Assisti a 1ª temporada de Silo há alguns dias e minha cachola ainda está fervilhando. Vou além: neste momento, tudo o que queria era contratar os serviços da Lacuna, de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, e apagar esses 10 episódios da memória. Só para experimentar tudo de novo do zero, clean install. Não que a série de Graham Yost seja um diamante perfeito, não mesmo. Mas ela envolve até a medula. Já chego lá.
Silo é co-produzido pela AMC para a Apple TV+, cada vez... +... ganhando terreno da concorrência com seu catálogo diversificado e interessantíssimo.
A história é uma adaptação da série de livros Wool, iniciada em 2011 pelo self-made bestseller Hugh Howey. O escritor é relativamente novo no mercado – suas primeiras publicações datam de 2009 – e já registra um volume de produção impressionante. Molly Fyde, The Sand Chronicles, Beacon 23 e Wayfinding são algumas das séries de livros que ele vem lançando sem parar. Todas autopublicadas em parceria com a Kindle Direct Publishing, do nosso tubarão do varejo predileto, e em acordos diretos com distribuidoras. Mas foi Wool, com seus nove títulos (e mais um a caminho), que acertou em cheio a Maçã.
Inicialmente, a obra seria adaptada para o cinema pela finada Fox. Graças aos céus pela fome do rato corporativo. O conceito de um mundo fechado, opressivo, Orwelliano, pós-apocalíptico, se desenvolve muito melhor de forma seriada. É um caso que lembra, inclusive em premissa, a graphic novel O Perfuraneve, de Jacques Lob e Benjamin Legrand, adaptada para os dois formatos live action.
Wool também ganhou quadrinização escrita por Jimmy Palmiotti e Justin Gray com desenhos de Jimmy Broxton. Saiu pela Grande Irmã mesmo.
Rebatizar Wool para Silo foi, sobretudo, providencial. Além de funcionar igual para uma porrada de idiomas, é uma palavrinha que captura a essência da série, inclusive sua natureza misteriosa e claustrofóbica. O tal Silo é uma estrutura subterrânea abismal que abriga 10 mil pessoas distribuídas em 144 níveis. É uma comunidade autossustentável administrada pelos xerifes de cada setor, pela prefeita, pelo chefe de TI e pelo temível Judicial. Tudo é controlado com rédea curta, da taxa de natalidade ao acesso à informação, inclusive as de natureza histórica.
A ambientação e as condições são muito similares às do filme Cidade das Sombras (City of Ember, 2008), com Bill Murray e Saoirse Ronan. Que também foi adaptado de um livro, The City of Ember, de Jeanne DuPrau, lançado em 2003, oito anos antes de Wool. 🧐
🧐 E se fosse elaborar mais, apontaria que o caso repete ipsis litteris o que ocorreu com o livro/filme Running Against Time (1986/1990), e o livro/série 11.22.63 (2011/2016). Mas isso é papo para outra vez.
O Silo existe há gerações imemoriais. Ninguém sabe quem o construiu, nem por quê. O que se sabe é que houve uma grande revolução interna em determinado momento. Para prevenir novos distúrbios, os chamados Fundadores criaram o Pacto, um calhamaço de leis draconianas para serem seguidas à risca. Entre os maiores crimes, estão a posse de objetos pré-revolução, de brinquedos a HDs (comumente ligados ao passado pré-Silo), a busca por informações sobre as origens do lugar e até avanços tecnológicos/científicos não autorizados.
Mas ainda existe a ofensa mais grave, que parafraseia o nosso Capitão Nascimento: pedir para sair.
Tudo o que os habitantes do Silo conhecem do mundo exterior está exibido em monitores ligados a uma única câmera. O alcance do equipamento é limitado: o pouco que se vê é uma paisagem estéril e inóspita. Quem se atreve a sair, mesmo com traje de proteção, morre fulminado após 1 ou 2 minutos. Mas não sem antes atender um último pedido dos residentes, que é levar um pano para limpar a lente da câmera, já bastante empoeirada (por motivos óbvios) – daí o substantivo "Wool", de tecido de lã, em contraponto com a gíria "Wool", de coragem, determinação, caráter.
Isso parece remeter diretamente à engenheira Juliette Nichols, personagem defendida pela atriz sueca Rebecca Ferguson.
Em Nichols, Ferguson desenha uma autêntica anti-heroína, mas orgânica, com seus traumas, falhas e valores pessoais lhe servindo de guias – ou obstáculos, dependendo da situação. Já é uma das minhas personagens favoritas dos últimos anos. Infelizmente, não dá para esmiuçar os detalhes sem comprometer a experiência inteira.
Em geral, costumo fugir de premissas mystery box que enrolam o espectador ad eternum, mas o caso de Silo, assim como o de Ruptura, é de puro talento mesmo. Cada episódio é, no mínimo, um espetáculo técnico e artístico. O design de cenários e figurinos é absurdo, com muita influência steampunk. E o elenco brilha na escuridão.
É impossível não passar a temporada inteira pensando no Xerife Holston, personagem de David Oyelowo, e sua esposa, a técnica de TI Allison Becker, da talentosa Rashida Jones. Só assistindo para entender a extensão desse elogio. Outro destaque é a britânica Harriet Walter, que confere humanidade e sabedoria como Martha Walker, veterana engenheira elétrica e uma figura materna para Juliette. Já o ator e rapper Common, mesmo carismático, se limita a uma austeridade meramente clichê com seu Robert Sims, o ameaçador chefe de segurança do Judicial.
Quem é escolado, sabe exatamente por que o Will Patton está ali no meio, como o Delegado Marnes. Provavelmente o telefone do Sean Bean estava ocupado. O exato oposto é o ator escocês Chinaza Uche, como o delegado aspirante Paul Billings. Pai de família exemplar, Billings é um ex-associado do Judicial. Apesar de adepto fervoroso do Pacto e do sistema, ele esconde que é portador da Síndrome, uma condição que causa tremores e o desqualifica para o cargo. Papel ambíguo e repleto de camadas, que Uche potencializa com discreta maestria. Uma atuação imensa que vai se revelando (bem) aos poucos.
Sem maiores comentários sobre o grande Tim Robbins no papel de Bernard Holland, o pragmático chefe de TI. Apenas que Robbins não é um calouro em futuros autoritários e distópicos. E que, além disso, também figurou no elenco subterrâneo de Cidade das Sombras...
Claro que é preciso comentar sobre o início, o meio e o fim com aqueles SPOILERS MOLEQUES NO TEXTO OBSCURECIDO.
No desktop e notebook é só marcar o texto. No celular, é Até a próxima, pessoal!
Para mim, David Oyelowo e Rashida Jones entregaram as melhores atuações da série. E isso é um problema, já que ambos vão para o céu distópico logo nos dois primeiros episódios (!). O trabalho dos atores foi tão marcante que fica a expectativa de que eles retornarão vivos e serelepes na reviravolta final. Vai querendo.
Amo a Rebecca Ferguson (ei, Becky, luv u!). Até hoje, sua assustadora e sexy Rose Cartola, de Doutor Sono, não sai da minha cabeça. Mas Juliette e seu tom introvertido, com um certo TEPT, não coaduna com o de sua contraparte mirim, interpretada pela ótima Amelie Child-Villiers. Nada que atrapalhe, porém.
Toda a sacada da Martha Walker mobilizando esforços da Mecânica para trocar as fitas de vedação e salvar a vida de Juliette no mundo exterior foi antológica e emocionante. Mas nunca é explicado por que o ar externo é tão letal. Pela velocidade das mortes, dá para descartar radiação e patógenos. Só pode ser algum agente químico, desses de uso militar. Porém, quando Juliette cruza a borda da cratera, se vê ao longe a silhueta de uma metrópole em ruínas (que já descobriram ser Atlanta — https://imgur.com/a/KwSPW1i ), o que inviabiliza minha teoria. Em parte.
Outra tese que foi para o vinagre é a de que tudo não passava de um O Show de Truman pós-apocalíptico. E que o personagem de Robbins exercia o mesmo papel de Ed Harris naquele filme(aço). Parecia uma boa.
Fica claro que o holograma de uma Terra verdejante e cheia de vida é exibido apenas no visor do capacete (que tecnologia, hm?). Mas não explicam a motivação de todo esse engodo para alguém com apenas mais alguns segundos neste plano. Conforto na hora da morte seria uma explicação, se o Judicial ou o TI tivessem alguma empatia por alguém. É mais provável que seja um incentivo para o condenado limpar a câmera e revelar para todos os internos a linda paisagem que só ele está vendo. Que sacanagem.
Na cena final, é revelado que eles são vizinhos de vários outros Silos – no mínimo 18, se considerar a numeração do HD-MacGuffin com o desenho estrutural da edificação. Inclusive a porta gigantesca que jaz nas fundações do Silo deve ser a ligação com os demais. Neste caso, eles são, literalmente, "vizinhos de porta".
E por que a tal porta sempre foi mantida fechada e deliberadamente apagada dos registros? O que escondem os outros Silos? Ou quem...
Se na próxima temporada (já confirmada) ao menos metade destas questões for respondida, topo até um tour pelo Silo.
2 comentários:
Depois que terminar o Cangaço novo vou dar uma xeretada...valeu.
Estou fazendo o sentido inverso e agora que vou começar com o Cangaço...
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