segunda-feira, 1 de abril de 2024

Para os que ficam


Edward R. Piskor Jr.
(1982 - 2024)

Se foi o Ed Piskor. Voluntariamente. Com apenas 41 anos.

Descrever a rápida saga que levou à sua implosão profissional e pessoal é exaustivo só de pensar a respeito. O jornalista, escritor e tradutor Érico Assis montou um fio compreensivo e prático.

Li alguns trechos da carta de despedida. Só consegui ver ressentimento, instabilidade e imaturidade. Talvez com razão – talvez não. Muito ainda será discutido a respeito e termos como cultura do cancelamento, tribunal da internet, saúde mental, vitimização e/ou culpabilidade da vítima serão atirados no ventilador com toda a força.

A repercussão desse caso ainda vai durar um bom tempo no escrutínio público. E não poderia ter vindo em pior hora para alguns ex-queimados estão ensaiando um retorno à cena. A verdade é que ninguém sabe ainda como fazer isso direito. Piskor não soube.

comentei aqui: adorava o Cartoonist Kayfabe que ele dividia com o ex-amigo Jim Rugg. E considero Hip Hop Genealogia e X-Men: Grand Design alguns dos quadrinhos mais importantes das últimas décadas. Mas estaria mentindo se afirmasse que, para mim, a fruição dessas obras não sofreu um baque com as escolhas de vida (e de morte) do autor. Como tantos outros antes dele e, temo, depois também.

Da mesma forma, também não sei o que fazer sobre isso. Não ter controle sobre uma situação é foda.

Descansa em paz aí, Ed Piskor.

6 comentários:

Igor Valente disse...

Pelo que entendi (eu não li o relato da moça) ele trocou mensagens com ela e não passou disso. É inadequado um homem adulto ter conversas mais íntimas com alguém de 17 anos? Considero que sim, mas isso não faz dele exatamente um pedófilo ou abusador.

Penso que o que pode ter pego pesado pra ele foi muito mais a repercurssão junto aos seus, já que ele cita vários quadrinistas que o atacaram, do que alguma culpa por ter feito algum tipo de mal à menina em questão. A verdade é que, por tão pouco, penso que ele talvez não tivesse atentado contra a própria vida se a cabeça já não estivesse bagunçada.

Além disso, essa cultura nojenta do "cancelamento" virtual faz mais uma vítima. E esse é um mal que não faz distinção ideológica, pois de um lado, temos o moralismo tacanho, hipócrita e obscurantista da direita e do outro, uma necessidade patológica de monopolizar virtudes por parte da esquerda, cuja militância (cada vez mais midiática) pratica um jacobinismo perigoso, pois a guilhotina tb pode cair sobre as cabeças dos juízes virtuais em algum momento onde estes se mostrem falhos já que (ainda) humanos.

Igor Valente disse...

Quanto ao Jim Rugg, que fazia o Cartoonist Kayfabe com ele, que deixou o Ed queimar na fogueira e se afastou para não ser pego no fogo cruzado dos juízes virtuais, faltou a ele coragem e lealdade para com o "amigo". Não seria a mesma situação do Neymar pagando a fiança de um estuprador condenado. Mas, ao mesmo tempo, o Jim Rugg, como qualquer figura pública na internet, está à mercê do julgamento irresponsável dos canceladores. Isso é absolutamente preocupante, pois, em que pese o fato de que nós sempre devemos ter responsabilidade com nossas opiniões e falas públicas, há com isso, um temor que tem prejudicado até mesmo a produção criativa, onde palavras proibidas, atitudes controversas e falhas puramente humanas são colocadas no mesmo balaio onde nazistas, estupradores, racistas e assassinos se amontoam. Com isso, blinda-se a possibilidade de qualquer debate racional que possa trazer luz à tais problemáticas.

rock4you disse...

Acredito que o finado PC Siqueira pudesse escrever uma carta de despedia iria fazer algo semelhante afinal o caso (dadas as proporções) é extremamente parecido. No tribunal da internet todos são detentores da moral e dos bons costumes.

Provavelmente todos os paladinos da justiça que apontam os dedos tem sujeiras mais obscuras abaixo do tapete a ser reveladas. Sem contar outros famosos do meio que querem se aparecer em cima de alguém que já está sepultado.

A questão é : quem cancela os canceladores?

doggma disse...

Isso, aliado ao anonimato ilusório da internet, cria a tempestade perfeita. Todos os monstros saem dos porões. Nessas horas, hipocrisia é mato.

Os casos Piskor, PC Siqueira e Jéssica Canedo/Choquei guardam semelhanças sinistras no processo de linchamento virtual X instabilidade psicológica/emocional. Isso não anula o fato dos dois primeiros terem feito merda (PC, na infeliz conversa vazada que deflagrou tudo), embora, felizmente, não tenham cometido crime. No final, suas maiores vítimas foram eles mesmos.

Saúde mental faz toda a diferença. Valorizemos.

"Quanto ao Jim Rugg, que fazia o Cartoonist Kayfabe com ele, que deixou o Ed queimar na fogueira e se afastou para não ser pego no fogo cruzado dos juízes virtuais"

Igor, pelo que entendi de um trecho da carta, Piskor exime Rugg de qualquer ressentimento. Ele foi conversar pessoalmente com o Piskor sobre a sua decisão, ao invés de mandar um SMS com emoji de carinha triste. Foi homem numa situação insustentável dentro da área deles.

Assino embaixo da sua observação sobre a polícia moral da esquerda e da direita. Estão todos doentes.

Luwig Sá disse...

Tenho comigo que essa sanha de estar em todos os lugares virtuais, de redes sociais à produção de conteúdo, a médio e curto prazo, são bombas de autossabotagem que muitos armam e não sabem ao certo como desarmar. Como você bem disse, Piskor é só mais um que não soube que fio cortar e acabou cortando o próprio fio da vida.

Tudo piora quando o seu ganha-pão está atrelado à imagem pública que tenta-se construir. O pavor de perder o seu pote de ouro ou, vá lá, o receio de sequer não conseguir ganhar algum têm destruído vidas. Pessoas que querem criar um canal com métricas que rendem bons dividendos, que geram engajamento... Perfis sobre o nada, mas que viram fortunas da noite para o dia... Profissionais clássicos que, agora, precisam vender o seu peixe, enquanto driblam o chat GPT ou a concorrência de megastores...

Viver já foi mais fácil. Viver desconectado era mais fácil.

Eu tento me blindar disso, tendo só uma rede social e a usando apenas para extravasar rapidamente algo que li ou assisti. Às vezes, para xingar o Flamengo. Tudo, claro, com muitos filtros, palavras silenciadas e blocks diários. Fora que, por muito pouco, o meu lance com podcast não saiu do controle, imaginando que isso poderia ser mais do que era. Quando a frustração começou a bater no psicológico, voltei atrás e decidi fazer o mínimo possível, me cobrando menos... Até porque ninguém estava me cobrando nada.

Então, voltando a história trágica do Piskor, só posso imaginar - com zero coragem de ler a tal carta - o turbilhão de pensamentos ruins que passaram na cabeça do sujeito. Antes tivesse tido a mesma cabeça fria do Warren Ellis que foi defenestrado por uma verdadeira turba - da qual tinha, sim, razão de estar furiosa - e, hoje, ele está aí voltando a ter uma presença digital, inclusive, divulgando seus novos trabalhos.

Sem fazer qualquer defesa no caso do falecido, o lance foi tão mal explicado que nem deu tempo de algum veículo sério fazer uma matéria com fatos realmente confiáveis. Creio que, daqui para frente, dificilmente veremos algo que o inocente ou coloque mais lenha numa fogueira que ainda nem tinhas brasas.

Da minha parte, acho que preciso indicar mais a leitura de Unfollow e torcer que esse gibi salve algumas almas por aí.

Abração.

doggma disse...

"Perfis sobre o nada, mas que viram fortunas da noite para o dia..."

"Quando a frustração começou a bater no psicológico, voltei atrás e decidi fazer o mínimo possível, me cobrando menos..."

Há uma geração de influencers cabeça-de-vento por aí com as contas bancárias abarrotadas e o psicológico em frangalhos. Pensar em como essa pressão interna afetaria a longo prazo pessoas com ideias e conteúdo cultural relevante chega a ser assustador.

Seu trampo com podcast é singular, cara. E qualquer aviso vem de bom grado. Se for pra seguir na 1ª marcha, que seja. O resultado vale a pena.

Também não li a carta na íntegra... Eventualmente lerei. Do pouco que li, me pareceu que estava ainda de cabeça quente – uma péssima hora para tomar qualquer decisão mais séria do que abrir umas latinhas e assistir umas lutas da WWE. Em uma ou duas semanas, a perspectiva será outra.

Ando acompanhando a volta tímida do Ellis. Ele teria de recomeçar uma hora, afinal. E quem sou eu para miguelar redenção pro homem do Planetary?

Pô, adoro os filmes do Victor Salva. E o que ele fez (e pagou) foi pior que todos esses juntos. Quadrinhos, cinema, esportes, música... é muito esqueleto no armário.

Haja Unfollow.

Abraço!