segunda-feira, 19 de junho de 2023

The Flash


Não deixa de ser irônico como The Flash lida com o colapso de um multiverso ao mesmo tempo em que representa o fim do Snyderverso. Certo, o próximo filme do Aquamomoa vem aí, mas com uma fita de retardatário amarrada no tridente. Definitivamente, é The Flash quem apaga a luz. Amargando a ressaca, a Warner tira algumas lições desse grande e ambicioso projeto fracassado. O DCEU sob direção de James Gunn é a maior prova disso, além de ser um obelisco de esperança com jeitinho de ilustração do Alex Ross — a menos que Parademônios engravatados baguncem o meio de campo, mas aí já é papo para os próximos anos.

Antes de tudo, é preciso reconhecer: o filme de Andy Muschietti é um sobrevivente como poucas vezes se viu na história do cinema. Com pré-produção datando de 2020, os atrasos, já turbinados pela falta de planejamento após a saída de Zack Snyder, quase se converteram em geladeira com o derretimento da imagem pública do Garoto Enxaqueca Ezra Miller, que tentou gabaritar o código penal mais rápido que a velocidade da luz (hã, hã?). Ao menos uns dois crimes sérios da lista já teriam implodido sua carreira/vida e abortado o filme em definitivo, não fossem o zeitgeist confuso desses tempos millennialescos e o orçamento de 220 mi + publicidade aterrorizando os acionistas.

Orçamento bastante inchado numa conta que, ao que tudo indica, não vai fechar. Mas quer saber? The Flash até que merecia um afago das bilheterias.

O filme é divertido. Mas só se você for bem versado na arte de baixar a expectativa (num nível equivalente ao de parar os próprios batimentos cardíacos com a força do pensamento). E, principalmente, se abstrair da profusão acima da média de furos óbvios de roteiro, de furos não tão óbvios de roteiro, de furos dentro da lógica interna, do enxame de piadinhas constrangedoras, da incoerência no uso dos superpoderes, dos excessos do Miller, da corrida do Miller, da presença do Miller e, claro, do CGI tão ruim quanto o da série da Mulher-Hulk. E isso é uma ofensa à mãe de todos os funcionários do departamento de F/X da Warner.

Venham pra cima se tiverem coragem, bundões!

Fiuu. Essa coisa de filme de hominho escala rápido.

The Flash adapta a premissa da saga Flashpoint, escrita por Geoff Johns com arte de Andy Kubert e publicada em 2011. Fazer isso em terra arrasada pós-Snyder e pós-Henry Cavill logo no 1º filme solo do Cruzado Escarlate denota culhões. Ou pura falta de noção mesmo.

Na trama, o Flash Barry Allen volta no tempo para impedir o assassinato de sua mãe. No retorno da viagem, ele encontra uma realidade muito diferente. A pior mudança é uma Terra sem o Superman e na iminência da invasão do General Zod, conforme visto em O Homem de Aço. Para ajudá-lo contra o exército de kryptonianos, o Grão-Vizir da Velocidade conta com a ajuda da sua versão aborrescente daquela realidade, do Batman do Tim Burton e da Supergirl Kara Zor-El.


Supergirl recarregando as pilhas no Castelo Wolfenstein, digo, na Mansão Wayne

Difícil acreditar, mas essa concepção de Liguinha improvisada se desenrola de maneira mais orgânica e funcional que a Liga do Joss Whedon e a Liga do Snyder Cut. Quem diria, não era preciso muito. Só coração.

Vale mencionar que a mesma premissa foi executada de forma muito superior na então ótima série do Flash na CW, com direito a Flash Reverso e tudo mais. Fora que Ezra Miller não lustra nem as botas amarelas do Grant Gustin. E aguentar uma versão ainda mais histriônica dele por dois terços do filme foi dose pra Gorila Grodd. Mesmo assim, ele encontra o tom do papel duplo lá pela metade, me lembrando por que achava esse moleque talentoso em primeiro lugar. Foi antes de abarrotarem sua conta bancária com os dólares-DC. Confira Depois da Escola (2008), Jornal dos Predadores (2010) e Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011) e me diga se estou mentindo. Podia ter sido tão melhor...

O Batman redivivo de Michael Keaton, em contrapartida, opera à margem de toda essa bagunça de cronologias, realidades e abordagens. É um dos maiores e melhores fanservices já cometidos por um filme de super-herói. Entrega o que todos querem ver e aumenta as apostas sem desviar um átomo daquilo que ele propôs lá em 1989. É o melhor Batman de todos os tempos? Nunca foi. Está rolando uma distorção revivalista por aí aliada a uma generalizada falta de memória (e reprises) que acho interessante. Mas foi como rever um velho amigo que salvou o dia em sua época e que acaba de salvar mais uma vez. É a grande razão para assistir The Flash. E deixa uma vontade irresistível de ter mais daquilo. Para um fanservice, não há elogio maior.

Só para não passar batido: Sasha Calle está ótima como a sofrida & sexy Supergirl, apesar do zero desenvolvimento. Merecia um lugarzinho ao sol no Gunnverso. E é triste ver Antje Traue e o grande Michael Shannon — respectivamente Faora e Zod — voltando só para bater cartão. Sem falar nos cameos protocolares da Maravilha Gal Gadot, a esta altura alçada a um abajur no DCEU, e do Batman Ben Affleck, usando uma máscara medonha que deve encher a bandidagem gothamita de terror.

O clímax chafurda no anticlímax. Infelizmente, o que era para ser uma grande celebração ao Universo DC no Cinema, se apoiou numa concepção artística feiosa — a tal Cronosfera parece arte de IA debochada — e em bonecos de massinha digital sem a menor vontade de convencer como humanos. Mais uma boa ideia indo pelo ralo. No final, do filme e da cena pós-créditos, fica claro que Muschietti resolveu incendiar a casa antes de apagar a luz. Sentido passa longe. Outra coisa para abstrair, creio.

Mas o que me espanta mesmo é a inépcia do Flash para lapidar seus loops temporais. Tom Cruise em No Limite do Amanhã e Bill Murray em Feitiço do Tempo resolveriam a parada em umas 14 ou 15 campanhas. Passeio no parque...

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