quinta-feira, 18 de maio de 2006

Nem eu, nem Fivo: dessa vez é o colleague Sandro quem psicografa, em sua primeira incursão zombística. A seguir, ele destrincha o verdadeiro sentido de parar pra curtir um bom rock'n'roll. E não estamos falando só de música aqui.


IT'S EVOLUTION, BABY!!!


Parte 1: Os de estúdio.

Início dos anos 90. Eu tinha uns 17 anos. Época boa, na verdade uma época de escolhas, mas ninguém estava afim de escolher nada. Ao mesmo tempo que tínhamos que escolher algo perante nossos pais, a gente estava descobrindo um monte de coisas, o que teoricamente anulava o fator escolha naquele momento, já que tanta coisa nova aparecia. Era época de Batman chutando o Azulão, Rorschach, aquelas porcarias de tamagochis, Holden Caufield e seu campo de centeio. Época de blá-blá-blá sobre teoria das Supercordas, importância do voto, não fume, se alimente bem e suco Tang dá câncer. Era época de garotas também. Era época de engolir Fernão Capelo Gaivota, Os Lusíadas e qualquer um do Machado de Assis pra vestibular. Mas, na verdade, nada disso importava, porque a época era mesmo de uma banda: Nirvana.

Começar um texto sobre o Pearl Jam falando do Nirvana parece sacanagem, mas não é. Temos que admitir que Smells Like Teen Spirit abriu espaço pra um monte de gente mostrar seu trabalho. Poucos se deram bem e estão até hoje por aí, outros já não conseguiram o tipo de exposição que pretendiam, ou a musicalidade deles não seria compreendida por muitos, ou simplesmente não quiseram entrar no bloco mainstream da coisa. Eu, particularmente, agradeço a Kurt e companhia por terem me apresentado ao Mudhoney, Screaming Trees e ao Mother Love Bone, uma das bandas que tem o nome mais legal que já vi. Projetos solo à parte, nenhuma conseguiu o êxito a curto prazo que o Nirvana conseguiu. Nem o Pearl Jam, citado aí em cima. E novamente, parece estranho falar de uma banda e ficar citando outra, mas não é.

Admito que queria que o Pearl Jam se explodisse na época. Aquele primeiro disco deles, com aquela capa semi Poison me deixava puto. Como alguém pode aprovar uma coisa daquelas? E o povo que idolatrava Alive como hino me enchia o saco com discussões sobre o significado daquelas mãos juntas e o nome do disco. Um bebê nadando com uma arma flutuando não precisa de grandes explicações, assim como as capas dos discos do Soundgarden ou do Alice in Chains. A impressão que me dava é que os boyzinhos da sala curtiam Pearl Jam e os sujões, que eram os reais líderes das salas de aula, o Nirvana. Aqui ou ali um fã de Guns, mas eu sempre detestei Guns, portanto não sei o que eles pensavam ou se pensavam em algo.

Mas sempre fui do tipo "tenho que ouvir pra criticar". Tinha medo de ler Mein Kampf, do Hitler, por pré-julgamento do povo mindless, então lia escondido. Mas lia. Queria saber o que pensava um cara como Hitler, assim como queria saber o que Mandela e o Black Panther Party pensava. Informação sempre é útil, mesmo quando se tratava de uma álbum como Ten. Ouvi tudinho. Vi clipe na MTV. A tal da Jeremy tinha uma letra bem legal, mas não adianta, eu só ouvia a merda da Alive no rádio e na boca dos pseudo-fãs. Não ouvi ninguém falar nada do restante do disco. Mais tarde, Black tocou até doer. Mas não adianta, para quem estava ouvindo Jesus Christ Pose ou Suck You Dry não havia Why Go? que agradasse. Pelo menos, esse era meu ponto de vista.

Ouvi Nevermind até sangrar meu ouvido esquerdo. E não cansava. E não canso. E nunca vou cansar, assim como ouço Badmotorfinger até hoje no último. Era também uma época de descobrir Sonic Youth, Jesus and Mary Chain e ficar garimpando coisas novas das lojas de disco. CD tava começando a aparecer, mas nem tanto. Mas em todo lugar pra onde me virava, ouvia Alive. E não aguentava mais. Até hoje tenho uma coisa com essa música. Não aguento. Simplesmente não aguento. PJ pra mim era a Polly Jean Harvey. Ponto.


O disco novo veio logo, uns dois anos depois. Vs era o nome e tinha uma foto de um bicho tirada com uma grande angular. Na primeira vez que vi não entendi direito e nunca iria pensar que era uma ovelha. Eu estava chapado de bebida numa festa, mas ainda lembro quando fulano veio me mostrar o CD. Era um dos primeiros cd's que eu via na vida. E confesso que fiquei curioso pra saber o que aqueles caras iriam fazer depois da mega exposição. Perdão pelo trocadilho, mas acho que no momento pensei "será que eles still alive?". Chapar nessa época era legal. Surpresa minha ao acordar na casa de meus pais no dia seguinte com uma puta dor de cabeça e o tal do disco no bolso da minha jaqueta. Eu nem tinha CD player e, mais ainda, nem sabia de quem era o disco, não lembrava do fulano que me mostrou. Se você, fulano, está lendo isso, eu te devolvo, ok? É só pedir educadamente.

Fui na casa do meu amiguinho rico e pedi pra ele gravar numa fita. Meio com mal gosto, meio com vontade de tirar sarro dos meus amigos eddie fazóides, coloquei a fita e os fones de ouvido, sentei no chão da sala e pensei automaticamente nos primeiros acordes: "o chicão me gravou disco errado. Não é Pearl Jam isso aqui...". Peguei o encarte e comecei a seguir as letras. Encarte maneiro, pensei. Letras maneiras pensei. Som do caralho, pensei. Fãs de Alive reclamando, pensei.

E foi nessa hora que virei fã do Pearl Jam. Ouvindo Go, Animal e Indifference. Esta última, aliás, parecia que estava no final do disco por um motivo. Parecia que eles estavam indiferentes com o primeiro disco, que o que eles queriam fazer mesmo era rock'n'roll. Que o segundo é um evolução do primeiro e que eles queriam continuar fazendo isso. "Saw things so much clearer..." gritava no meu ouvido. E, sem pestanejar ouvi o disco novamente. 4 vezes naquele mesmo dia. E decidi comprar meu primeiro CD, mesmo não tendo player. A mudança toda do PJ era sentida na capa, que não tinha nenhuma indicação do nome da banda, somente aquela ovelha torta. Coragem, pensei. A gravadora obviamente colocou um adesivo gigante "O Novo do Pearl Jam", mas era fácil de arrancar. A capa era ótima sem aquela droga de adesivo.

Novamente, dois anos depois, uma nova e agradável surpresa. Vitalogy era o projeto gráfico mais ousado que eu já havia visto. O CD é um livro, o acabamento impecável e a música tendenciando para um pré-experimentalismo, o que ocasiona, obviamente, queda nas vendas. Poucos hits de rádio e o Pearl Jam já tinha declarado que odiava fazer videoclipe, o que iria baixar ainda mais as vendas do disco. MTV vende. E muito. Mas tava estampado no disco todo que os caras queriam mesmo é que se foda, queriam segmentar o público-alvo deles com gente que gostasse. Queriam esquecer o passado black e simplesmente tocar. Ainda assim, músicas como Nothingman ou Not For You tocaram em rádios consideradas de rock, antes da jabálização das mesmas. Para fãs, um disco espetacularmente diferente, com direito a sanfona em Bugs e experimentalismos diversos, o que os levou a No Code, um disco em que os integrantes realmente deixaram de lado opiniões totais e simplesmente tocaram. Novamente com projeto gráfico impecável, que trazia algumas imitações de polaroids com letras de músicas no verso e fotos representativas, o disco torceu o nariz até dos fãs mais ardorosos. Eu, particularmente, somente admirava mais e mais a coragem dos caras e, até hoje, me surpreendo um pouco. De Oceans para Sometimes em 5 anos não é um pulo, é uma queda livre a 350km por hora, principalmente no conceito dos fãs do primeiro disco. E eu queria mais, queria saber onde é que aqueles caras iriam parar.

Em 1998, a banda havia firmado o que queria musicalmente e fora do circuito de grandes divulgações. Ainda assim, sem mega produções, o PJ levava milhares de fãs a shows, e isso os irritava. Queriam shows menores, mas era impossível. A produtora via o potencial de renda dos shows mais ainda do que da vendagem de discos, o que ocasionava contratos milionários e, conseqüentemente, um preço extremamente alto para os fãs que, ainda assim, pagavam. E nova briga comprada pelo Pearl Jam, agora com as empresas que vendiam seus ingressos a preços exorbitantes. Briga esta vencida pela banda, que conseguiu baixar em cerca de 65% o valor cobrado. Neste ano também veio a conciliação com a MTV, através do petardo visual Do The Evolution lançando o disco novo Yield. Dirigido por Todd "Spawn" McFarlane e roteirizado pela banda, o clipe não só é revolucionário pela sua técnica como pelo seu conteúdo, até hoje, 8 anos depois, ainda atual. E o disco trouxe de volta um Pearl Jam não de raízes, mas de coesão musical e, principalmente, satisfeito consigo mesmo. E isso dava pra se sentir nas letras e músicas. Discão para qualquer fã de rock, se nada de experimental, somente grandes músicos tocando grandes músicas, o que fez com que o próximo álbum de estúdio, Binaural fosse recebido com grande expectativa pelos fãs, agora já segmentados e não apenas "Eddie Vedder wannabes". Não manteve a estrutura musical de seu antecessor, mas concluíu o caminho da banda no sentido de direcionamento. Músicas como Nothing As It Seems e Breakerfall foram lançadas nas rádios, sem muito alarde e, consequentemente, sem o sucesso esperado. Acredito que a gravadora sempre esperou um novo Even Flow, que não veio. De certa forma, isso é um grande alívio. Entre um disco e outro, a banda lançou um disco ao vivo muito bom chamado Live On Two Legs, uma compilação de grandes músicas, nem todas grandes sucessos, o que comprova mais uma vez a intenção real da banda, a divulgação do trabalho em si, não apenas de hits ou vendagens. Banda de caráter, isso sim.


2002. Sem nenhum tipo de divulgação encontro o disco Riot Act numa loja. O PJ é uma as poucas bandas em que faço questão de comprar o disco original, mesmo antes de conhecer o conteúdo. Pelo menos um bom projeto gráfico eu terei em mãos. E não era surpresa alguma ao ouvir o disco saber que o Pearl Jam continuava seu caminho em direção a evolução, com músicas impecáveis como Ghost e I Am Mine, com direito a imagem da banda na MTV em videoclipe gravado em estúdio depois de cerca de quase 10 anos, desde Rearviewmirror. Era um retorno, mas um retorno ao estilo da banda, do jeito deles. Mais uma vez o disco tinha algo que falta na maioria das bandas atuais: conceito. Foi o que permeou o próximo disco, Lost Dogs, que trazia apenas B-Sides e raridades da banda, disco fundamental pra qualquer fã que queira realmente conhecer o trabalho sério e digno da banda. Na verdade, você só conhece uma banda realmente depois de conhecer o outro lado dela, o lado significativo e não-vendável, o aspecto simbólico concreto da motivação deles. Um disco como este mostra o que você não vai ouvir em rádios provavelmente nunca, mas nem por isso, menos importante e sonoro. Em 2003 mais um disco ao vivo, agora com vendagem revertida para o Youth Care, com grandes sucessos e a pouco conhecida Crazy Mary, o que mostrava como a banda mantinha seu engajamento sócio-político e causas humanitárias em pauta.

Dois anos depois, o inevitável Best Of. Chamado Rearviewmirror, era uma compilação dupla de sucessos da banda. Só isso. O Pearl Jam é o tipo de banda que você tem que descobrir por si próprio para conhecer a essência. Mas todo mundo precisa de dinheiro e contratos são assinados para isso.

Agora o PJ está com um disco novo, batizado com o nome da banda. Para uma banda que tem mais de 10 discos lançados, quase 70 discos duplos com gravações de shows (será que algum fã tem todos?) e participações em trilhas sonoras de filmes e causas humanitárias, até que demorou para lançarem um disco com esse título. Na verdade, o disco demonstra exatamente o que seu título quer dizer. O novo disco É o Pearl Jam. É a demonstração precisa de para onde a banda gostaria de ter ido, e conseguiu chegar. Músicas rápidas, diretas, som rasteiro e sem frescura. Num mundo globalizado, World Wide Suicide, que já começou a tocar nas rádios, devia virar hino. E não consigo enumerar as que mais gostei, porque o disco todo é recheado de riffs cortantes e letras concretas. Acho que banda boa é assim, surpreende a gente a cada disco. E eu, como fã real do Pearl Jam, estou novamente surpreendido pela dedicação aos fãs e por lutar pra fazer o que eles querem. Se todas as bandas fossem assim, talvez as coisas fossem um pouco diferentes por aqui. Atitude e iniciativa, é isso que o Pearl Jam representa para mim.

Precisa mais?


PS.: Infelizmente, por motivos financeiros, não vi os shows aqui no Brasil. Sim, me arrependo muito, assim como me arrependo muito de não ter visto o Rush (nota do ed.: deu mole... eu fui. Show-za-ço! :D). Mas já ofereci vários Sangue de Boi, Pirulitos Zorro e Pipocas Panda na macumba pra que eles voltem.


Sandro TC é publicitário, redator, designer e parece um mix de Jack Black, Robert Smith, Juggernaut e Bob Cuspe. E é o fã número 0,01 daqueles clipes bizarros do Tool. Atualmente, anda escrevendo Escrevia no Ctrl+Z e no Cine MKT, e, pelo jeito, tá querendo escrever aqui também.

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