sexta-feira, 2 de junho de 2023

O Tigre e o Barqueiro


Com o barulho em torno das capas do Frank Miller, lembrei de uma das minhas preferidas dele: a de Peter Parker: The Spectacular Spider-Man #52, de março de 1981. A edição foi publicada por aqui em agosto de 1985 na Homem-Aranha #26, formatinho da Abril. A capa trazia a imagem chocante (para a época) de um grupo largando o aço no vigilante Tigre Branco. Apesar do exagero Milleriano na quantidade de algozes, a imagem não estava longe da verdade.

Rapei a edição logo que chegou às bancas. Lembro como se tivesse sido há 40 minutos, mas foi há quase 40 anos. Era o "mês dos minipôsteres" que a Abril encartou de brinde nos títulos Marvel e DC. Além do Teioso, consegui os do Verdão, do Bandeiroso e dos Superamigos, sabe-se lá com quanto troco superfaturado da padaria. Naqueles tempos, dava.

A HQ traz o Aranha-Linha Direta — ou Aranha-Documento Especial, para os velhuscos — em plena fase Roger Stern e enfrentando a criminalidade na sombria e violenta New York pré-Giuliani. "Ilusões do Outro Mundo", com arte dos saudosos Jim Mooney e Marie Severin, abre o mix com o Amigão da Vizinhança desmantelando a quadrilha de um Mysterio tão camp que parecia ter vindo de Gotham City. Tá lá o capanga ouvindo Kid Abelha que não me deixa mentir. Maior pinta de que trampou para um certo Palhaço do Crime em frilas anteriores. E com a mesma competência.

Em meio à confusão, a sofrida Debra Whitman se vira para escapar de Mysterio e correr para os braços do Peter. Saudades da Debby.


"...o Tigre Branco" vem na sequência, com o lápis de Denys Cowan e arte-final de Mooney. Começa com um recap da origem do personagem e sua ligação com os Filhos do Tigre. Muito oportuno para quem não leu aquela Deadly Hands of Kung Fu #19 sensacional, até hoje inédita por estas bandas. A combinação de ação policial, artes marciais, misticismo e poderes era irresistível. Fui fisgado na hora. E havia mais um elemento que talvez ainda fosse muito jovem para assimilar conscientemente: o Tigre Branco Hector Ayala era o 1º herói latino desde... sei lá, Zorro?

Todos os aspectos envolvidos, da dura vida no gueto à proximidade com a família, gerou uma ressonância enorme e inconfundível. Era identificação.


A história conclui na sequência-spoiler-de-capa, com o Tigre sendo metralhado pelo ex-coronel e terrorista miliciano Gideon Mace. E emenda na splash não menos brutal que abre a trama de "Assassinos de Heróis", onde o traço de Rick Leonardi atinge na artéria. Imagética de violência urbana crua, acachapante e repleta de subtexto. Material para SAM, fácil.


Ah, o minipôster... o regozijo nerd da minha geração; A 1ª bad trip quadrinhística a gente não esquece

A conclusão do arco é o fim da jornada de Hector Ayala como o Tigre Branco, por hora. Há inclusive uma inesperada metáfora à dependência química, assunto também abordado em Superamigos #4, do mesmo mês, de forma mais direta. A Era de Bronze foi um lugar sombrio para transitar.

Nesse 1º contato com o herói, a edição era um expresso para o inferno. Além do flashback dos quebras com o Valete de Copas e com o Aranha e da identidade sendo revelada publicamente pelo Mestre da Luz, Hector tem a família chacinada, quase morre em sua busca cega por vingança e, no fim, dá adeus ao manto do Tigre. Ou, no caso, aos amuletos que lhe conferiam seus poderes.

Isso tudo mostrava o quão trágica a vida do Tigre Branco era — e ainda seria.


Na sequência, o Ka-Zar de Bruce Jones e Brent Anderson — de longe, a melhor coisa que já fizeram com o Senhor da Terra Selvagem. O run é espetacular, ganhou Omnibus lá fora há pouco tempo e demorou para ser relançado, Panini. Lembro de acompanhar na época e já sonhava com essa maravilha devidamente coletada. E olha que o mais próximo de um TPB que existia por aqui era o Encalhe do MAD.

O expresso para o inferno continua, literalmente, em "Viagem Fantástica", parte de um arco publicado orinalmente em Ka-Zar the Savage #9-12. Na história, Kevin "Ka-Zar" Plunder, Shanna "The She-Devil" O'Hara, Zabu, o andróide atlante Dherk e o guerreiro alado shalaniano Buth descem até as profundezas do inferno. O mesmo inferno onde, segundo as viagens de Jones, o escritor e poeta italiano Dante Alighieri derrotou cultistas que sacrificaram Beatriz e que depois o inspirou a criar A Divina Comédia.

Na realidade, era um inferno/parque animatrônico, construído por atlantes em plena Pangea. Ecos de Westworld...


Cagaço com o Caronte

Dizem que confessar faz bem para a alma, então vá lá: a sequência de Ka-Zar e sua trupe pegando uma corrida com Caronte, o Barqueiro do Inferno, me arrepiou mais do que todas as Kriptas e Calafrios que havia lido até então. Primeiro, porque tinha pavor de andróides (obrigado, Proteus e fembots). Segundo, porque a ideia de uma decapitação ainda era algo novo e incrivelmente perturbador para mim. E por último, porque Anderson desenhou o Barqueiro à imagem e semelhança de qualquer figura bíblica clássica, o que dava um toque meio blasfemo à cena.

E nem menciono o Caronte sem cabeça e com as "vísceras" eletrônicas expostas partindo pra cima do Ka-Zar... brrr.


Cérbero e minha caneca do Cramps à direita no canto superior - valeu, Sandro!

Brent Anderson desenhava que era uma grandeza. Alguns painéis chegam a lembrar as tintas grandiosas do mestre Alfredo Alcala. Triste isso ainda não ter saído por aqui em formato americano. E a escrita de Bruce Jones nunca esteve tão afiada e maliciosa — eu, pelo menos, nunca li. Humor negro, frases de duplo sentido e referências à sacanagem (Ka-Zar e Shanna não eram fãs da monogamia) brotam das páginas. Isso tudo e ainda conseguia entregar uma aventura fantástica inventiva e divertidíssima.

Às vezes dá saudades de um bom gibizinho mix, mesmo com suas combinações improváveis e esdrúxulas, mas, acima de tudo, eficientes. Como foi — e ainda é — esta Homem-Aranha #26.

4 comentários:

Do Vale disse...

Meu amigo, QUEM VIU MIX DA ABRIL, VIU. Revistinhas poderosas que nos levavam ao redor do mundo. Saudades.

Pegarás A Saga do Aranha, por falar nele?

doggma disse...

Não IA, visto que estou fazendo as Definitivas como Deus mandou. Mas ao escrever o post, mudei de mindset e decidi que VOU.

Não posso arriscar perder as Sternadas em formato americano. Mesmo já tendo uma parte na coleção da Salvat.

I'm disgusting.

Marcelo Andrade disse...

Eu tinha...nossa...tarde inteira isolado no quarto e pilhas de SAM,HA, SM e BM do lado....era feliz e n sabia.

doggma disse...

Em geral, só tinha grana pra dois gibis/mês. Então ia de Hulk e Aranha. Lia e relia incontáveis vezes até a próxima fornada...