Hulk completou 20 anos de lançamento. Certamente, o filme mais incompreendido e subestimado do gênero e também da carreira de Ang Lee. Não era pra menos. Mesmo com a escalação inspirada e uma galeria de personagens veteranos, com Josh Lucas no papel do traiçoeiro Glenn Talbot e Sam Elliott dando vida ao melhor Thaddeus E. "Thunderbolt" Ross já visto numa telona, a maior parte da trama era uma discussão sobre traumas suprimidos e paternidade tóxica.
Somadas à química a introspecção do Bruce Banner do desconhecido Eric Bana, a abnegada Betty Ross de Jennifer Connelly e o desvario sociopático do David Banner de Nick Nolte. Foi uma autêntica masterclass de dramaturgia com orçamento de blockbuster. Isso em plena era pré-Universo Cinematográfico Marvel. Foi uma abordagem que ninguém esperava.
Hulk é tanto "um filme de arte de 150 milhões de dólares" quanto um autoral complicado de assimilar. Mas tinha a curiosa capacidade de permitir uma leitura pessoal e diferenciada para cada espectador – além de se reinventar substancialmente com a passagem dos anos/décadas. Continua uma senhora experiência (gama).
Lembro quando entrei na sala do cinema, ainda extasiado pelo teaser. Só queria assistir o Verdão esmagando geral. Mal sabia que meu sensorial seria uma das vítimas.
Em 2006 – há 17 anos! – fiz algumas breves considerações sobre o filme no finado blog-collab Área Azul, com os camaradas Fivo e JP Volley. Segue abaixo:
Dito isto, podem me adicionar na lista-gama: somos 4 a gostar da adaptação de Hulk por Ang Lee. Por sinal, a estréia do Verdão nas telonas é uma das mais emblemáticas no escopo desse nosso debate. É o exemplo perfeito. O público cinéfilo pode até ter uma certa afinidade com o universo dos quadrinhos, mas a imensa maioria sequer imagina quem é James Howlett, p.ex. (ao passo que quase todo mundo conhece o Wolverine - isso é mais ou menos o padrão por aí afora). No caso do Gigante Esmeralda, calhou de o personagem ficar soterrado sob toneladas de referências defasadíssimas (o seriado dos anos 70) e de conceitos tão superficiais que beiram a total falta de conhecimento (ex.: "o Hulk é tão forte que é capaz de derrubar uma parede de concreto"). 90% dos espectadores nem imaginava que ele derrubaria essa parede com um cuspe. O diretor Ang Lee e os roteiristas James Schamus, Michael France e John Turman, foram tão fiéis aos quadrinhos quanto possível. E atualíssimos à cronologia! Durante décadas, o personagem só era um-cara-que-virava-monstro-quando-ficava-com-raiva, Mr. Hyde + Monstro de Frankenstein, travado. Só na fase Peter David, no final dos anos 90, é que ele ganhou contornos mais intrincados. Abuso infantil, psique reprimida e desordem de múltipla personalidade entraram com tudo dentro do contexto, tornando-o um dos personagens mais complexos e trágicos das HQs. Embora ricas, eram temáticas difíceis por natureza, pesadonas, pouco comerciais - e entraram no filme, quase que heroicamente. Como se não bastasse, a câmera contemplativa de Lee ainda faz links entre a evolução natural e o resultado final de uma evolução forçada artificialmente, em momentos tão sutis quanto um close em um fungo crescendo num pedaço de madeira.
Excetuando o descontrole do roteiro na relação pai/filho na reta final, Hulk foi um filme extremamente necessário para conferir, em uma primeira instância, a tão almejada credibilidade conceitual ao personagem (o Graal de qualquer roteiro que preste). Daqui em diante, já tá liberado: que venha a porrada!
* * *
É irônico como, num cenário que lida com infinitos universos, o Hulk de Ang Lee tenha acabado no limbo que existe entre eles. Ou numa encruzilhada...
Ps: e me diverti horrores com igualmente subestimado game Hulk, que expandia o universo do filme. Eram porradarias épicas contra os supervilões Meia-Vida, Louco, Ravage e o Líder madrugada adentro...
5 comentários:
A safra de filmes de supers do começo dos anos 2000 segue minha preferida: os 2 primeiros Aranha do Sam Raimi, os X-Men do Bryan Singer (vá lá, até o 3o vale a reprise), Batman Begins… E este Hulk. Filme cabeçudo com ação na medida, tudo equilibrado. Se não chega no pódio, briga feio pelo topo. Filmaço que só melhora. O Do Vale de 20 anos atrás saiu PILHADO do cinema.
(Vinte. Anos. Atrás.)
Vinte. Surreal. Também saí da sala com os neurônios a mil. E depois, no DVD. Já fiz N leituras dessa obra.
E bom ponto (talvez para um futuro post? hmm): aquela Classe de 2000-2005 foi inacreditável para gibizeiros. A cada novo filme ralávamos no Quicktime com internet discada após a meia-noite. Os featurettes apresentando os X-Men, o teaser do Aranha prendendo os bandidos entre as Torres Gêmeas, essa prévia destruidora do Hulk, um Batman finalmente a sério...
E aí, Grimm. Cara, esse detalhe ficou bem nítido no cinema. Também acho duca. Mostra todo o cuidado do Lee em retratar as características físicas do personagem funcionando na tela. Parece algo saído da fase Peter David, que foi a base para o filme e explorou bastante a fisiologia e mutações do Verdão (embora não lembre disso em específico rolando nas HQs). Nenhum filme da Marvel Studios sequer raspou perto.
O filme e bom. Mas sabemos que pegarem roteiros dos roteiristas consagrados dos quadrinhos e adaptar e n atrapalhar ajudaria muito...Adoraria algo no nivel do Futuro Imperfeito nas telas ou em serie...seria surreal d+.
Abraço meu caro
Futuro Imperfeito daria um filmaço.
Abração!
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