Podia estar matando, roubando ou tentando emplacar um canal de YouTube no esgotaréu de influencers que lá se acotovelam (gah!). Mas não. Sigo postando num blog em 2023 como se estivesse em 2003. Que um raio me parta se o BZ não é à prova de novos tempos. Pena que nem tudo é alegria.
Ver quase todos os blogs parceiros se extinguindo/migrando/caindo na real foi uma merda (o blogroll aí ao lado virou um cemitério, preciso revisar). E ver de longe as turbulências-monXtro de outras plataformas me fez sentir como um náufrago numa jangada sendo que a única terra à vista é a Ilha da Queimada Grande. Prefiro arriscar minhas chances com Poseidon.
Outra coisa que anda saindo cara: o esforço-benefício. Alguns posts mais ambiciosos à moda antiga – ainda sobraram alguns deles – resultaram num belo choque de realidade. É difícil mudar o mindset, porém cansei de jogar trampos de semanas no vácuo. E “muito trabalho e pouca diversão...”
Mas isso é por minha conta. O que não faço é terceirizar o abacaxi, à Dorival Lopes. Sério, o que foi aquilo? Não iria mal uma autocrítica e uma ou outra dica de RP de seu sócio Hélcio de Carvalho – esse cara manda bem.
Mark Millar, por sua vez, prefere fazer limonadas ao invés de choramingar: moveu todo o catálogo de seu Millarworld para a Dark Horse – deu até na Forbes. Um verdadeiro masterclass. Pensou que aquele 'M' era de Mythos?
O mesmo não se pode dizer da Emil Ferris, que tomou um processo da Fantagraphics sobre a obra Minha Coisa Favorita É Monstro. O caso é complexo, mas se ela realmente tirou só 12 mil dólares (em prestações de $ 750) daquele sucesso monstruoso, inclusive no Brasil, é porque tem algo muito errado nessa Fanta.
O que ainda é fichinha perto da situação em que se encontra o quadrinista Paul Jenkins, alvo de um picareta online profissional. Ele perdeu praticamente tudo, inclusive aposentadoria e os fundos escolares dos filhos. Um GoFundMe foi aberto e o amigo Mark Waid está ajudando a espalhar a palavra.
No universo Metal BR, uma pequena deselegância: o infame Pix da Fernanda Lira, da Crypta. Se todos saímos mais fortes depois dessa, ela deve ter virado a Mulher-Hulk. Amo a Fernandinha. Beijo e parabéns pelo discaço. Mas e o Quico?
Nem o recalcado mais azedo poderia antever a saída não-assumida de Kiko Loureiro do Megadeth. Na verdade, ele nem saiu, ele se dissipou. Nunca vi uma retirada tão abstrata, tão etérea, com os dois lados tergiversando ao extremo em seus comunicados. Ao menos não foi demitido pelo Dave Mustaine e isso é algo para se colocar na lápide.
Falando em lápide, a voadora no peito do ano foi o anúncio da tour de despedida do Sepultura – exatos 10 dias após Max Cavalera levantar aquele cartaz durante um show. A mandinga do Mendigo é braba, bicho. Mas Andreas Kisser, o capitão, não podia estar mais de boa. 2024 será a última chance de conferir ao vivo nosso maior case de sucesso. Depois disso, quem viu, viu. Eu já vi.
Mas duvido que a turnê será mais polêmica, perigosa e bizarra que a passagem da Taylor Swift pelo Brasil. Um dia preciso ver um doc com os bastidores disso.
Depois de tanto drama, nada como recordar o mais recente
E às vésperas de completar 20 anos de blog, só me resta uma coisa...
SOM NA CAIXA!
Playlist do ano
* Não vale discos ao vivo ou discos regravados, salvo nas menções honrosas
Vamos tirar logo os dois elefantes brigões da sala: apesar de ser um grande produtor de vergonha alheia, The Brian Jonestown Massacre também produz uma música espetacular. Este The Future Is Your Past é seu 20º disco. O som é uma muito bem resolvida mescla de psicodelia, blues, country, folk e garagismo dos sixties. Altamente explosivo, mas nem um pouco impulsivo, vale salientar.
Games of Power é o 2º disco do Home Front. O duo é de Alberta, Canadá, e mostra que passou a adolescência inteira consumindo synthpop seminal (Suicide, Fad Gadget), pós-punk de elite (Echo, Cure, New Order do início) e hardcore da classe operária (Fear, Agnostic Front). Tudo processado por uma guitarra chapada, um tecladinho chumbrega e uma bateria eletrônica vagabunda. O fino.
O álbum instrumental In Between Thoughts... A New World da badalada dupla mexicana Rodrigo y Gabriela é uma delícia. Com discreta virtuose e um charme absurdo, o som traz a aura mariachi combinada ao clima de trilha western, mas com um sotaque multicultural e até mesmo pop. Irresistível.
Make Them Beg for Death é o nono álbum dos veteranos do Dying Fetus. Na verdade, da formação original só ficou o guitarrista e vocalista John Gallagher, que divide os deveres guturais com o baixista Sean Beasley. O batera Trey Williams completa a line-up e responde pela dorsal do technical/brutal death metal do trio. O cara é um monstro. Só as levadas death-com-groove das batidas já valem o disco. Bolachinha insana, violenta e eletrizante, como se deve.
Na ativa desde 2008, o quarteto do Brooklyn The Men tinha inicialmente uma pegada noise. Ao longo da estrada, foi incorporando e lapidando influências até chegar neste 9º álbum, New York City. O disco traz uma mistura de rock 'n' roll, proto-punk e garage rock (mais pra New York Dolls que pra Stooges). Diversão back to basics em estado bruto.
Disco Normal é o 4º disco anormal do Test, fora registros ao vivo, splits e EPs. Segundo o release, foi "gravado nas ruas, embaixo de viaduto, dentro de vagão de trem, com microfones experimentais" e é isso aí. Só que bem mais. Aqui, a chinelagem grindcore do duo paulistano atinge status de arte. É um obelisco de transgressão vanguardista foda pra caralho. Ganhou até doc. Se continuar assim, o próximo rolê será de Kombi elétrica.
Qualquer disco novo do nigeriano Omara "Bombino" Moctar é garantia de audições infindas, sempre descobrindo algum detalhezinho novo em seu blues desértico. Com o novo Sahel não é diferente. A sonoridade está mais sofisticada, aveludada e, por que não, radiofônica ou seja lá o que rolam nas FMs tuaregues. De um jeito ou de outro, o teleporte sensorial é executado com sucesso. Boa viagem.
Tell Everybody! 21st Century Juke Joint Blues from Ease Eye Sound foi produzido e lançado por Dan Auerbach (da dupla The Black Keys) no seu próprio selo, o Ease Eye. Claro, tem lá uma faixinha própria e mais uma da banda-mãe, mas as demais são de blueseiros veteranos (Glenn Schwartz, Robert Finley [o senhorzinho simpático da capa]) ao lado de novatos promissores (Gabe Carter, Nat Myers). O disco é um tesão. Uma pena não ser duplo, triplo!
"Em fevereiro de 2023, o produtor musical e ganhador do Grammy Ian Brennan viajou até o Mississippi para gravar com detentos da famosa Prisão Parchman..." E assim começa o release sensacional no Bandcamp do álbum Parchman Prison Prayer: Some Mississippi Sunday Morning. O disco, majoritariamente a capella, traz versões de louvores gospel famosos, mas com algumas incursões blues, soul e spiritual. O resultado é incrível, dadas as condições – Brennam negociou por três anos para conseguir permissão para apenas algumas horas de gravação, com pouquíssimo ensaio e sem qualquer overdub. É algo a se pensar: Parchman é uma prisão de segurança máxima, então as estrelas aqui são figuras pra lá de barra-pesada. Ainda assim, foram protagonistas de um disco que soa nada menos do que celestial em cada uma das faixas. Esse mundo é complicado. Mas com alguma redenção.
Desde 2019, com o bacanudo EPzinho Breadcrumbs, Alice Cooper vem revisitando suas raízes hard garageiras de Detroit em detrimento dos cacoetes groove metal modernex das últimas décadas. Felizmente. Tia Alice ainda tem cacife de sobra e estava perdendo um tempo precioso tentando agradar a molecada. O novo Road – título sintomático – mantém a tocada e poderia tranquilamente ter sido lançado entre o Billion Dollar Babies e o Muscle of Love. E isso é um puta elogio.
PetroDragonic Apocalypse; or, Dawn of Eternal Night: An Annihilation of Planet Earth and the Beginning of Merciless Damnation (porra!) é o disco mais metal do King Gizzard & the Lizard Wizard desde Infest the Rats' Nest, de 2019 – não por acaso, o último deles a figurar num ZdO. De lá pra cá, a banda virou sensação "indie" e viu seu cachê disparar com shows concorridíssimos Europa afora. A banda não segue regras (os cinco discos lançados ano passado são uma bela evidência) e trafega pela psicodelia, pelo progressivo, pelo space rock e pelo metal sem a menor cerimônia e com desenvoltura ímpar. Esse disco, por exemplo, é Killing Joke curtido em thrash metal progressivo. E eles também lançaram outro álbum este ano, de electropop. Doideira.
Com Shades of Sorrow, o quarteto Crypta chega ao seu segundo (e melhor) disco dando uma bela bicuda na bolha. Puramente pela música, é um dos registros death metal raiz mais engenhosos e sofisticados do ano, aliando elementos thrash, black e gothic ao mix. Talento, que é o mais difícil, as meninas já têm e de sobra. Agora é só uma questão de tempo para aquele almejado stardom metálico...
O que comentar sobre o californiano Rival Sons que já não insisti mantricamente por aqui variadas vezes? Darkfighter é a melhor mistura de Free e Led Zeppelin que você irá encontrar. E o impressionante vocal de Jay Buchanan segue no topo do Everest Rock and Roll. A banda também lançou um EP, Lightbringer, menos british invasion e mais Top 40 da Billboard. Ventos da mudança?
Este é a trilha sonora da casa desde o dia em que saiu. State of Emergency, do Prong, segue tão impactante quanto da primeira vez – já rascunhei umas linhas a respeito com o dito cujo rolando no volume 11. Um dos pontos altos da banda e o que melhor condensou seus 37 anos de experimentações sonoras.
Se a volta do L7 aos discos ficou (muito) a dever, o mesmo não se aplica ao Girlschool. As veteranas da NWOBHM (45 anos de estrada!) nunca pararam de fato, só reduziram o ritmo de lançamentos – como todos neste mundo novo, aliás. WTFortyfive? é o primeiro álbum em oito anos e parece que isso só aumentou a fome de bola das meninas, que ainda contam com a frontwoman Kim McAuliffe e a baterista Denise Dufort da formação original. Garra, velocidade, peso e a produção supercoesa funcionando em perfeita sintonia. Também tem a participação de uns garotos – Duff McKagan (Guns N' Roses), Joe Stump, Phil Campbell (Motörhead) e Biff Byford (Saxon). Mas nada que atrapalhe as estudantes.
Menções honrosas:
Cavalera Conspiracy - Bestial Devastation & Morbid Visions
Nervosa - Jailbreak
Buffalo Nichols - The Fatalist
Chris Stapleton - Higher
Wayfarer - American Gothic
KEN mode - Void
The Rolling Stones - Hackney Diamonds
Autopsy - Ashes, Organs, Blood and Crypts
Iggy Pop - Every Loser
Krallice - Porous Resonance Abyss
Suffocation - Hymns from the Apocrypha
Mudhoney - Plastic Eternity
Wolves in the Throne Room - Crypt of Ancestral Knowledge
Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs - Land of Sleeper
Cannibal Corpse - Chaos Horrific
The Lion's Daughter - Bath House
Mutoid Man - Mutants
Queens of the Stone Age - In Times New Roman
Helmet - Left
The Heavy - AMEN
Gibis do ano
* Mais regrinhas: só vale material inédito e séries lançadas este ano (portanto, nada de Ken Parker ou Maggie, a Mecânica)... malditas regras!
Bruxas, Minhas Irmãs (Veneta), da pioneira dos quadrinhos franceses Chantal Montellier. Uma jornada semidocumental graficamente riquíssima – a veterana ainda desenha um absurdo – e com uma visão inusitada dos medos e ansiedades sociais frente ao poder feminino. Reli algumas vezes desde que saiu e, olha, ainda não terminei meu relacionamento com a obra. Provavelmente nunca. Atemporal.
Mais gibidoc®: O Efeito He-Man (Editora Mino), de Brian "Box" Brown, vai ainda mais longe ao convergir o zeitgeist da nossa geração – fim dos 70's/início dos 80's – com a indústria avassaladora dos Mestres do Universo & Cia. Na real, no fundo, já sabíamos disso tudo, mas nada como uma pesquisa sagaz e bem fundamentada para entregar os detalhes sórdidos. HQ-referência, daquelas para deixar sempre ao alcance da mão.
A bela As Muitas Mortes de Laila Starr (Devir), com roteiro de Ram V e desenhos de Filipe Andrade. Li há alguns meses e imediatamente escrevi sobre, mas sinto como se tivesse sido há algumas horas. No quesito "leitura rápida e duradoura" não teve pra ninguém.
Ar-Men: O Inferno dos Infernos (QS Comics) é uma obra-prima visual do premiadíssimo quadrinista francês Emmanuel Lepage. Para mim, ainda é impossível passar uma página em menos de dois, três minutos. A arte é de sobrecarregar as retinas. Nunca vi um mar tão vivo e exuberante. É um personagem ativo da graphic, que acompanha as gerações que se arriscaram no Farol Ar-Men, um dos mais isolados e perigosos do mundo. Uma experiência memorável.
"Ah, mas é da QS Comics." C'est la vie...
Essa foi aos 49 do 2º tempo: A Bela Casa do Lago - Volume Um (Panini), de James Tynion IV com desenhos de Álvaro Martínez Bueno e cores de Jordie Bellaire. Um grupo de amigos e/ou conhecidos está confinado numa bela casa do lago enquanto algo muito estranho acontece no mundo. Tynion 4º prende o leitor com uma gravata, o traço do espanhol Bueno é muito mais do que bueno e as cores orgânicas da Bellaire são vitais para a narrativa. Levou um Eisner brincando, pelo visto. O volume 2 nacional ainda está em pré-venda. Pergunta se aguentei esperar.
Cena do Crime (Editora Mino), de Ed Brubaker, Michael Lark e Sean Phillips, lançada originalmente em 1999. "Foi aqui que tudo começou", informa o release da Mino ao descrever o embrião de Gotham DPGC e Criminal, entre outros. Talvez por esse estágio ainda inicial, fica mais evidente a paixão do trio pelos romances de James Ellroy, Elmore Leonard, literatura pulp e cinema noir – ou assim parece. É um Bruba ainda não envelhecido completamente no barril de carvalho francês, mas a leitura já é de primeira. E ponto para os extras da edição também.
Infiel (Pipoca & Nanquim), de Pornsak Pichetshote com arte de Aaron Campbell e cores de José Villarrubia é um exercício de estilo sobre racismo e xenofobia. Em muitos aspectos, lembra a transposição para o terror de temas sociais feita em filmes como O que Ficou para Trás (His House, 2020) e na franquia Candyman. E é tão perturbadora e incômoda quanto. Narrativamente impiedosa e graficamente impecável, foi uma das leituras mais pungentes do ano.
Vira-Lata Virador (Nemo), de Grégory Panaccione. Me emocionei demais com essa adaptação do Panaccione (da também lindíssima Um Oceano de Amor). E além do mais, sou uma pessoa-cachorro. Não deu outra: virou HQ do coração. Essa é para comprar regularmente e sair presenteando por aí.
Série(s) do ano
Não fui um grande consumidor de séries novas em 2023 – assisti mais reprises de Os Pioneiros e Star Trek clássica que qualquer coisa pós-milênio, fácil. Mas me surpreendi com algumas produções recentes, como The Bear, que estou inciando agora. Em termos de experiência completa, não teve para ninguém: Silo, com sua produção caprichada, história intrigante e a entrega excepcional de Rebecca Ferguson rendeu até post entusiasmado por aqui; e Loki, que, Odin queira, fechou espetacularmente a jornada do (anti-)herói asgardiano e do megavilão Kang, com atuações soberbas de Tom Hiddleston e do canceladão Jonathan Majors. Empate técnico.
Desenho do ano
Scavengers Reign, de Joseph Bennett e Charles Huettner, e Unicorn: Warriors Eternal, do Genndy Tartakovsky, elevaram a régua das animações de 2023 até a estratosfera. Mas foi a produção franco-americana Blue Eye Samurai, de Amber Noizumi e Michael Green, que, lá do firmamento, tocou este coraçãozinho louco por Blade: A Lâmina do Imortal, Vagabond e Lobo Solitário. Ansioso pela próxima temporada.
Filme do ano
No One Will Save You, de Brian Duffield. Não é o melhor filme que assisti em 2023 (este posto é dividido por The Quiet Girl e Aftersun, ambos de 2022), mas ainda causa arrepios pelo tanto que foi feito com tão pouco, pelo desenlace inesperado – e absolutamente genial – e, principalmente, pela performance visceral da atriz Kaitlyn Dever. É de tirar o fôlego. Literalmente.
Menções honrosas:
Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians of the Galaxy Vol. 3, James Gunn)
Batem à Porta (Knock at the Cabin, M. Night Shyamalan)
Fale Comigo (Talk to Me, Danny & Michael Philippou)
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Até a próxima, amiguinhos!