MacTaggert em House of X e Powers of X, de Jonathan Hickman. É o mesmo mecanismo de repetição da mesma vida ad eternum retendo as memórias das encarnações anteriores com todas as vantagens/desvantagens que isso traz.

Como notinha de rodapé, Hickman tampouco foi original. A ideia de alguém vivenciando um loop à Feitiço do Tempo de uma vida inteira surgiu primeiro no livro The First Fifteen Lives of Harry August, que a escritora inglesa Claire North publicou em 2014. Livro este que Hickman, em entrevista anterior a HOXPOX, disse que leu e achou "fantástico".

Logicamente que a North ficou, digamos, desnorteada com as coincidências. Minhas simpatias a ela.



☢️ ☢️ ☢️ SPOILER MODERADO ☢️ ☢️ ☢️
Visão geral do conceito sem detalhes da trama

"O tempo é simultâneo". O mundo (da cultura pop) nunca mais foi o mesmo desde que o Dr. Manhattan declamou essas palavras. Não deu pra conter o sorriso de satisfação quando Gideon usa um simples cadarço para explicar esse conceito para uma atônita Lucy.

Triângulo do Medo (Triangle, 2009) e Coerência (Coherence, 2013) são bons exemplos de abordagem deste conceito multiversal. Não porque são filmes mais do que divertidos, mas porque foram mais ousados do que a média.

Neste sentido, The Devil's Hour consegue ir ainda mais longe nas possibilidades. Praticamente um Fringe 2.0.



☠️ ☠️ ☠️ SPOILER ARROJADO ☠️ ☠️ ☠️
Detalhes da trama

Os "fantasmas" que assombram Lucy e outros personagens são ecos dessas linhas temporais simultâneas — ruídos de passados, presentes e futuros acontecendo naquele momento em realidades paralelas, coisa de louco. Esses ecos acontecem sempre que uma alteração anômala é feita na linha natural dos eventos. Quando Gideon, que se lembra dos fatos de suas vidas anteriores, passa a corrigir algo que julga errado, as pessoas diretamente afetadas por essas alterações acabam com os sentidos sensoriais amplificados. Daí elas captando ecos de outras vidas num primeiro momento (e possivelmente uma internação por esquizofrenia) e, com a orientação adequada, preservando sua memória de uma encarnação para a seguinte.

Isaac não consegue apenas ver os ecos em 8K, mas se teleportar para qualquer uma daquelas realidades simultâneas possíveis, em qualquer local ou ponto cronológico. Isso porque ele foi o mais afetado pelas ações de Gideon: Isaac não deveria nem existir. É 100% anomalia.

Uma excelente — e certamente incompreendida — sacada do roteiro foi a ordem dos fatores. A Lucy detetive e a Lucy assistente social se confundem o tempo todo. Mas ao contrário do que a montagem sugere, a Lucy assistente social é a sua 2ª encarnação. A Lucy detetive é a verdadeira Lucy "original", a primeira, a que perdeu a mãe quando criança. Mas só vamos ser apresentados a ela na 2ª temporada.

Gideon consegue alterar quase tudo, exceto algumas constantes. A principal delas é que, de um jeito ou de outro, ele sempre será capturado por Lucy. Sendo assim, a Lucy assistente social que vemos no início já é a Lucy alterada por Gideon para recrutamento futuro. Para tanto, ele salva a vida da mãe dela, mas altera mais coisas do que deveria no processo. Efeito Borboleta versão Mothra. Enquanto isso, o verdadeiro assassino continua à solta. Brincar de Deus não é mole.

Tudo isso é explicado por Gideon à Lucy assistente social e ao Ravi no interrogatório, no início da série. Mas naquele momento não temos a menor ideia do que ele está falando. Acredite, rever a série pelo menos mais uma vez é altamente recomendável. É outra história.

Na temporada 2, senti falta de mais Nick, o parceiro de Ravi. O simpático e bonachão Alex Ferns é um ladrão de cenas. Mas até entendo: a realidade em que Nick está morto é a única em que o assassino está perto de ser detido.

Assassino, aliás, que parece antecipar tudo, até mesmo à frente de Gideon, veterano de milhares de vidas. Minhas fichas no Isaac.



🟢 🟢 🟢 RESGATE DO POST 🟢 🟢 🟢
Fim dos spoilers


Não tinha a menor intenção de escrever sobre The Devil's Hour. A recepção foi positiva nos agregadores de críticas e rendeu um divertido fandom no Reddit, mas como é "lenta e chata" para alguns, preferi me resguardar de futuros processos por propaganda enganosa e elogios indevidos. O problema é que a série cresceu em minha mente como se fosse um fungo de The Last of Us. Quando bateu em analogias aos quadrinhos, decidi botar uma imagem e rabiscar duas ou três linhas. Mas a empolgação com as possibilidades continuou fervilhando e terminei arrancando o cabo USB do teclado.

O próprio post parece ter sofrido misteriosas alterações do tipo que se vê na série. Isso pega. Então, que venha mais Lucy Chambers, Gideon Shepherd e cia. O "futuro" promete.

Acho que dá tempo para uma 3ª assistida antes da 3ª temporada...

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Tempestades perfeitas


É preciso reconhecer a resiliência. Em meio ao sempre tempestuoso (ops) mercado de quadrinhos nacionais, a Editora Tundra chega ao 5º volume da espetacular série Storm Integral. Por aqui, a obra do influente quadrinista britânico Don Lawrence amargava num limbo editorial desde que foi publicada de forma incompleta pra Abril, ainda nos anos 80. Precisou uma modesta, mas valente, operação a quatro mãos – dos irmãos e sócios Luis Panigassi e Julio Cesar Panigassi – para assumir essa missão.

Missão aparentemente impossível, visto que o perfil de Storm tirava da jogada tanto as pequenas que se especializaram em bangue-bangue, thrillers e sci fi Bonellianos quanto as médias como Pipoca & Nanquim e Comix Zone, que preferem não se arriscar em séries longas. Com profissionalismo, tino editoral afiado e campanhas muito bem sucedidas, a Tundra se tornou o elemento fora da curva necessário para fazer acontecer. E aconteceu.

Até aqui, um trabalho irretocável.

Ok... pra não estragar a criança, só precisam ser mais realistas ao estipular a previsão de entrega. Desse jeito, está tão acurado quanto uma pesquisa eleitoral.

Ps: todas as edições estão disponíveis na loja virtual da editora.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

A marcha do Pinguim


Numa das cenas mais absurdistas de Gotham, o Pinguim é trancado em um carro e enfiado numa prensa de sucata. Entre vidros estourando, metal se retorcendo e um fiapo de esperança, o malandro se salva usando apenas a lábia e o celular. A cena é impagável. Da mesma forma, o Pinguim-lixeiro de Danny DeVito em Batman: O Retorno também já exibia sua notável habilidade de improvisação e adaptação contra todas as probabilidades. Houve até quem o desconstruísse minuciosamente como uma boa tese sociológica.

Pinguim eleva as apostas e é de longe o maior produto artístico e comercial do personagem. Quadrinhos inclusos, desculpe. A HBO se esforçou. A minissérie em 8 partes vai até mais longe – não consigo pensar em nenhuma outra melhor neste ano. A criadora e showrunner Lauren LeFranc, que roteirizou vários episódios de Chuck e Agentes da S.H.I.E.L.D., estava acostumada com o suprassumo do enlatado esquemático e seguro para as crianças, mas a julgar pelo território sombrio e impiedoso de Pinguim, parece que ela saiu direto de um The Wire ou de um Sopranos.

O elenco é um primor. Colin Farrell desaparece dentro de toneladas de enchimento, maquiagem, ambição, carisma e sociopatia de seu Oswald "Oz" Cobb (gosto de pensar que seu papel igualmente grotesco em The North Water foi um protótipo bem sucedido). Que ator. Ele e a incrível Cristin Milioti, como Sofia Gigante, ex-Falcone, conduzem as danças de vida e morte da história. E ainda tem a veterana Deirdre O'Connell como Francis Cobb, a mãe do Oz, Clancy Brown como Sal Maroni, Shohreh Aghdashloo como a sua esposa, Nadia, e uma ponta de luxo de Mark Strong como Carmine Falcone, papel que pertencia a John Turturro em Batman, mas que ele declinou do repeteco.

Entre os nomes menos conhecidos, o destaque inevitável é do promissor Rhenzy Feliz como Victor Aguilar, um quase-Jason Todd do Pinguim. E Carmen Ejogo, que dá show (no bom sentido) como a prostituta Eve Karlo. Mas é visível que todos estavam numa sintonia finíssima ali, de Farrell até o estagiário que serve o cafezinho.


Havia um teto máximo a respeitar, afinal, a franquia DC é logo ali. Os roteiristas precisavam lidar com liberdade parcial e a inevitável barrigada. Não era surpresa nem para o gafanhoto mais bobinho que a coisa teria que terminar mais ou menos como começou. Um pouco atualizada, talvez, mas com o status quo intacto. Por mais que o Pinguim fosse ameaçado, espancado, baleado, apunhalado, eletrocutado, etc, ele não poderia morrer numa minissérie. Os demais, no entanto... E esta foi a deixa para brincadeiras cada vez mais nervosas. E algumas boas escadas também.

Só no episódio 6, "Gold Summit", existem dois momentos espetaculares, com Ejogo e Milioti brilhando no tenso diálogo entre Eve e Sofia, e Farrell subindo pelas tabelas de todas as premiações possíveis com um discurso para os chefes das Tríades de Gotham. A situação, com Oz propondo uma aliança em ambiente hostil, me lembrou do mesmo cenário adverso de Al Pacino e seu antológico discurso em City Hall – ressalto, "me lembrou", não que é igual, pelo amor do Bart. Pacino ali vociferou para os deuses. Mesmo com um personagem tão picareta e corrupto quanto o Oz.

Curiosamente, Pinguim é bem mais violento na sugestão e na atmosfera do que na violência explícita per se. Ok, é violento, é HBO, mas a exaustão sensorial após cada episódio não nega: é um genuíno assalto psicológico. Gatilhos são disparados por pessoas quebradas, gananciosas, ambíguas ou simplesmente perversas. É isso é ótimo.

Por mais que seja divertido acompanhar as aventuras de Oz e por mais empatia que algumas de suas convicções possam gerar, a minissérie reafirma seguidamente a sua natureza monstruosa. O arrepiante flashback dele com seus irmãos e a reveladora cena do dedo no cortador de charutos não deixam dúvidas.

E muito menos a soturna cena no final, à beira-mar. Lembrando que aquilo não foi o seu pièce de résistance...


SPOILER — ...afinal, sua mãe o fez jurar que a mataria caso ela ficasse irreversivelmente doente. Coisa que ele não faz e dá outra dimensão àquelas lágrimas. Mais do que Vic e Sofia, ela é, de longe, sua maior vítima.


Apesar da leve pisada no freio no último episódio, Pinguim manteve a alta octanagem até o fim. Excelente que o Batman não deu as caras. Uma das piores coisas dos quadrinhos é quando o mundo é tratado com se fosse um ovo de codorna, com todos se esbarrando e heróis oniscientes e onipresentes, prontos para estragar toda e qualquer negociata suspeita de esquina. Oito milhões de pessoas vivem em New York. São Paulo tem 11 milhões e meio. Faça as contas. Além do mais, o Batsinal fica ainda mais brilhante no céu quando o desafio sobe de nível. E subiu. Muito.

Plano de carreira reestruturado, o Pinguim hoje goza o status de anti-vilão. Por essa nem Burgess Meredith esperava.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A última nota de Quincy Jones


Quincy Delight Jones Jr.
(1933 - 2024)

Se foi o Quincy Jones. Isso nem parece uma expressão de verdade. É quase como afirmar que "se foi a música" ou "se foi um instrumento". Lendário? Também é muito pouco.

Quincy não foi apenas o produtor, compositor e arranjador que moldou a cara dos anos 1980 com os estelares Off the Wall (1979), Thriller (1982) e Bad (1987), de Michael Jackson. E nem apenas o produtor e condutor de "We Are the World", um dos singles mais vendidos de todos os tempos. Do alto de seus 28 Grammys (e desculpe, mas, sim, isso vale muita coisa), a história de Quincy se confunde com a história da música pop contemporânea e da própria história da comunidade negra da América no século 20.

Neto de uma ex-escrava, a vida não facilitou para Quincy. Desde criança, quando vivia de pequenos roubos, até sua estreia na banda do jazzista Lionel Hampton e suas colaborações com nomes como Frank Sinatra, Ray Charles, Dinah Washington, Louis Armstrong, entre outros gênios, e ainda sentindo na alma toda a violência da segregação racial dos Estados Unidos, pode se dizer que Quincy fez e viveu o seu próprio milagre. Que vida. Que história.

Neste momento, é impossível não recomendar Quincy, documentário da Netflix co-dirigido por sua filha Rashida Jones (também uma ótima atriz) e por Alan Hicks. Se ainda não assistiu, recomendo demais. É excelente e imperdível.


Ninguém é eterno, lógico. Mas algumas vezes, vivenciar um momento histórico traz uma sensação de fim de festa absurdo e que daqui pra frente a ladeira abaixo será ainda mais íngreme. Essa é uma dessas ocasiões.

Rest in Power, Quincy Jones.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Velha Abril Jovem


Vou te dizer... os cortes e alterações dos gibis da Abril ainda me dão nos nervos, mas a diagramação, o letreiramento e os retoques – em condições 100% artesanais – eram incrivelmente agradáveis aos olhos. Especialmente aos olhos de um moleque com o conforto de um prático formatinho.

Os caras sabiam fazer.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Nobres Criaturas

Com estreia apenas em 5 dezembro na Max, Comando das Criaturas fez questão de entregar um trailer no bonde do Halloween ‘24.


No post sobre Lobisomem na Noite, sonhei acordado sobre como seria bacana se a DC chamasse o diretor Michael Giacchino para o... comando de um Comando das Criaturas. No fim das contas, a produção não virou um longa-metragem, tampouco um live action. É uma série animada em 7 episódios com o próprio James Gunn como roteirista e showrunner.

Apesar da mera existência do desenho parecer um arrojo, não é o 1º rodeio da macabra superequipe no formato. Em 2019, o grupo estrelou um dos curtas da divertidíssima série DC Showcase ao lado do Sgt. Rock. E com roteiro de Walter & Louise Simonson e Tim Sheridan e direção de Bruce Timm. Régua lá em cima, portanto.

Mas a prévia é deliciosa e o gore é de lamber os beiços. A nova formação, apesar de ser uma variação de qualquer Esquadrão Suicida, parece lindamente disfuncional: os desmortos A Noiva e Eric Frankenstein, a anfíbia Nina Mazursky, mais o Doutor Phosphorus, Robô Recruta e Doninha, queridinha(o) do Gunn. Todos sob a liderança de Rick Flag Sr. – pai do Jr., duh – e tentando impedir a feiticeira Circe de alguma coisa aí. Cara-de-Barro também dá as... caras.

Um curioso adendo é a dublagem de Viola Davis re-re-reprisando a sua Amanda Waller, hoje uma instituição DC. Em meio a tantos astros varridos para o limbo das adaptações, a sua versão da personagem passou incólume pelo fim do Snyderverso e pela Revolução Cultural de James Gunn. Façanha comparável à Poderosa e ao Pirata Psíquico sobrevivendo alegres e faceiros a Crise nas Infinitas Terras.
De resto, diria que só faltou uma frase de efeito estúpida e badass pra fechar a conta. Mas fuçando nas informações do vídeo...
“You wanted monsters? You got motherfuckin’ monsters.”
...acho que essa se enquadra no perfil.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Remember Di’Anno


Paul “Di’Anno” Andrews
(1958 - 2024)

Se foi, ou melhor, descansou Paul DiAnno, o eterno ex-vocalista do Iron Maiden. Para quem acompanha notícias sobre o mundo do heavy metal, não foi exatamente uma surpresa. O processo foi público, desgastante e abarrotado de velhas tretas que, inevitavelmente, definiram a sua imagem. Mas sabe o que dizem: quem não tem pecado...

A diferença do cantor para os Dave Evans da vida, é que ele tem dois clássicos absolutos no currículo: Iron Maiden, de 1980, estreia da Donzela, e seu sucessor, Killers, de 1981 – além de um dos LPs ao vivo mais espetaculares do metal, Maiden Japan, também de 1981. Estes serviram, literalmente, como matéria-prima para uma vida inteira.

Outra particularidade de Di’Anno estava em seu estilo vocal. Ao invés de seguir a escola Plant-Dio-Halford de seus pares da New Wave of British Heavy Metal, ele tinha uma pegada que, blasfêmia para alguns, era punk puro. Assim, não punk, puuuunk per se, mas transbordava atitude e crueza melódica. Impossível não associar.

O que não significava desleixo ou ausência de técnica. O hino “Phantom of the Opera” é, possivelmente, a música que melhor sintetiza os conceitos lírico e musical do Iron Maiden. Quiçá, do heavy metal tradicional como um todo. E com a voz assombrada de Di’Anno à frente, essencial.

Normalmente não seria lisonjeiro passar a vida sendo lembrado por duas obras lançadas há quase 45 anos. Mas neste caso, não poderiam haver lembranças melhores.

Essas, não são pra qualquer um.

R.I.P. Paul Di’Anno.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Lendas do Amanhã


“Quadrinhos de super-heróis enquanto mitos modernos do nosso mundo pós-Revolução Industrial personificando nossas esperanças, medos e ideais.”

Certeza que já vi isso em algum papo-cabeça McCloudiano ou no prefácio de alguma das trocentas reedições de Reino do Amanhã (alguém aí pegou a versão pocket?). É mesmo lapidar. E se existe um quadrinho que cabe à perfeição é a obra máxima de Mark Waid e Alex Ross.

O documentário The Legend of Kingdom Come promete estudar os processos de concepção e construção que deram origem a esta grandiosa saga de super-heróis, para muitos definitiva. Provavelmente. Entre as 5 mais, pelo menos. Certo, fechemos em 10.

A direção é de Remsy Atassi com produção executiva de Sal Abbinanti, o criador de Atomika: God Is Red, quadrinho indie resenhado aqui em posts imemoriais, e que é só agora soube ser o agente/gerente de negócios do Ross. Daí a presença massiva do reservado ilustrador nas promos do projeto, que além dele e do Waid, trará nomes como Todd MacFarlane, Bill Sienkiewicz, Jimmy Palmiotti, Amanda Conner, Paul Dini e outros – e tomara que entre esses "outros" esteja James Robinson, para quem o Ross propôs a ideia da HQ originalmente.

A campanha do doc no Kickstarter vai até o dia 25 próximo. Com a meta em US$ 50 mil e os apoios rasgando na casa dos 350 mil, as preocupações passam longe dos envolvidos. Mesmo assim, um projeto só acaba quando termina.

Quem acompanha a rotina de produções independentes e financiamentos coletivos sabe que o caminho até a sala de projeção pode ser longo e tortuoso. Vide A Riddle of Steel: The Definitive History of Conan the Barbarian curtindo um hiato eterno e o longa animado The Goon, 100% financiado pelo KS e que simplesmente desapareceu no limbo – este, realmente cheguei a tomar um porre no dia em que meta foi alcançada.

Se for o caso, só o Clark com o emblema preto e surtadão pra dar jeito.

domingo, 29 de setembro de 2024

Se vai uma estrela


Kristoffer Kristofferson
(1936 - 2024)

Se foi o Kris Kristofferson. Um dos últimos ícones americanos de uma geração em seus estertores. Ídolo absoluto do country, além de um dos atores mais bacanas da boa e velha "Nova Hollywood".

Kristofferson legou uma discografia extensa (e excelente) e uma filmografia premiadíssima e muito interessante. Logicamente, seus filmes mais lembrados são os sucessos Alice Não Mora Mais Aqui (Alice Doesn't Live Here Anymore, 1974) e Nasce uma Estrela (A Star Is Born, 1976), remake de uma produção de 1937, que, duh, estrelou ao lado de Barbra Streisand. Mas ele também protagonizou três clássicos de Sam Peckinpah – Pat Garrett & Billy the Kid (1973), Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia (Bring Me the Head of Alfredo Garcia, 1974) e Comboio (Convoy, 1978) – e o conturbado épico western O Portal do Paraíso (Heaven's Gate, 1980), de Michael Cimino. E ainda foi o chefão do crime que antagonizava Mel Gibson no divertido O Troco (Payback, 1999), entre muitos outros.

Sem contar que ele personificou o sidekick mais fodão de todos os tempos: Whistler, da trilogia Blade.


Como se o carisma e o talento não fossem o suficientes, Kristofferson ainda tinha algo raro: atitude. Ele foi o primeiro a apoiar a Sinéad O'Connor enquanto esta era vaiada pelo seu protesto contra os abusos da Igreja Católica.

Esse sim, foi um verdadeiro herói americano.

R.I.P. Kris Kristofferson

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A mágica de Oz


Normalmente comento séries só quando acaba a temporada. Por melhor que possa parecer no início, a coisa pode virar e terminar de uma maneira bem diferente. Mas vez ou outra é preciso abrir uma exceção: a estreia de Pinguim, da HBO, foi uma das premieres mais bacanas que já assisti. E não apenas no segmento das adaptações de HQs, mas no geral. Pura mágica narrativa da velha Hollywood.

O episódio "After Hours" se passa imediatamente após Batman (Matt Reeves, 2022). A trama se concentra no novo status quo de Gotham City após sua trágica inundação e a morte do chefão do crime Carmine Falcone, interpretado aqui por Mark Strong. O roteiro da showrunner Lauren LeFranc e a direção de Craig Zobel são cirúrgicos. Grim & gritty com gordura zero, o episódio segue a pegada dos grandes thrillers de crime e máfia. Tem uma estrutura meio Os Sopranos, é verdade, mas também bebe na jornada dos underdogs de Al Pacino em filmes do Brian De Palma como Scarface e O Pagamento Final.

Tudo nos seus devidos limites, evidente, mas sempre honrando as referências.

Colin Farrell, excepcional, mais uma vez desaparece em seu Oswald "Oz" Cobb. Se o episódio fosse apenas seu diálogo na antológica cena de abertura já sairia com o jogo ganho. A história também traz boas surpresas como o jovem dominicano Rhenzy Feliz no papel de Vic Aguilar e a participação especialíssima de Clancy Brown como Salvatore Maroni, antigo rival de Falcone.

Mas o grande trunfo neste início foi a Cristin Milioti assustadora no papel da psicopata Sofia Falcone. Uma força da natureza e uma ladra impiedosa de cenas.

Até aqui, uma horinha e pouco de um crime perfeito.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Hora Cero Semanal presenta...


A Netflix me pegou de surpresa com esse teaser trailer de O Eternauta. Ao exemplo do sempre visado Akira, há tempos parei de acompanhar as notícias sobre a adaptação. Talvez estivesse imerso em negação ceticista, certo de que submeteriam a obra-prima de Héctor Oesterheld e Francisco Solano López ao mesmo processo de pasteurização de tantos outros. Mas até que a prévia sinaliza um outro caminho – e talvez o caminho certo.

A série em 6 episódios é uma produção argentina com estreia prevista para 2025. É criada e dirigida pelo premiado cineasta Bruno Stagnaro, que também coescreve a adaptação com Ariel Staltari. Pelo pouco que se vê, fizeram um bom uso do orçamento nos efeitos. Juan Salvo, o protagonista da HQ, é interpretado pela instituição celeste Ricardo Darín. Não brincaram em serviço.

Resta saber se O Eternauta, a série, sobreviverá ao legado do material, publicado originalmente entre 1957 e 1959 e que foi largamente influente através das décadas. A badalada Falling Skies (2011-2015), por exemplo, é um completo rip-off da obra de Oesterheld/López. Principalmente no que tange às metáforas à luta contra o fascismo e o autoritarismo, tão presente no mundo atual.

Talvez, em uma justiça poética, seu possível sucesso até lance novas luzes sobre aquilo que realmente importa. Mas sendo fiel ao espírito do quadrinho, já está de bom tamanho.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Delboy nunca mais


Mike Mignola, uma garrafa de whisky e duas doses de amargura. Em entrevista ao Screen Rant, o criador do Hellboy fez uma turnê pelos natais passados: primeiro admitiu que ficou decepcionado com Hellboy II: O Exército Dourado (2008) e, depois, que as chances de Guillermo del Toro retornar à série original para fechar uma trilogia são quase nulas.

Num trecho particularmente tocante, fez uma DR bem intimista daqueles dias.
“Sendo capaz de olhar para trás agora, estou muito feliz com o tempo que passei com ele. Tivemos algumas aventuras, e eu acho que nós dois seguimos em direções diferentes. (...) É uma sensação muito estranha [onde] você simplesmente pensa, ‘Eu pensei que éramos amigos para a vida toda, mas eu nunca mais vou te ver de verdade’, e, infelizmente, eu acho que é meio que onde del Toro e eu estamos. Ele está em outro planeta. Estou muito feliz por conhecê-lo e trabalhar com ele quando trabalhar em um filme era com cinco ou seis caras, e não na carreira que ele tem agora.”
De fato, a atmosfera nos bastidores parecia transbordar brodagem.

Ainda assim, e por mais que tenha sido um divisor de águas para a sua maior criação, é melancólico ver o Mignola remoendo esse tópico mais uma vez. É meio um consenso geral que o Hellboy da versão do del Toro morreu há tempos. E isso não é necessariamente algo ruim.

Na entrevista, o quadrinista conta que ficou três meses trabalhando na pré-produção do 2º filme e que não viu nada daquilo no resultado final. Não surpreende, se "olhar para trás" com a sobriedade que só a idade traz.

Como aventura, o Hellboy 2004 batia na trave, salvo pelas boas caracterizações, produção esforçada e a transição daquele terror gótico dos quadrinhos. Uma transição a conta-gotas e com estética à Tim Burton, mas já era alguma coisa. O Exército Dourado, por sua vez, trocou esse aspecto por um clima de fantasia Tolkienesca. Tudo ficou suntuoso, onírico, inofensivo, fofo demais.

Cheguei à conclusão que del Toro fez aquilo que garantiu que nunca faria.


Lembro que escreveria uma resenha sobre o filme, mas fiquei com o editor de posts aberto por duas semanas sem conseguir redigir uma frase. Não queria falar mal, mas era impossível falar bem. Desisti.

Segui o conselho do velho monge de Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (2003). É um bom conselho.


E serve tanto para coisas quanto para pessoas, viu Mignola?

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Adeus, Baterista


John Cassaday
(1971 - 2024)

Inacreditável é pouco, mas é verdade. Se foi o John Cassaday. Só 52. No curto tempo em que esteve neste lugar, nos maravilhou com sua arte única, repleta de simbolismos e assaltos sensoriais. Nem Planetary de Warren Ellis, nem Surpreendentes X-Men de Joss Whedon, nem Eu Sou Legião de Fabien Nury seriam os mesmos sem ele.

A bem da verdade, qualquer HQ melhorava 300% com seu traço.

Uma porrada dessas por si só já demanda um tempo para assimilar. No mesmo dia da partida de outra emblemática figura então, é dose pra sobrecarregar qualquer buraco negro informacional.

Descanse em paz, Cassaday. E muito obrigado.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Ao mestre com carinho


James Earl Jones
(1931 - 2024)

Se foi o venerável James Earl Jones. Terminou hoje, numa segunda-feira outrora qualquer, uma longa, produtiva e incrível vida. É estranho pensar sobre isso da perspectiva de um admirador. Ser confrontado com a finitude nunca é fácil – não por "medo", mas pela constatação, em alto e bom som, de que o relógio está correndo. No caso de Earl Jones, em alto e bom som com vozeirão de barítono.

Definitivamente não é o caso de revisitar uma longa lista de seus trabalhos: Dr. Fantástico (1964), Claudine (1974), Conan, o Bárbaro (1982), Campo dos Sonhos (1989), seu icônico Darth Vader na franquia Star Wars e vários outros (inclusive as nabas) nunca saíram da minha grade de programação.

Mas a torrente de notícias sobre o fato me lembraram de uma bela exceção.


The Great White Hope (A Grande Esperança Branca, 1970). Um filmaço a ser revisto em breve – talvez junto com o impagável mezzo remake mezzo paródia The Great White Hype (O Trambique do Século, 1996), com Samuel L. Jackson. Sessão pipoca de primeira.

Fim de uma era com certeza. Mas eterno já há um bom tempo também.

Thank you for everything, James Earl Jones!

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A volta da Legião Alien


Quase não lembrava que o Predador e os Aliens são propriedade da Marvel desde 2020. Em que pesem dois crossovers de 2023 (Predator versus Wolverine e Predator versus Black Panther), a sensação de espera por material inédito com os Aliens foi de uns 57 anos. E finalmente veio, com pompa e muita circunstância: a mini em 4 partes Aliens versus Avengers tem roteiro de Jonathan Hickman com desenhos de Esad Ribić e a 1º edição chegou às lojas no finalzinho de julho, às vésperas da estreia de Alien: Romulus. Timing impecável. Esses editores Hyperdyne modelo 341-B com inibidores de comportamento são os melhores.

A trama se passa algumas décadas no futuro da "linha do tempo deslizante da Marvel"® e este primeiro capítulo é quase uma intro estendida. Após uma infestação sistematicamente plantada de Aliens, várias civilizações caíram, entre elas o Império Intergaláctico de Wakanda e a Terra. Mesmo os esforços dos meta-humanos foi insuficiente, dada a virulência da reprodução dos Xenomorfos. O planeta foi literalmente tomado por milhões de Aliens. Entre escombros de um mundo pós-apocalíptico, ainda persiste uma pequena resistência formada por Hulk, Capitã Marvel, Valeria Richards, o Homem-Aranha Miles Morales e por um sugestivo "Velho da Weyland".

Neste início, a pegada é de gibi cinematográfico, aos moldes do que Mark Millar fazia em seus tempos de Supremos. Muita ação, algumas dicas importantes espalhadas pelo caminho e um ou dois diálogos preparando os próximos rounds.

É bastante curiosa a efetivação da companhia Weyland no Universo Marvel. Parece que ela sempre esteve lá (e seu logo invertido para o "AVA" da capa reforça a impressão). O mesmo para a dupla de cientistas Shi'ar – e ainda considerando a real natureza de um deles – conduzindo experiências com Facehuggers impregnando Krees e Skrulls. É tão harmonioso e casual que chega a ser, putz, realista.

Esse "entrelaçamento quântico" de dois universos complexos chega a lembrar o mesmo mecanismo do clássico crossover dos X-Men com os Novos Titãs. Além de ser algo particularmente arriscado na perspectiva editorial.

Nos encontros dos Aliens com os super-heróis DC, como Batman, Superman e Lanterna Verde, foi dispensada a segurança do selo Elseworlds e a ação corajosamente se passa no presente da cronologia. Warren Ellis foi mais longe e usou os Aliens para fechar as contas do StormWatch.

Já Hickman, foi, digamos, mais conservador. Afinal de contas, a mini não é exatamente um What If...?. Não pegaria bem com os executivos da Disney um Xenomorfinho estourando o peito da Tia May e isso se tornando automaticamente canônico (viva!). Neste sentido, Aliens versus Avengers se aproxima do futuro sombrio da boa Saga dos Super Seven, da DC, com os super-heróis envelhecidos e derrotados num mundo tomado por uma invasão alien... ígena.

Quanto à adaptação, o próprio Hickman chegou a comentar: "foi complicado encontrar uma maneira de fazer essas duas coisas funcionarem juntas, mas acho que Esad e eu chegamos a algo que funciona para os fãs de ambas as franquias."

Ainda é cedo para um juízo de valor, mas, apesar da média alta, o roteirista parece ter sido pego na curva algumas vezes.

SPOILER

Por exemplo, se Valeria estava impregnada, por que os Aliens a atacavam?

FIM DO SPOILER

Evidente que é só a ponta do iceberg. E vindo da visão macro do Hickman, fiquei na pilha pelo escopo geral desse worst case scenario. O objetivo dessa edição #1 foi cumprido, portanto.

Aliens versus Avengers #2 chega às lojas (e às melhores importadoras do pedaço) em 6 de novembro. Looonge...

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Zeros e uns nos trouxeram até aqui


Em 30 de abril de 1993, a World Wide Web entrava em domínio público. Três meses antes, o Jesus Jones já antecipava em Perverse o admirável cybermundo novo que surgia no horizonte. Trinta anos mais tarde, temos que convir que não é exatamente admirável, mas tanto a WWW quanto o disco foram divisores de águas. Perverse é o mais ousado e ambicioso registro do grupo britânico. Caso tivesse dado continuidade às trips revisionistas de 1991 e 1992, ele seria presença certa na leva seguinte.

Aliás, fico admirado em saber que a banda também curte.

Perverse está numa lista dos “10 álbuns matadores de carreira” não é à toa. O Jesus Jones vinha de sensação alternativa no Reino Unido com o debut Liquidizer, de 1989, ao sucesso mainstream com Doubt, de 1991, puxado pelo hit “Right Here, Right Now”. Até ali, seu techno-rock (ou rocktrônica) era associado às cenas rave e indie dance, mas também tinha ressonância com o público das rádios e da MTV.

Com Perverse, a história foi diferente. O tom do álbum era denso e sombrio, com muita influência de industrial e trance. A capa, estranhíssima, trazia um luchador sob um filtro psicodélico e uma saturação vermelha estoura-retina.

O figura Mike Edwards (vocalista, letrista, guitarrista, tecladista, faz-tudo) experimentou uma imersão tecnológica completa. Escreveu tudo em casa usando um sampler Roland W-30. Foi o 1º álbum gravado inteiramente por computador, com exceção dos vocais. As faixas foram registradas em jurássicos disquetes de 3½ polegadas (lembra disso?). A produção ficou a cargo de Warne Livesey, que trabalhou em discos do The The e vários do Midnight Oil, entre eles o clássico multiplatinado Diesel and Dust. Ele certamente encontrou ali o material mais esquisito de sua carreira.

A obsessão de Edwards por ciberespaço e pela revolução digital imprimiu em Perverse contornos de álbum conceitual.

De cara, em “Zeroes and Ones”, ele prevê, com notável precisão, os impactos positivos e negativos da internet na vida das pessoas. “The Devil You Know” tem camadas trance, climas orientais e recortes de guitarra onde se percebe nitidamente a influência da banda suíça The Young Gods. As animadas “Get a Good Thing”, “Magazine” e “Don't Believe It” atualizam a velha sonoridade, as soturnas “From Love to War” e “Yellow Brown” navegam em ondas synth DepecheModescas, “The Right Decision” traz um groove electro infeccioso, “Your Crusade” é uma paulada pop/rave'n'roll, o tribalismo industrial de “Tongue Tied” emenda na raivosa techno com Ø BPM de “Spiral” e no grand finale com o épico progressive house “Idiot Stare”. Um álbum espetacular.

E complicado de tocar ao vivo. Do setlist atual, apenas três faixas comparecem. Como o próprio Edwards comentou, foi uma abordagem fascista: “'essa é a canção, nada mais importa'. Havia músicas no álbum que os membros da banda não tocaram." E mesmo nas exceções, a execução ainda é cabulosa.

É o caso de “The Devil You Know”, a música de Perverse mais próxima de um hit.


Em várias aparições na TV e mesmo no DVD Live at The Marquee, de 2005, o riff – na verdade, uma saraivada de guitarras sampleadas à “Skinflowers”, do TYG – soa precário ao vivo. A menção honrosa vai para a esforçada apresentação no programa The Word, na ocasião em que promoviam o single.

Mesmo inevitavelmente ultrapassado pelo futuro, Perverse ainda soa refrescante e intenso. Uma experiência memorável de ousadia eletrônica de uma banda de rock em plena era grunge.

E, ao contrário de todo aquele futurismo e tecnologia de ponta, tive a K7 original. Comprada na Mesbla.

Bons tempos, ainda que low tech.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

O culto ao Lagarto Mágico


Na zaga: Cook Craig, Ambrose Kenny-Smith, Michael Cavanagh e Lucas Harwood; No ataque: Stu Mackenzie e Joey Walker

Era mais fácil acertar na loteria do que antecipar o sucesso atual do King Gizzard & the Lizard Wizard. Esperaria isso de outras bandas cult ad eternum, tipo Gallon Drunk, The BellRays ou até o Squirrel Nut Zippers. Mas a evolução das espécies – e da indústria musical – tinha outros planos.

O sexteto australiano foi fundado por Stu Mackenzie, Joey Walker e pelo ex-integrante Eric Moore em 2010, quando estudavam indústria musical na Universidade RMIT, em Melbourne. Conheci em 2019, no pesadão Infest the Rats' Nest. Desde então, o grupo não saiu mais do play e das minhas listas de melhores do ano. E afirmo isso da forma menos deslumbrada possível, visto que os caras são ratos (ou lagartos) de estúdio: só em 2022 eles lançaram cinco álbuns. Contando com o excelente Flight b741, lançado este mês, eles já contam com 26 discos de estúdio. E olha lá se não desovaram mais algum enquanto termino de datilografar.

O mais impressionante é que cada registro trafega por um gênero diferente. Tem pra todo mundo: rock psicodélico, heavy metal, stoner, thrash metal, garage rock, space rock, música eletrônica, progressivo. E sem perder a identidade.

Mas nada é ao acaso. Além de multi-instrumentistas impecáveis, são operários 24/7, trabalhadores heavy duty. E é evidente que souberam, como poucos, ressignificar a desconstrução do disco ao seu favor.

O resultado são os shows concorridíssimos das últimas turnês – sold out na Europa e agora, nos Estados Unidos e Canadá. Ao que consta, o cachê atual da banda gira entre 150 e 300k (Bidens, of course) para datas na América do Norte. Abaixo da linha do Equador, deve ser o triplo do valor mais os rins e as córneas do público.

Mas até nisso o grupo resolveu subverter e está transmitindo cada apresentação do atual rolê em lives no seu canal do YouTube. A ação é qualquer coisa de espetacular. Seguem os shows de sábado e domingo últimos.




De Cleveland/Ohio a Newport/Kentucky são 402 km. Deve ter sido um corre daqueles. 24 horas de busão, toneladas de equipamentos, seis abençoados mais equipe. Operários mesmo.

Logo mais, tem outro.

Ps: as lives são removidas na sequência, mas sempre tem um samaritano que reposta. Lógico que não devem durar muito também.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Na Weyland-Yutani ninguém pode te ouvir gritar


Alien: Romulus é o melhor filme da série em 40 anos. Parece muito, mas não é tanto. E ainda por cima, relativo. Confira comigo no replay®:

Alien, o 8º Passageiro (1979) é um clássico do suspense/terror/ficção científica com Ridley Scott curtido no cinemão americano dos anos 1970. Aliens, o Resgate (1986) é James Cameron exercitando o melhor "bigger, stronger, faster" do mainstream hollywoodiano. Alien³ (1992), com um estreante David Fincher perdido numa produção caótica, é uma naba irredimível e, hm, irresgatável – o Assembly Cut de 2003 só expande o estrago. Alien: A Ressurreição (1997) é Jean-Pierre Jeunet: satírico, delirante, perturbador e não se leva a sério. O caça-níqueis Alien vs. Predator (2004), de Paul W. Anderson, foi uma tentativa de revitalização de duas marcas, bem como Aliens vs. Predator: Requiem (2007), dos irmãos Greg e Colin Strause. Ridley Scott à casa retorna no ambicioso Prometheus (2012) e no evasivo e fugaz Alien: Covenant (2017). Ufa.

Foram muitas transfusões de sangue ácido. Isso, porém, não afetou a força da franquia na cultura pop. Especialmente nas HQs e no multimiliardário mundo dos games.

O diretor uruguaio Fede Álvarez sabe disso e joga pra galera. Sagaz, ele seguiu a mesma diretriz que adotou em sua contribuição na franquia Evil Dead: o cânone é sagrado. Tanto a direção quanto o roteiro, co-escrito com o conterrâneo e parceiro de longa data Rodo Sayagues, dispensa invencionices e reviravoltas, optando por extrapolações em cima das regras do jogo. Seja na narrativa ou nos conceitos, Romulus é intimamente ligado aos filmes anteriores – mesmo o 4º, A Ressurreição, que se passa ainda mais no futuro. Não que o filme seja apenas para iniciados no universo do Alien, pelo contrário. É totalmente acessível. Mas é que flui delícia quando você tem aquela bagagem.

Aliás, pelo que pesquei por aí, o filme também tem relações com o game Alien: Isolation, protagonizado pela filha da Ripley, Amanda. E que ainda hei de jogar, com a benção de São Bishop.


Se Álvarez foi minucioso em sua pesquisa, em certos momentos, todas essas referências acabam estourando na telona como um chestburster. O diretor não é sutil em seu fanservice e o que deveria ser uma piscadela cool para o fandom, acaba soando redundante e desnecessário. É um recurso para ser usado com moderação. Nada que embace a experiência, contudo. O uruguaio é dos bons. Sabe administrar personagens e montar cenários de tensão como poucos de sua geração.

Romulus se passa no ano 2142 de Nosso Senhor, ou seja, 20 anos após os eventos de Alien e 37 anos antes de Aliens, o Resgate. Logo na abertura, vemos o que sobrou da nave-cargueiro USCSS Nostromo e aí, confesso, senti aquela baforada criogênica na espinha. Afinal, ali jaz um obelisco do fatídico destino dos tripulantes do filme original.

A história é protagonizada por Rain, uma jovem que tenta sobreviver em uma colônia de mineração de propriedade, adivinha, da megacorporação Weyland-Yutani. O ambiente é inóspito e repleto de doenças relacionadas à carga absurda de trabalho. Tudo é piorado por um sistema burocrático criado para impossibilitar a evasão de trabalhadores, remetendo à odiosa e muito real escravidão por dívida – coisa que só um latino se daria ao trabalho de transpor para um blockbuster. Órfã e acompanhada apenas de Andy, seu "irmão adotivo", Rain sonha em se mudar para uma colônia com um mínimo de qualidade de vida, onde se pode ver um sol e não precisa respirar pó de minério até solidificar a alma.

A oportunidade surge quando seu ex-namorado Tyler, ao lado da irmã Kay, do primo Bjorn e sua namorada Navarro, descobrem uma espaçonave da companhia à deriva e em rota de colisão com os anéis que circundam o planeta. A ideia é alcançar sua órbita antes do choque e catar as suas câmaras de crioestase – o único modo de burlar os 9 anos necessários para chegar até a colônia independente Yvaga ("céu" ou "paraíso" em guarani!). Chegando lá, descobrimos que o lugar passou por um inferno de Aliens e Facehuggers. E ainda não saiu dele.

Uma coisa que Alien e Aliens, o Resgate (e, neste mérito, O Predador também) legaram aos jovens cineastas é o valor de um coadjuvante. Mesmo com o espectador antecipando quem iria pro saco já nos primeiros minutos de filme, o carisma do personagem era tão grande que batia aquela dorzinha no coração quando o mesmo virava presunto. É uma arte que se perdeu com o tempo, infelizmente. Em Romulus não é diferente, embora tenha boas atuações e motivações do pequeno núcleo principal.


A ótima Cailee Spaeny, que tem feito um 2024 impecável, honra a camisa e o underwear das heroínas da série. E o britânico David Jonsson brilha no papel de Andy com duas composições assustadoramente diferentes. O modo como o roteiro usa a sua natureza como um mecanismo para o desastre é nada menos que espetacular.

O filme também é bastante engenhoso em criar situações com deadline curta/sendo encurtada e literalmente mordendo os calcanhares. São momentos de quebrar o encosto da cadeira. A dinâmica das cenas em gravidade zero é sensacional. Como se não bastasse, Romulus traz as maiores sequências de ação Facehugger da série. Os sirizinhos transudos finalmente dominaram os holofotes e nunca foram tão esforçados em tela. Francos candidatos ao próximo Oscar.

Já na parte das extrapolações em cima do cânone, a coisa fica ainda mais interessante e, por que não, controversa.


☣️ ☣️ ☣️ SPOILERS ☣️ ☣️ ☣️

Rolou uma celeuma online por causa do uso da imagem gerada por IA do saudoso Ian Holm como o andróide Rook. Sou totalmente a favor dos atores em relação ao uso indiscriminado de IA, porém o caso foi de inserção digital póstuma. E numa referência óbvia a um dos personagens mais icônicos de sua brilhante carreira, o psicopático robô Ash, do 1º filme. Essa passa, junto com o Peter Cushing/Moff Tarkin virtual de Rogue One. São homenagens, pô.

A substância negra extraída pela Weyland-Yutani de um casulo Alien nos destroços da Nostromo remete à arma biológica criada pelos Engenheiros em Prometheus/Covenant. O que talvez explique a semelhança facial do The Offspring (o grotesco híbrido humano-xenomorfo) com os gigantes albinos. Gah!

Um dos efeitos negativos da volta dessa substância é o fato dos Facehuggers agora serem escuros, sendo que a cor de pele humana meio amarelada que eles sempre tiveram era muito mais aflitiva. Inclusive, em determinadas cenas, os Aliens ficam parecendo o Venom.

E o mais grave: a fascinante cenografia biomecânica criada pelo gênio H. R. Giger deu lugar a um reboco de piche disforme e genérico. Blasfêmia.

Casulo Alien pós-troca de pele. Boa adição ao mythos! E rendeu a nervosa e nojentíssima cena da colonoscopia elétrica que culminou na morte de Bjorn.

Na saída do cinema, pensei: Aliens respeitando um trabuco não faz sentido. Mas lembrei que provavelmente foi o que eles enfrentaram quando tomaram a estação. Os ETs cabeçudos não são burros.


☣️ FIM DOS SPOILERS ☣️


Mesmo em suas poucas deficiências, Alien: Romulus incita bons papos de boteco – só para, no final, chegar à conclusão que valeu muito o preço (salgado) do ingresso. Sem contar que os efeitos são de cair o queixo. É um filmão que merece ser visto numa telona.

Foi maravilhoso e inesperado esse reencontro com a franquia em grande forma. E mais ainda a vontade de conferir o filme no cinema de novo. Fazia um tempinho que não rolava...