quinta-feira, 25 de maio de 2006

O CÓDIGO DEU ÁGUA


É... deu água...

Há filmes que resolvo assistir sem saber absolutamente nada a respeito. Assim corro atrás daquele sentimento tão raro de surpresa coroado com um "Caramba... que filmaço!" que há tanto tempo não sinto. Hoje em dia, especialmente depois da internet, é praticamente impossível para um cinéfilo conseguir isto, ainda mais quando se trata de um filme adaptado do maior hype dos últimos tempos. A expectativa era altíssima e, ao contrário do que fizeram com Batman e vêm fazendo com , o material de divulgação não revelara muito a respeito, o que é bom. Como não consegui assistir na estréia, a curiosidade não me impediu de ler críticas aqui e ali, onde destacavam-se quase unanimemente as opiniões negativas. Desta vez, agradeci aos céus por ter lido antes, de modo que já torcia o nariz na véspera, quando fui chamado para assistir o filme. Isso deu uma inversão de fase na expectativa: Eu tinha o dever pessoal de assistir, mas se antes esperava muito, agora esperava um lixo e só essa inversão conseguiu fazer com que eu saísse do cinema com a leve impressão de que a experiência havia sido boa - não sei bem se por causa do filme ou se porque sentei próximo à Danni Carlos. Legal olhar na cara de alguém e pensar "Já te vi semi-nua no Paparazzo!".

Claro, passadas algumas horas, com as impressões já mais arrumadas aqui na cabeça, se tentar identificar o que mais me chamou a atenção no filme, acabo percebendo que foi uma propaganda que veio antes até dos trailers. Quantas vezes vocês já foram ao cinema e uma das propagandas foi sobre algo que não seja bancado por uma empresa abastada? Raro! Livros então, nunca! Mas aqui teve! A propaganda começa com um close na Gioconda que, com o afastamento, recebe a narração em off dizendo que a obra a ser vista é de ficção e pergunta ao expectador se, após gastar tempo com o filme, prefere a ficção ou a verdade. Claro, de forma magnânima uma imagem vem mostrando as costas de Jesus estampadas na capa. Foi uma risada meio que generalizada na sala. Impressionou a forma como gastaram – isto não deve ser barato, ainda mais no Leblon – para impor sua crença.


Argh... a culpa é do Hanks!!!

Nunca achei Ron Howard um diretor fora de série. De suas obras, tenho para mim que a melhor delas foi sua filha. Do resto, ao menos como diretor, a impressão geral é a de um cara que cumpre o que lhe é passado sem inventar muito. Burocrático, portanto; mesmo que tenha ganhado uma série de Oscars por Uma Mente Brilhante. Se considerarmos que O Código Da Vinci (The Da Vinci Code, 2006) é adaptado de um livro cuja linguagem já é cinematográfica, vem a conclusão óbvia de que o cara não vai ter muito trabalho para transformar a linguagem de um livro em linguagem de cinema – sim, pois por mais que livro tenha linguagem cinematográfica, isto apenas o aproxima desta mídia, por óbvio. Ou seja, um burocrata poderia fazer isto.

Não fez. Além das tramas que se entrecruzam no livro, uma das suas principais atrações é a compilação de informações "rádio relógio" que, como já escrevi várias vezes, só servem para papo de bar; é a cachaça da leitura – quebra o ritmo, desafoga o cérebro e depois vai embora para a trama voltar. Estas passagens, agradáveis nos livros, são difíceis de serem adaptadas para o cinema (muitas foram cortadas) pois causam quebra de ritmo que, diga-se de passagem, é indubitavelmente o maior vilão da projeção. Ou a falta dele. A transposição de um livro para a tela grande pressupõe a necessidade de adaptações da forma para uma nova mídia. A impressão geral do resultado sugere que a linha adotada partiu para a reprodução da narrativa como escrita no original. Simples assim. Certa vez Stephen King, por ter odiado o resultado da adaptação de O Iluminado – livro bem bacana, diga-se de passagem - feita por Kubrick, o refilmou palavra por palavra. Além de imenso, o filme perdeu toda e qualquer noção de ritmo. Acabou virando uma série. CdV seguiu o mesmo caminho; o que temos é um filme soluçante, onde as seqüências são estanques, quase com vários sub-clímax, mas nenhum clímax final, se é que podemos classificar assim. Tal como O Iluminado de 1996, parece que estamos vendo uma série em forma de filme; os últimos 20 ou 30 minutos se prestam a algo que tem a cadência de uma longa despedida. Despedidas são chatas. Sempre. Com direito até a uma versão Dan Browniana com tempero de novela global para uma espécie de "Luke, I'm your father!".


E agora, meu Deus? Será que a gente volta para Anjos e Demônios?

O elenco parece o time do Fluminense. No papel é até bom, mas não sabe jogar junto. Ron Howard não foi um bom técnico nem mesmo com um Tom Hanks numa mão, uma Audrey Tautou na outra e... bem... digamos que se ele tivesse mais algumas mãos – para não ter que usar outras partes do seu corpo – ele teria ainda Ian McKellen, Jean Reno e Paul Bettany. Há de se convir que seja um elenco muito bom, todos já tendo mostrado bons trabalhos anteriormente. Entretanto, dos cinco, só Ian e Paul funcionam. O primeiro tira leite de pedra (sem trocadilhos, claro), enquanto o segundo tem o melhor papel para explorar e o faz bem. Não é suficiente. Os dois primeiros deveriam comandar, conduzir, mas parecem alunos da pré-escola aprendendo Educação Moral e Cívica com aquele interesse que lhes é peculiar. Por vezes, o caráter didático das interpretações de Hanks e Tautou beiram o teatro infantil ou atuação de propaganda eleitoral. Em nenhum momento passam credibilidade e, pombas!, Hanks é um dos meus favoritos! Concordo aqui com Dan Brown que, quando escreveu o "roteiro", já pensou em Harrison Ford. Não é melhor ator que Hanks, mas não tenho dúvidas que sua característica mais forte, mais entregue e mais kamikaze seriam muito mais convincentes num momento em que alguém chega e fala para tu que Jesus - sabe a quem me refiro, né? O Filho do Homem, não o guaraná - não é o que tu pensavas que fosse. São idéias-força que por si só deviam amarrar o público, mas a postura extremamente blasé dos dois não agarra nem corações nem mentes, só para pegar um termo batido. Pelo contrário, servem como Lexotan e deixam tudo meio letárgico. Os embates dialéticos que poderiam surgir com Tom e Ian dividindo a mesma tela transformaram-se em um capítulo de Telecurso 2º Grau (existe isto ainda?). E Audrey? Bem... Audrey pode ser uma menina adorável, mas é ainda assim uma menina. Uma Amélie Poulain. Já ouvi falar que Julie Delpy (Antes do Pôr-do-Sol) seria ótima para o papel. Bem, ao menos é mulher feita, tenho que concordar. Particularmente, preferia uma Eva Green (Os Sonhadores e Cassino Royale) ou Ludivine Sagnier (Swimming Pool). Jean Reno foi tão desperdiçado que parece que foi filmado por engano passeando pelo estúdio.


Se depender de mim e do resto do pessoal de camisola, nunca mais, rapá!

Há pontos fortes, claro. Muito mais para quem já leu o livro do que para o resto – minoria – da humanidade, já que a memória das palavras lidas, dos ambientes descritos e de pontos não inseridos na trama aguçavam a mente que naquele momento fervilhava para expulsar o Lexotan. Claro, nem tudo o que aparece é o que dizem ser. A Igreja de Saint Sulpice, por exemplo, foi feita em CGI (ficou bem mais limpa, diga-se de passagem), usando fotos 3D, pois não foi permitido filmar lá dentro, assim como na Abadia de Westminster, cujo interior foi reproduzido em outra igreja de Londres. As imagens do interior não eram tampouco detalhadas, mas ao menos foi possível ter uma idéia. Há também diversos sites por aí (eu mesmo escrevi a respeito aqui) e o livro ilustrado que já atendem este tipo de necessidade.

Então, como é que um filme onde os atores, com exceções, desempenham mal seus papéis, é mal montado, mal dirigido, mal executado e mesmo assim saio do cinema me sentindo bem? Simplesmente porque queria ver muitas coisas do livro e vi. Pena que as tenha visto como se fossem slides de Powerpoint - estanques - , quando deviam ser fluídas. Talvez tivesse outra impressão, se não tivesse lido o livro antes.

PS: Agora é moda falar mal do livro. Tem uma tal de aura intelectual por trás disto. Será que eu devo perder minha personalidade e seguir a manada?

Artigos relacionados:

Artigo 1 (2006) – Post sobre os Livros de Dan Brown
Artigo 2 (2005) – Post sobre Os Sonhadores

Artigo 3 (2005) Post sobre Anjos e Demônios e O Código da Vinci

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