Guardiões da Galáxia Vol. 3 passa a nítida impressão de um James Gunn tirando um peso enorme das costas. Compreensível. O filme representa o fechamento de um extenuante ciclo criativo e pessoal. Fora a pressão, o ritmo industrial e a saturação que assolaram o MCU nos últimos anos, cabe lembrar que o cineasta conheceu o céu e o inferno do showbiz em tempo recorde — com direito a um raríssimo "descancelamento" no processo. Mesmo com o cenário desfavorável e as malas já desfeitas na casa nova, o filme parece alheio a tudo isso: Guardiões da Galáxia Vol. 3 é espetacular. Para mim, o pipocão do ano até aqui. Mas com profundidade. E conferindo um sutil senso de conclusão à trilogia.
Senso de conclusão, não uma conclusão per se, claro. Afinal, é da Marvel que estamos falando.
Gunn finalmente realiza a catarse que vinha tramando desde 2014. Despede-se em grande estilo e ao mesmo tempo mostra que guardou o melhor para o final. E por que guardou. Vamos combinar, o sujeito é um prodígio neste segmento. Não é todo mundo que consegue amarrar tantas pontinhas soltas, alinhar a continuidade da série própria com a cronologia-matriz, desenvolver e pontuar a jornada pessoal de pelo menos oito personagens do núcleo principal e ainda entregar o fanservice de ação e efeitos alucinantes que se espera e mais. Vol. 3 conduz tudo numa sintonia tão fina que passei pano para as eventuais deficiências com um sorrisão estatelado no rosto.
Como já comentei antes, uma das qualidades mais bacanudas do cinema-gibi de Gunn é o bizarro, o ridículo e o colorido assumidos em toda a sua glória. E isso é praticamente o código-fonte de uma HQ de super-herói. Os tons exagerados e lúdicos montam o palco perfeito para a violência demencial e até mesmo o body horror do velho Gunn veterano da Troma.
Neste sentido, fazia tempo que não via o PG-13 levando tanta estocada de um diretor. Desde o Duas-Caras, para ser exato.
Na premissa, a comunidade de Lugar Nenhum é atacada por um superser e um dos Guardiões acaba ferido gravemente. Dali em diante, é aquela mesma pegada space road movie, com os heróis correndo contra o tempo para salvar a vida do amigo. Simples assim. E método-Stan-Lee-de-criar-roteiros assim. Se foi intencional ou não, vai saber. Mas há nesta síntese uma beleza poética para gibizeiro que devorava Marvel durante os anos 1970-1980 nenhum botar defeito. E isso não se encontra mais nem nos quadrinhos atuais, meu chapa.
É notável a facilidade do diretor em dialogar com todo tipo de público — tanto que, nos minutos iniciais, pensei seriamente em mudar de cadeira para fugir da tagarelice de um grupo de menininhas que estava na fileira de trás, mas, ao que parece, o filme foi universal o suficiente para
Elas estão mais bem inseridas, embora algumas ainda se estiquem demais após a punchline. O que foi um problema para mim, mas não para a maioria na sala, que se mijou de rir. Então fechou. Ainda mais porque elas não atropelam as pausas dramáticas e emocionais, uma patinada recorrente em todo o catálogo da Marvel Studios. Aqui, as cenas sérias foram devidamente respeitadas, sendo, de longe, as mais bem elaboradas da filmografia do diretor. Algumas triscam perigosamente a linha do melodrama, mas ao menos dois momentos são de arrasar até os corações mais gélidos. Mesmo.
Ainda nesse toma lá/dá cá de altos e baixos: música demais. Sei, sei, a franquia dos Guardiões resgatou a trilha jukebox para o mainstream, piriri, pororô. Mas, de novo, é música quase o tempo inteiro. E obedecendo a regra, já estava meio que repensando a experiência e o cara me vem com as clássicas "We Care a Lot" e "No Sleep Til Brooklyn" — esta última rolando no talo durante uma das sequências de porradaria mais eletrizantes do MCU.
Acertou em cheio o meu Calcanhar de Aquiles Funk Metal.
Na já extensa galeria de vilões do MCU, é seguro afirmar que o Alto Evolucionário merece um lugarzinho lá no... alto. O ótimo Chukwudi Iwuji defende com paixão as motivações de seu personagem e constrói uma figura calculista e absolutamente cruel. Com talento ímpar, ele vai preenchendo várias camadas do perfil unidimensional do geneticista. Há uma cena de derrotismo intelectual que é simplesmente fantástica. Logo se vê que aquilo não é material Hollywood. Não mesmo.
Em que pese sua grande atuação e mais o surrealismo de ver a Contraterra numa telona, o visual do personagem, um tanto cospobre, não ajudou. O jeito foi abstrair e curtir a piadinha com um ícone do cinema-porrada oitentista. Aquela foi boa.
Will Poulter, por sua vez, teve a ingrata missão de personificar um Adam Warlock que de jeito nenhum é o Adam Warlock. Pelo menos, não aquele que estou olhando agora na lombada de Guerra Infinita. Criado pelos Soberanos para se vingarem do balão que tomaram dos Guardiões no início de Vol. 2 (olha outra ponta amarrada aí), o personagem é meramente uma muleta com a mecânica de qualquer variante do Superman. Aliás, aquilo seria um trabalho para o Gladiador, se Kevin Feige não fosse tão FRANGOTE com qualquer coisa ligada aos X-Men nos cinemas. #prontofalei
Mas, aí, consigo ver esse Adam Warlock amadurecendo e virando Adam Warlock um dia.
Em relação aos Guardiões como um todo, rola mais uma vez aquela admiração pelo que a Marvel construiu ao longo dos anos. O ambiente de trabalho deve ser incrível. A química de todos em cena soa tão natural quanto poderia. O Peter Quill deprezaço de Chris Pratt, a Gamora resetada de Zoe Saldaña, a Nebulosa upgradeada de Karen Gillan, o Groot mais parecido com o Vin Diesel até agora, o Drax nonsense de Dave Bautista e até a despropositada Mantis de Pom Klementieff funcionam por serem disfuncionais. É a vitória dos outsiders. E viva as diferenças.
E na nota mental-marvete, os Saqueadores ganharam seu melhor visual nesta saideira, lembrando até a equisitice da velhusca Legião Alien. Cof, cof.
E entre tantas ramificações e amarrações, o filme é do Rocky Racum. Malandramente, Gunn protelou por anos até revelar a sua origem cinematográfica — diferente das HQs — e foi um golaço. É emocionante, é impactante, é visceral. James Gunn escolhe não aliviar para o espectador em nenhum momento. O resultado é corajoso e incomum vindo de um blockbuster. Especialmente difícil para quem gosta de animais, mas levanta uma discussão urgente e necessária.
São soberbas as performances vocais de Bradley Cooper e de Linda Cardellini (a Laura Barton) no papel da doce lontrinha Lylla. Que, por sinal, trocou de espécie. Já o morsa Teefs/Wal Russ ficou igualzinho. E certamente o maravilhoso quadrinho WE3: Instinto de Sobrevivência, de Grant Morrison e Frank Quitely, foi uma grande referência para o diretor.
Será que um dia ele volta? Foi Gunn demais enquanto durou...
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