Na época do lançamento do filme do Dr. Estranho, ano passado, fiquei de mandar o foca rascunhar um breve-mas-charmoso texto para a ocasião. Como isso nunca aconteceu, o filme - que me surpreendeu positivamente, que registrem nos autos - acabou como acabaram tantos filmes-pipoca por aqui: passando batido. Felizmente agora, em meio à faxina/releitura sazonal da portentosa coleção de papiros da 9ª arte, o nobre Doutor-Mestre das Artes Místicas há de ganhar seu tributo nesta pocilga. Que belo timing, hm?
Heróis da TV #68 e #69 (fev-mar/1985), formatinhos da Abril. Meu primeiro contato com Stephen Strange fora das fileiras dos Defensores. Era o Stephen solo, de várzea. E assustador pra caralho. Pelo menos pra um moleque acostumado ao bom e velho maniqueísmo multicolorido super-heróico.
O universo particular do Dr. Estranho era um lugar de fato estranho, com traços pesados e uma atmosfera tão obscura que chegava a ser azul. O mago honrava mesmo as calças que vestia quando ainda estrelava Strange Tales, seminal antologia de horror e monstros da Marvel.
Aquelas eram as edições #20 e #22 originais do título Doctor Strange vol. 2, ou Doctor Strange - Master of Mystic Arts. O roteiro de Marv Wolfman não era dado a pirotecnias, mas deixava claro que aquele não era o quadrinho regular da Marvel. Algumas mortes eram de arrepiar - e aí entra o verdadeiro protagonista destas modestas linhas (mas que sacanagem com o discípulo-mor do Vishanti, você vai dizer, mas calma lá que é justificado): o veterano artista filipino Rudy D. Nebres.
A arte detalhista com painéis que lembravam um óleo sobre tela gótico trazia tons fúnebres, cenários surreais e um clima febril e perturbador que remetia a um pesadelo - nesse ponto lembrando uma cruza blasfema da mão pesada de Gene Colan com o traço estiloso de Neal Adams. Mal comparando, era como o Stephen Bissette, do Monstro do Pântano de Alan Moore, saído de uma missa negra chapado com chazinho de Santo Daime.
Nas duas histórias publicadas, "Xander, o Impiedoso!" e "Tomada pela Loucura", a arte de Nebres se destaca numa aventura, que, de outro modo, ou com outro desenhista, não passaria de divertida. Mas o que se vê aqui, em cada quadr(inh)o é grande arte.
Sem o título de Mago Supremo e com seus poderes diminuídos pelo Ancião (não me pergunte porquê), o Dr. Estranho encontra pela frente o vilão Xander. Durante a batalha, um revés: sua aprendiz Clea acaba possuída pela magia negra de Xander e sai por aí cometendo as maiores atrocidades.
A despeito de Nebres ter concebido a Clea mais sensual de todas, tenho algo a confessar: a cena que mais me causou arrepios nas HQs da época é quando a moça vai parar na cadeia e para se livrar de uma detenta ameaçadora, ela concreta a infeliz ainda viva.
Não satisfeita, Evil Clea sai pela cidade tocando o terror em termos bíblicos e Lovecraftianos, como qualquer minion from hell que se preze.
Tive alguns... "problemas" com essas cenas também, pela carga imagética/religiosa envolvida. Fazer o quê, sou um católico cheio de culpa que não sabe o que faz e que, na época, ainda tinha os devaneios apócrifos de Os Caçadores da Arca Perdida ecoando forte na cabeça.
Apesar de seu incrível talento, no Brasil a carreira do señor Nebres foi marcada por seus trabalhos como arte-finalista. Ele fazia a cobertura dos lápis de gente como John Buscema, Gil Kane e os citados Gene Colan e Neal Adams, notadamente nos gibis do Estranho, do Hulk e do Conan (em especial A Espada Selvagem). Sempre com uma proficiência e qualidade do nível de um Alfredo Alcala, se for pra mensurar a competência do homem. Mas também assinou muita arte original, conforme o compiladão do Comic Book DB - e que, por algum motivo, continua sepucralmente inédita por aqui em sua esmagadora maioria.
Ao que consta, após a produção em ritmo industrial que manteve nos anos 70 e 80 o artista se afastou dos quadrinhos para investir seus talentos em áreas mais comerciais. Reservado e sem reconhecimento pelo conjunto da obra, Nebres faz aparições esporádicas em convenções de pequeno porte nos EUA.
Pra mim ele sempre será o dono do traço mais bacana - e assustador - que o Dr. Estranho já teve.
11 comentários:
Daqueles traços que marcam uma infância. Senti isso com o Buscema em Conan, Barry Smith em Arma X, Romitinha no Demolidor, McFarlane no Aranha... Aquele tipo de material que só de folhear a memória vai longe.
Terminei Braindead finalmente no mês passado, tu viu tudo? E Taboo?
Do Vale, curioso como HQs são altamente suscetíveis pra isso. O Nebres, o Drácula e o Dr. Estranho do Colan, o Arqueiro/Lanterna do Neal Adams e todos esses gênios que você citou eu lembro pontualmente dos primeiros contatos que tive. E lá se vão absurdos 25, 30 anos, pra mais. Nada mal para uma atividade "escapista", hm?
Fechei "Braindead" sim. Viciante e espirituosa. Conclusão satisfatória. Ficou o gostinho de quero mais, o que, infelizmente, não vai rolar.
"Taboo" estou com todos os episódios no HD, mas fiz uma pausa forçada no 5º ep. e fui procrastinando (tempus fugit!). Até ali estava achando tudo muito intrigante. Vou finalizar. Chegou a ver todo? O que achou?
Já sinto saudades de Mary-Elizabeth...
Quanto a Taboo, a coisa só melhora na reta final. Quando tu pensa que pegaram o Delaney, o cidadão tá um passo a frente. Coisa fina até o último segundo.
Olá Dogma, td na Paz?
Belo resgate e por consequência homenagem ao trabalho do Rudy Nebres.
A Marvel está devendo uma edição copilando várias de suas contribuições à editora.
- - -
Em tempo, montando meu último post na Batdeira, aproveitei e pus um link para seu blog também.
http://vamilustrador.wixsite.com/batdeira/single-post/2017/07/02/E-SE-MARVEL-FICASSE-NA-RGE
Abs,
VAM!
E aí, VAM! Meu amigo, ficou SENSACIONAL!
Mesmo já conhecendo seu talento gráfico, o resultado ficou impressionante mesmo. Tivesse eu tempo e dinheiro, traduzia os originais e mandava prensar uns fac-símiles com a sua capa!
Sobre o Nebres, sabe que acho algo provável a editora dos Pipoca & Nanquim publicar isso algum dia?
Abração!
Legal que curtiu, doggma.
E as outras capas vindouras, serão ainda mais bonitas!
Mas sobre o Nebres, acho difícil do PN publicar alguma coisa dele, somente se fossem histórias das antologias da Warren: CREEPY, Eerie e 1984. Mas com exceção da última os dois primeiros já estão de posse da Mythos e Devir.
E da Marvel o PN não conseguiria publicar nada, por conta da Panini.
Uma pena mesmo, companheiro.
Abs,
VAM!
Pois é, VAM! Pensava que os caras, na condição de editores da Panini, agitassem uma parceria só com esse material. E outros, muitos outros.
Difícil, eu sei. Já podiam até ter feito isso com a Red Sonja do Esteban Maroto na edição de estreia da editora. Mas sabe como são os sonhos, rs.
Abraço!
"Mas sabe como são os sonhos, rs."
Isso é verdade, não tem preço! :))
E por falar em sonho ou seriam alucinações...
que viagem aquele preview indicando que o Hulk passaria ser publicado no Almanaque do Aranha, doggma!
Abs,
VAM!
Olá Doggma!
Pesquisando sobre o Nebres, descobri que em Rampaging Hulk #16 publicaram um "A Hulk/Nebres Portfolio" com meia dúzia de ilustras.
http://2.bp.blogspot.com/-RxzdaDoHEII/VFmrSG60m5I/AAAAAAABGCM/4js3GySfYUo/s1600/Rampaging%2BHulk%2B%2316B.jpg
Olha ele na foto, parece um dos Menudos!
https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/736x/68/81/5f/68815fec00aa23eedcc6423ef8b8c2b9--hulk.jpg
Taí uma edição que vale procurar no Ebay...
Abs,
VAM!
Olá, VAM!
hahah... pelo menos é um Menudo, não um Dominó ou um Polegar!
Rapaz, a ilustra do Earl Norem nessa Rampaging também foi a capa do 1º gibi que li na vida, o Incrível Hulk #12 da Abril!
Brigadão pela dica. Estou "folheando" agora e as pinups do Nebres são demais. Claro, um tanto diferente do padrão anatômico do Verdão, que parece aí até mais humanizado...
Em tempo: a história do Moench/Zeck é bem bacana, na linha do velho seriado.
Vendo a galeria-gama do Nebres, fiquei pensando... há muito material fascinante por aí que continua perdido nas areias do tempo. Outro dia baixei um packão com várias edições de "The Comics Journal", "Amazing Heroes" e "Back Issue!" (todas magazines clássicas sobre gibis). Cara, é muito material legal que rolou ali - pinups e sketches exclusivos, histórias de bastidores, negociatas, coberturas das comic cons dos anos 70/80, entrevistas com roteiristas e artistas na época de seus maiores hits, etc.
Infelizmente, a maior parte da mídia ligada aos quadrinhos hoje, na pressa em contabilizar mais cliques e inscritos, ignora esse background riquíssimo e abraça o superficialismo. Mal arranham a superfície. Uma pena.
Abração!
"há muito material fascinante por aí que continua perdido nas areias do tempo"
É aquilo que eu comentava com o Leo, no SubHQ, doggma. A quantidade de material de qualidade inegável produzido até os declinantes Anos 90 é tão abrangente que podemos passar o futuro próximo, só olhando pro passado. Sem nem sequer se importar com os All-New-52-Rebirth da vida...
Abs,
VAM!
Postar um comentário