quinta-feira, 17 de abril de 2025

Trailer de família

Hoje é o dia dos trailers inesperados. Fantástico!


Quarteto Fantástico enfim numa adaptação live action decente e sem tergirversar o material original de Stan Lee e Jack Kirby. E com um crescendo climático que os Vingadores levaram dez anos para construir nas telonas. A Marvel Studios parece dar os primeiros passos para reencontrar o caminho.

É um alívio finalmente ver o Pedro Pascal menos gaiato e mais sério e cerebral com seu Reed Richards. Reed é um racionalista chatão arrogante, pô. Gostamos dele assim. Já Vanessa Kirby soa meio gélida e indiferente como a Sue Richards. A ver. Joseph Quinn acerta no alvo com o Johnny Storm e o Coisa visualmente perfeito de Ebon Moss-Bachrach carece de mais diálogos. A Shalla Bal/Surfista Prateada (já falei que é Luminaris!) ficou bacana e praticamente reedita o pique-pega com o Tocha Humana no filme do Quarteto de 2007. Não vi sinal do John Malkovich. E o rolê Galáctico pelas ruas de NY fecha com um tiro de Nulificador Total.

Além disso, a vibe de recap retrô me dá a impressão de que adotaram a ótima Quarteto Fantástico: História de Vida como bíblia de produção.


Expectativa lá no alto, portanto. Droga.

65 Dias Antes

Trailer novo e novamente espetacular de 28 Years Later (Extermínio 3... bah!²). Agora com maiores e aterradoras infos sobre aquele bravo mundo novo arrancando tinta do spoiler.


É preciso admirar o marketing da produção, que teve a sagacidade de resgatar o elemento mais comentado do 1º trailer (exatamente 1 frame mostrando um possível Cillian Murphy faquir), expandir aquilo e ainda promover a thumb da prévia! Fizeram o dever de casa direitinho.

A dinâmica pai-e-filho dos personagens de Aaron Taylor-Johnson e do guri Alfie Williams vagando por uma terra maldita recheada de territórios autônomos, pra mim, foi um gatilho quase imediato para o universo de The Walking Dead. Irônico, visto que as franquias tiveram pontos de partida idênticos, com Rick/Jim acordando de um coma em pleno apocalipse zumbi/infectado. Nunca esqueceremos.

Mas Extermínio (bah!³) veio antes.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Predador de matadores


Pela prévia, a animação Predator: Killer of Killers parece um bom aperitivo para o longa live action Predator: Badlands, previsto para novembro. Ambos são co-escritos e dirigidos pelo Dan Trachtenberg, de Predador: A Caçada, o que é uma grande referência.

Não sou lá muito fã dessa tendência de animações em 3D com baixo frame rate, mas é ranhetice minha. Arcane e Samurai de Olhos Azuis usam essa técnica e são excelentes. E meu sonho era ver o honorável Hiroyuki Sanada de samurai fatiando um Yautja no Japão feudal, mas essa versão digital genérica vai ter que dar pro gasto. E ainda terá ninjas. E uma batalha aérea contra uma nave predadora. E pelas empalações e torsos decepados, a Disney+ liberou geral para a Hulu.

Ok, noves fora, acho que já temos algo lá fora e que não é um homem. E se sangra...®

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Kilmer Eternamente


Val Edward Kilmer
(1959 - 2025)

Se foi o Val Kilmer. Não sou muito fã da expressão "descansou", mas no caso dele, que a justiça seja feita. Os últimos dez anos da sua jornada foram um daqueles exemplos lapidares de coragem e resiliência – muito maiores do que qualquer herói que ele tenha personificado.

Na 1ª vez que vi o Kilmer não teve nada de épico ou dramático. Pelo contrário. Foi rolando de rir com o impagável Top Secret! (1984), do trio ZAZ. Não perdia uma reprise. E nos dias seguintes, ficava comentando as melhores cenas com os colegas da escola.

Logo veio uma sequência matadora com Top Gun (1986), o 1º apavoro dramático com The Doors (1991) e o sensacional faroeste Tombstone (1993). Em 1995, já absorvido pelo estrelato, vieram Batman Eternamente e o clássico drama policial Fogo Contra Fogo. Em 1996, experimentou um caos maior que o de Jim Morrison nas gravações desastrosas de A Ilha do Dr. Moreau e emendando como pôde em A Sombra e a Escuridão, com o Michael Douglas. E por aí foi. Sua filmografia é tão extensa quanto variada.

Kilmer tinha fama. Não era um sujeito fácil. Também era obviamente talentoso. E, de fato, colaborava com os direitos dos nativos americanos e com causas ambientais. Fora que doou milhões para a caridade.

Vai fazer falta pra muita gente. E não apenas pelos filmes. Isso que é legado.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Ruptura e perda


Caindo dentro de Ruptura/Severance após uma seca de quase três anos. Apesar da abstinência (ou Síndrome de Estocolmo, não sei), aguentei um pouco mais até o final desta 2ª temporada para mergulhar na experiência como se deve. Pretendo voltar aí, mas antes tenho que interromper as atividades para sublinhar este episódio 9, "Chikhai Bardo". É um espetáculo de narrativa e recortes.

Dirigido melancolicamente por Jessica Lee Gagné e com um roteiro devastador de Mark Friedman e do criador Dan Erickson, o capítulo é protagonizado pela Dichen Lachman (Gemma/Ms.Casey, finalmente!), Adam Scott (Mark S.) e Jen Tullock (Devon, irmã de Mark), afinadíssimos.

É um ensaio sobre vida, morte, luto e escolhas. E é perfeito. Este é um episódio muito bonito. E muito triste.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Medicare don't care

Sempre parece que algo errado não está certo quando somos lembrados que a maior economia do mundo tem um dos mais sistemas de saúde mais onerosos do mundo. É o que senti quando noticiaram que o grande Peter David precisou recorrer ao GoFundMe para cobrir suas despesas médicas.


E é o que sinto agora ao ver o também grande Mike W. Barr seguindo a trilha em direção à terra prometida da vaquinha gringa.

Não tá fácil pra ninguém... ou melhor, it's not easy for anyone.


Para meros mortais, são quantias vultosas – no câmbio de hoje, 860 mil cruzeiros na meta de David e 200 mil cruzados novos na de Barr. Para a Marvel e para DC, onde ambos fizeram contribuições inestimáveis e lucrativas até hoje, uma ninharia.

Claro, a questão é muito mais complexa que isso. Envolve contratos da época e direitos de autor na legislação daquele país. Temas que, convenhamos, poucos têm a competência para discorrer sobre. Ainda mais pro bono.

Só sei que no meu caderninho da justiça, o conjunto da obra desses dois já deveria garantir uma cobertura vitalícia.

terça-feira, 25 de março de 2025

Seguidores em série


Abrupto como uma aparição no meio de uma estrada deserta: divulgado o pôster de They Follow, sequência de It Follows, a sensação indie de 2014. E que sensação. Sem nenhuma major por trás, o filme de David Robert Mitchell arrecadou 23 milhões de doletas de bilheteria, dezoito vezes o seu valor de produção. Além do público, também ganhou as graças da crítica, um cult, hã, following dedicado, além de catapultar a Maika Monroe para o estrelato, quase. Mas, como bom aprendiz de iconoclasta, não curti.

Nunca entendi como o filme conseguiu notas tão boas. Parecia alguma fissura americana em ter seu próprio Deixa Ela Entrar original, o seu próprio mythos cult. O filme trai suas regras internas seguidamente e a sensação de tempo jogado pela descarga no final é incrível. Fora as tecnicalidades ectoplásmicas. Pra começar, é um espírito maligno que se machuca quando leva tiro na cabeça (e sai sanguinho). E se tem uma entidade assassina que só você vê e que nunca para de te seguir (tá, a ideia é boa), que tal reunir os amigos, ir à praia, dar as costas ao mundo e sentar de frente para o mar?

Sem contar a apatia da geração Y empesteando o filme inteiro. Foi a parte mais difícil de aguentar. Haja Prozac. Este é meu post-pra-falar-mal. Já posso dormir sossegado.

Mesmo com tudo isso, fiquei surpreso pela volta ao conceito após longos 11 anos. O figura David Robert Mitchell, diretor, roteirista e produtor, resistiu bravamente à tentação. E aos boletos.

As filmagens estão previstas para este ano. Por enquanto, não há muitas infos. Originalidade não parece despontar no horizonte, tanto pelo retorno de Maika Monroe ao papel quanto pelo próprio pôster, com latente inspiração poltergéistica, além, é claro, do batismo desavergonhadamente carpentesco.

E se o original desenvolvia uma metáfora ao medo do HIV, HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis, o título da continuação cai como uma luva no atual medo do cancelamento. Outros tempos.

Seja como for, It Follows e They Follow (interessante como o "S" do nosso plural age em sentido inverso aí) é mais um caso de trapalhada da versão brasileira. Aguarde por um Corrente do Mal 2, o título mais burocrático e tedioso de todos tempos – ao passo que em Portugal deve sair com um polivalente e fidedigno Vão Seguir-te. E novamente os lusas vão se sair melhor.

terça-feira, 18 de março de 2025

A Balada das Fúrias Femininas


Agosto de 1994 foi um divisor de águas. Naquele mês, saía a polêmica Green Lantern #54. Ao mesmo tempo em que a edição choca os leitores com a morte brutal de Alex DeWitt, a namoradinha do Lanterna Verde Kyle Rayner, também dá uma nova carreira à cabeleireira Gail Simone. Seu website Women in Refrigerators – título sem rodeios e autoexplicativo – leva o fato um pouquinho pra fora da bolha nerd e rende contatos com figuras-chave da indústria. Alçada a roteirista, Gail tem breves passagens pelo gibi dos Simpsons e pela Marvel, até que, em 2003, assina com aquela mesma DC Comics da historinha brutal, onde está até hoje.

Claro que a DC não é a única editora historicamente misógina e sexista. A Marvel, tradicionalmente mais progressista, também tem sua cota de esqueletos femininos no armário. Mas é na DC que, por algum motivo, a passada da boiada sempre manteve o cardio em dia. Um exemplo é que logo após cooptar Gail Simone, a distinta publicou a minissérie Crise de Identidade, de Brad Meltzer, com toda a sorte de atrocidades às quais a personagem Sue Dibny foi submetida.

Quando o assunto é idade de consentimento, então, a coisa vira mato. O que queriam fazer com a Mary Marvel foi além de qualquer sensatez. E que o diga o amor-estranho-amor de Slade Wilson e Dana Markov, Hal Jordan e sua bimbo de 13 anos Arisia Rrab (mais tarde, embaraçosamente "consertada" por Geoff Johns para 240 anos!) e prefiro nem mencionar o Terry Long, pelo amor de Nabokov.

A raiz disso tudo parece remontar a uma época em que o escoteirão Superman flertava com suas jovens primas Supergirl e Poderosa como se fosse o sugar daddy das galáxias. Aquele agosto de 1994 pode ser sido um divisor de águas para Gail Simone, mas para a DC, era uma terça-feira qualquer.


São algumas viagens que ficaram após a leitura de As Fúrias Femininas, mini em 6 partes publicada em 2019 lá fora e compilada pela Panini em abril de 2021 aqui dentro. E minhas expectativas com o quadrinho eram o exato oposto desse papo. Com a guarda de elite de Darkseid em pose épica e ameaçadora na capa de Joëlle Jones, imaginei uma aventura de ação militar-espacial 2000 ADística, curta, grossa e divertida. Mas o roteiro da escritora, diretora e indie rocker Cecil Castellucci prefere explorar a cena pelos bastidores. O que, a priori, é uma ideia ótima e, ao mesmo tempo, perigosamente desafiadora.

Poucos terrenos das HQs são tão férteis para analogias ao preconceito de gênero (ou a qualquer preconceito) e à luta pelas causas femininas (ou a qualquer causa) quanto o inferno totalitário de Apokolips. Em particular, as Fúrias Femininas parece que nasceram para isso. A abordagem de Castellucci fica evidente no logo nas primeiras páginas, com a Vovó Bondade supervisionando a 1ª formação da equipe: Auralie, Lashina, Bernadeth, Harriet Louca e Grande Barda. Ah, esses nomes.

Enquanto conclui anos de treinamentos mortais, Bondade relembra seus próprios perrengues em nome da ascensão social e profissional – incluindo éons de humilhações e gaslighting de seus camaradas até a submissão sexual para o chefão de pedra chapiscada.

Paradoxalmente, as Fúrias eram, de certa forma, "protegidas" pelo treino e condicionamento extremos. Quando são oficialmente apresentadas, passam a conhecer o mundo-cão-machista no qual Vovó Bondade se graduou.

Dentre elas, a maior vítima é Auralie, alvo constante de assédio e estupros por um oficial da alta cúpula. Apesar das tentativas de trazer alguma justiça para seu caso, Auralie só encontra indiferença por parte de Bondade e repúdio das demais Fúrias. Sororidade passa longe das hostes apokoliptianas. A única que desenvolve alguma empatia (tardia) é Barda, já a um passo de seu relacionamento com o Senhor Milagre e do passaporte para a liberdade na Terra.


Castellucci teve bastante cuidado com o momentum de sua trama. Tudo está muito bem encaixado na cronologia sem influir nos eventos clássicos. A HQ começa com o assassinato da mãe de Darkseid, Heggra, a mando do próprio. Depois, Scott Free inicia sua parceria com o líder rebelde Himon. Até a sofrida Auralie tem o mesmo destino de sua encarnação original, em Mister Miracle #9, de maio de 1972. Detalhes extras bacanudos que mostram que a roteirista leu todo o Quarto Mundo de Jack Kirby com atenção e mucho gusto.

A coisa só patina um pouco nas elipses da narrativa, nos entrequadros. Alguns cortes são muito truncados, fora que algumas ideias chafurdam no absurdo, como a sequência envolvendo Auralie, Barda e um cadáver desovado num cometa (!). O desenlace é puro nonsense da Era de Prata.

A arte da paulistana Adriana Melo é eficiente e esteticamente agradável – sua "jovem" Vovó Bondade é qualquer coisa de espetacular e implora por arcos com missões solo. A exceção são as cenas de luta, confusas como as de um gibi do StormWatch ou do Justice (lembra disso, Vicente?). A artista também evita aquelas panorâmicas industriais/tecnomedievais de Apokolips, um personagem à parte das sagas Kirbyanas. Se conscientemente ou não, vai saber. Mas ela, com absoluta certeza, teria cacife.

No final, surpreende ver que a chamadinha de capa "A Revolução no Quarto Mundo!" não fica apenas na promessa. A tal revolução, furiosa e feminina, realmente acontece, embora destoe da cronologia jogando tudo pra conta de um provável Elseworld. Uma ousadia que não consegue suprir totalmente a sua (enorme) ambição. Não foi dessa vez.

Deixemos isso, ainda, com a Martha Washington de Frank Miller e com a Halo Jones de Alan Moore. Mas valeu a tentativa.

quinta-feira, 6 de março de 2025

DD volta ao trabalho


Demolidor: Renascido chega para assumir uma bronca de longa data da Disney+. Não é de hoje que o conteúdo Marvel da plataforma vem sendo hostilizado por uma legião insatisfeita de fanboys da editora – uns quatro ou cinco que gritam por 400 ou 500, em média. Entre as acusações, a de que a megacompanhia não teria cojones para lidar com o material urbano casca-grossa-macho-bagarai dos quadrinhos. Pois bem, só nos primeiros quinze minutos já tem mais porradaria e sangue do que em Pinguim inteiro. E no final das contas, só prova, pela enésima vez, que apenas isso não é garantia de nada.

É preciso louvar o esforço da Disney para agradar o público ao restaurar o Demolidor da Netflix enquanto sincroniza com os eventos do MCU. Charlie Cox e o Wilson Fisk de Vincent D'Onofrio já são habituées na nova casa e a produção reescalou a Vanessa da bela Ayelet Zurer e o sinistro Mercenário de Wilson Bethel. Tudo em nome dos bons tempos.

O resgate também incluiu, logicamente, a Karen Page de Deborah Ann Woll e o Foggy Nelson de Elden Henson. Eles voltaram. Mas não muito, só um pouco. Quase nada, pra ser franco.

O negócio é que recaiu sobre a dupla a decisão mais controversa deste início de temporada. Logo de cara. Quem conseguir passar por esta provação de última hora, será recompensado. De alguma forma.


Mesmo com inserções de CGI ruim, o tira-teima Oldboyesco entre Audacioso e Poindexter é eletrizante, visceral e sem freio. O tenso diálogo entre Fisk e Murdock num restaurante vem da excelente inspiração em De Niro e Pacino na cena clássica de Fogo Contra Fogo. A referência ao Justiceiro e aos desdobramentos daquele símbolo no mundo real não passou despercebida, tampouco. Cojones.

Outra boa sacada foi levar à trama o dilema legal do vigilantismo na figura do Tigre Branco Hector Ayala – papel póstumo do ator porto-riquenho Kamar de los Reyes, morto em 2023. Pra mim, pelo menos, foi uma grata surpresa: o Tigre Branco sempre foi um dos meus personagens B prediletos.

Problemas? Alguns de ritmo, sim. O Rei do Crime se candidatando/vencendo para prefeito nova-iorquino em velocidade de dobra, por exemplo. Da mesma safra do vilão dando entrada no xadrez e se tornando o rei do lugar em 30 segundos nos seus áureos tempos de Netflix. Deve ser algum superpoder de carisma setado no nível 11. Mas dá pra abstrair.

Principalmente quando o payoff são sequências como o cliffhanger do ep. 2. Uma catarse brutal e libertadora seguida da "Get Free" do The Vines na orelha. Puro exibicionismo.

Quero mais.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Eles estiveram lá


Mesmo com todos os contratempos e probabilidades, o feito de Walter Salles, Fernanda Torres, Selton Mello & cia na noite do Oscar foi histórico. A campanha foi irrepreensível e Fernandinha foi magnífica, sobrenatural (o jet lag vai ser monstro). Marcelo Rubens Paiva e a sua família mereciam demais.

E o Brasil também.


Agora vamos, por favor, guardar esse sentimento. Nosso cinema agradece.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O herói do cidadão comum


Eugene Allen “Gene” Hackman
(1930 - 2025)

Foi a primeira notícia do dia pra mim. 95 anos, 50 de carreira e aposentado há 20. A partida do Gene Hackman é aquela notícia inevitável e até esperada, mas que ninguém queria receber, nunca.

Sua carreira extensa e recheada de clássicos se confunde com a própria História do cinema americano do século 20. Das produções da "Nova Hollywood" setentista, à década dos excessos seguinte e longas indie disputando sua agenda com blockbusters de ação, Hackman era uma força da natureza. Seja no drama, na comédia, em policiais, no faroeste, em thrillers de suspense e espionagem, era sempre um masterclass. Como bem disse Clint Eastwood, ele não entregava uma única nota fora do tom.

Talvez mais do que isso, a figura durona, enérgica e pouco sofisticada do astro trazia uma simplicidade que tinha bastante ressonância com o homem comum. Seja como anti-herói ou vilão, a conexão com o sujeito era quase imediata.

Só o Gene para arrancar lágrimas do espectador logo nos primeiros segundos de um filme de guerra. E sem dizer uma única palavra.


Eu cresci vendo esse homem trabalhando. E foi uma honra.

Obrigado por tudo, Gene Hackman.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Para Karla Sofía Gascón, obrigado por tudo!

Ainda não assisti Emilia Pérez. Apenas acompanhei, junto com o planeta, o desmonte público de sua estrela (cadente) Karla Sofía Gascón na corrida pelo Oscar. Polêmicas à parte, só agora acordei: o diretor do filme, Jacques Audiard, tem dois longas espetaculares no currículo: O Profeta (Un Prophète, 2009) e Ferrugem e Osso (De Rouille et D'os, 2012), obsessões que cultivei com muito carinho num grupo de e-mails que participei.

Seguem minhas impressões rápidas & rasteiras da época conservadas em carbonita pelo Gmail.


22 de jan. de 2011 — O Profeta. Impressionante como uma premissa tão simples (novato "se educando" na prisão) ainda pode render tanto. Mas não é por acaso. O roteiro é um primor. Consegue lidar com situações complexas com uma acessibilidade notável, sem soar didático e sem fazer concessões. E as atuações são fantásticas. A tensão entre os dois protagonistas, Malik e Luciani, é de gelar a espinha. O que foi aquele tiroteio, cara. Puta que os pariu. Filmaço. E o último resquício de credibilidade que o Omelete tinha foi pro saco.*

* mas isso faz tempo, hein.


19 de fev. de 2017 — Ferrugem e Osso é muito bom. Um Rocky realista com foco na Adrian. Drama contundente e concussivo, pungente e pugilista. E a Marion Cotillard é fantástica demais.

De lá pra cá, reassisti ambos algumas vezes e sempre achei a experiência ainda melhor que anterior. Já está na hora de revisitar.

Valeu o lembrete, Karla.

Ps: gafanhoto(a), fecha logo esse navegador e corra atrás desses filmes no streaming/torresmo mais próximo!

Leiturinha matinal


Curtinhas da Laerte quando ainda era o Laerte. Benzetacil de nonsense e felicidade na testa. Ganhei de sorteio do Guia dos Quadrinhos.

O lado "ruim" é que destravou uma vontade implacável de mergulhar em minhas velhas edições da Circo, Chiclete com Banana e Piratas do Tietê... que estão no ponto mais difícil da Cordilheira das Caixas – na última fileira embaixo, no canto.

Academia pra quê.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A vinda do Fantástico

Trataram logo de tirar o Coisa do meio da sala.


Não passa despercebida a atitude Die Hard Silver Age à James Gunn no trailer de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos. Não tenho a menor dúvida que o diretor Matt Shakman mergulhou de cabeça nessa fonte. Sem medo de ser feliz, a produção assume todo o colorido, o farsesco, o H.E.R.B.I.E. e o Ben Grimm mais fiel aos quadrinhos desde o Quarteto Furado do saudoso Roger Corman. Assume o fantástico, enfim.

Confesso não estava dando a mínima para a proposta. Mas até a estética retrofuturista, calcada no genial Syd Mead, ficou linda. Só perde mesmo para a Sue Storm Vanessa Kirby, uma mulher nada invisível para 400 talheres. Agora o filme tem a minha atenção.

Se bem que aquele Galactus, assim, na seca, sem nem um drinkzinho antes, ativou os sensores de alerta do Edifício Baxter...

sábado, 25 de janeiro de 2025

A longa caminhada


Pareceu uma eternidade. E foi. Em 2023, quando Silo fechou sua excepcional 1ª temporada, não economizou no cliffhanger. Deixou o espectador perdido num limbo de tensão, incerteza e horror, com um de seus personagens mais queridos marchando para a morte certa. Em outras palavras, fez o dever de casa com proficiência sádica. A expectativa, já alta, foi ampliada pela greve da SAG-AFTRA, que paralisou a indústria e atrasou o lançamento da 2ª temporada em mais de um ano.

De lá pra cá, não teve fórum e lista de discussão que suavizasse a abstinência. Estávamos todos no mesmo barco. Ou melhor, silo.

A série da Apple TV+ é uma adaptação da trilogia escrita por Hugh Howey, composta pelos livros Silo, Ordem e Legado, todos publicados no Brasil. A saga será condensada em 4 temporadas (a 3ª está sendo filmada neste exato momento). Se o mundo não acabar até lá, é provável que saia pelo 1º semestre do ano que vem. É tentadora a vontade de cair logo de cabeça no material original. Porém, o esmero na produção, a construção dramática, a dinâmica em tela daquele universo e o nível absurdo das atuações garantem o payoff. Mas será difícil resistir. Ainda mais após este season finale arrasador em que as apostas foram triplicadas.

É verdade que os mecanismos do roteiro estão mais visíveis, utilitários. A pegada é bem diferente da ação e da urgência impressas na eletrizante 1ª temporada. O desafio agora era realocar toda a premissa do ponto A até um ponto B para estourar num ponto C. O resultado foi uma desacelerada no ritmo da série e a evolução do plot em detrimento da evolução individual de cada personagem. É temporada-entressafra.

Apesar da puxada no freio de mão, foi um movimento necessário. Como sabemos, adaptação de livro não é bolinho. Mesmo assim, esta 2ª temporada traz as pauladas mais contundentes da série até aqui.

Spoilers às 12 horas apenas para membros do Clube do Silo.


Um dos melhores aspectos da série é não embromar no pós-cliffhanger. Em regra, a história é retomada exatamente do ponto onde parou, sem enrolação ou elipses safadas. A 2ª temporada já começa a mil, respondendo várias questões que assombravam o espectador e outras que ele sequer sabia que existiam. A sequência de abertura, com o clímax da revolta civil de um silo, é tão espetacular quanto trágica. A transição da cena para a protagonista Juliette Nichols caminhando pela Terra devastada é nada menos que arrepiante. Personagem esta, não custa lembrar, defendida com sangue, muito suor e lágrimas pela maravilhosa Rebecca Ferguson.

Aliás, pobre Juliette. Pobre Rebecca.

Com o foco mais na trama do que nos personagens, elas foram as maiores prejudicadas. Assim mesmo, no plural com TDI. Presa a uma interminável lista de side quests e outros contratempos (de infecção e doença descompressiva até uma flechada!), Juliette não tem nenhuma evolução pessoal durante a temporada. Tudo é arquitetado para adiar até o último episódio seu retorno triunfal ao Silo. Dá pra sentir na pele toda a sua frustração e inconformismo sempre que é obrigada a resolver mais um perrengue complicado justo quando precisa correr contra o tempo.

Em contrapartida, é nestas cenas que a atriz supervaloriza seu passe numa performance física invejável – em boa parte sem dublês, trabalhada na força do Girl Power mesmo. Do primeiro ao último episódio, a mulher só faz trabalhar e arriscar o seu lindo pescocinho. Sem dúvida, suas participações na franquia Missão: Impossível renderam frutos.

O contraponto da Nichols nesta 2ª temporada é novamente Bernard Holland, chefe de TI do Silo e o real manda-chuva do faraônico construto. Interpretado de forma brilhantemente paranoica por Tim Robbins, ele luta contra o símbolo de liberdade que Juliette se tornou após seu exílio mortal. Um símbolo que não fica nada a ver para a máscara de Guy Fawkes. Bernard, o retrato da máquina fascista, é um personagem ambíguo em seus extremos. Tem o dom de enxergar o grande quadro, porém isso o arrasta para sacrifícios cada vez mais hediondos em nome da integridade do Silo. As cenas que ele divide com a Juíza Mary Meadows (da austera e classuda Tanya Moodie) são uma pintura dramática. Particularmente, a belíssima e comovente cena do jantar. Uma obra de arte em movimento. Que atores.

A trajetória de Bernard nesta 2º temporada é um passo a passo de como os regimes autoritários, por mais equipados e eficientes que sejam, inevitavelmente caem. Irônico como as instruções do Pacto para desarticular rebeliões a cada 20 anos se encerram num ciclo dentro de um ciclo – afinal, Bernard também descobre que não está e nunca esteve no topo da pirâmide, sendo ele próprio uma parte descartável das engrenagens.

O que nos leva ao inesperado retorno do personagem Lukas Kyle.


Nem de longe antevia sua volta e muito menos a importância que teria nos rumos da série. Lukas é como aquele reserva recém-saído da base que entra aos 43 minutos pra marcar o lateral e acaba fazendo o gol do jogo. Interpretado com inteligência e discrição por Avi Nash, o personagem protagoniza o momento mais revelador e impactante da série. E, adivinha, uma das únicas exceções àquela regra da elipse pós-cliffhanger. Foi por uma boa causa, já que este segredo é revelado aos poucos e, literalmente, até os últimos segundos do season finale.

Dica importante: vale a pena um recap, ao menos das cenas-chave. Muitos fragmentos de informação pertinente são espalhados ao longo da temporada e só são plenamente compreensíveis quando se encaixam. E ao menos que você tenha memória eidética, vai se embolar. Ao rever algumas partes, me surpreendi com a quantidade de pistas valiosas soterradas pela trama principal. Novamente, aquele negócio: narrativa literária versus transposição live action.

Do elenco regular, Chinaza Uche com seu Xerife Paul Billings mantém a passividade da temporada prévia, agora resvalando na quase irrelevância. Pena. O mesmo pode ser dito em relação a Common como (!) o agora Juiz Robert Sims. Seu trunfo, no entanto, é sua esposa Camille, interpretada com diligência por Alexandria Riley. Astuciosa, com uma inteligência emocional e uma visão estratégica afiadíssimas, Camille passeia com facilidade pelos territórios mais cinzentos. Aos poucos, se mostra um dos segredos mais bem guardados da série. Já Shane McRae como Knox e Remmie Milner como Shirley, os líderes revoltosos da Mecânica, continuam naquele mix de coragem, impulsividade e burrice. Com o passar dos episódios, acabam se afinando (inclusive, entre eles). E a inglesa Harriet Walter segue roubando cenas como Martha Walker, mecânica veterana e a mãe postiça de Juliette. E rende algumas cenas de confronto memoráveis com Tim Robbins.

A novidade da vez é a participação especial do sumido e subestimado Steve Zahn no papel de Solo, último sobrevivente original do silo vizinho. Dá para presumir o mistério que o cerca com alguns episódios de antecedência, mas seu desenrolar é pontuado de forma magistral. Chocante até. E está diretamente ligado à épica sequência de abertura da temporada. Quanto ao grupinho dos "Garotos Perdidos" é meramente funcional. Está lá apenas para atrasar o corre da Juliette. E encher o saco do espectador.

Não dá pra deixar de mencionar também o surpreendente epílogo da temporada. Sendo sincero, achei que era alguma falha de streaming – ou, no caso, compressão. Após trocentas horas imerso em tons sépias e escuros (nota: assistir Silo de dia, sem cortina blackout, é impossível), foi surreal ver cenas dos dias atuais na série. Acachapante a sensação de irrealidade. E adicionou uma generosa leva de peças faltantes ao quebra-cabeça.

Não faço a menor ideia de como isso vai acabar. Mas a jornada está incrível.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Hoje o mundo ficou menos estranho


David Keith Lynch
(1946 - 2025)

Se foi o grande David Lynch. E escrever isso traz uma sensação tão surreal quanto seus filmes. Há tempos o homem virou uma ideia e, como ensinaram, ideias não morrem.

Lynch nunca teve a menor intenção de agradar, pelo contrário. Esse negócio de zona de conforto não era com ele. Fez videoclipes, projetos para a TV, toneladas de curtas, comerciais e até webséries, mas, paradoxalmente, contabilizou apenas dez longas em 57 anos de carreira. Mas que longas.

A estreia radical já com Eraserhead (1977) e seguindo com o humano O Homem Elefante (1980), seu divisivo Duna (1984) que cresci assistindo e adorando, o platô de perfeição cinemática atingido em Veludo Azul (1986) e Coração Selvagem (1990), a série-evento Twin Peaks (1990-1991), os labirintos neo-noir de A Estrada Perdida (1997) e Cidade dos Sonhos (2001) até a ternura raiz de História Real (1999); todos brilhantes aos seus modos e obsessões.

Ainda não assisti a saideira, com Império dos Sonhos, de 2006, nem o seu retorno a Twin Peaks, em, duh, Twin Peaks: O Retorno, de 2017. Mas tive um último aperitivo de luxo: sua ponta como o lendário cineasta John Ford, na melhor cena de Os Fabelmans (2022), de Steven Spielberg.

Lynch é, fácil, um dos caras que mais reassisto na vida. E o fascínio segue o mesmo. A mágica, a estranheza e a transgressão não vão se exaurir nunca.


Bravo, Mr. Lynch!