quarta-feira, 26 de abril de 2006

VIVE LA REVOLUCIÓN!


Quando pensamos em elementos cuja simples existência nos dá a percepção do sentimento de relação próxima e direta, composições clássicas de modelos que funcionam – mesmo que minimamente próximo ao que se espera - sempre tendem as opiniões para o continuísmo. A mudança brusca sempre é temerária. É o medo do desconhecido, de como aquilo pode funcionar. No serviço público, por exemplo, por pior que seja o setor em que trabalhe, quando o cargo majoritário é alternado pelo voto, sempre (raras exceções que confirmam a regra) surge aquela dúvida:"Oh... e agora? O que será de nós?" (pelo menos para quem trabalha e gosta de trabalhar). A troca de colégio na infância trazia o mesmo sentimento, bem como a expectativa de terminar um namoro que não dá certo simplesmente porque se acostumou à presença da pessoa. Não sei se é porque costumo ser do contra, mas a mudança de ambientes sempre me agradou, por maior apreensão que o desconhecido cause. Mudanças arejam idéias, trazem revisões de conceitos, remodelam formas que há muito precisam ser remodeladas e atualizam o ambiente.

A relação que tenho com os quadrinhos - e, creio, não deve ser diferente da maioria das pessoas que se permitiram apaixonar por este veículo (o que traz à baila também a discussão do preconceito pelas HQ's, coisa para um post separado ou para a Área Azul) – é muito pessoal. A espera pelo lançamento de determinado título, as flutuações de humores com o que fazem com determinado personagem, as indignações que emergem de "injustiças" e reações afins dão um sentimento de intimidade ímpar. É natural, portanto, que mudanças em personagens sejam chocantes, mesmo que mantenham sua essência. Tenho lido por aí muitas opiniões desancando o novo visual do Homem-Aranha, colocando como se fosse uma atrocidade inafiançável. Sinceramente? Eu gostei! Sei que é temporária (quem sabe me engano) e serve apenas a: 1 – criar um hype interessante às vendas, e; 2 – criar elemento adicional para a "saga do ano", Civil War. Claro, Millar nos roteiros, com o sucesso estrondoso e incontestável de Ultimates ainda ecoando alto no córtex e um racha no casal 20 dos casais 20 das superequipes (Homem de Ferro e Capitão América) já seriam mais do que atrativos para tornar a saga indispensável sob o ponto de vista de expectativa, mas, se dá para salgar um pouco a sopa numa polêmica com o personagem mais popular da casa, tanto melhor!

O engraçado é que estou vendo uma reação muito parecida com a que percebi lá pelos anos 80, quando o herói azul e vermelho ficou preto. Não havia internet, claro, mas era leitor assíduo da seção de cartas e, logo após as Guerras Secretas (acho que por volta da edição 70 da editora Abril), a ojeriza apresentada pelos leitores àquela novidade era pungente. Eu até estranhei no começo, mais pelo costume com o antigo do que propriamente por achar ruim, mas lembro claramente que gostei. E muito! Claro, com a tecnologia de publicação da época, um uniforme eminentemente negro perdia um pouco de qualidade gráfica – tons de cores, por exemplo – mas o resultado geral, principalmente as alterações naturais no comportamento do personagem, foram, por falta de palavra melhor, do caralho! A fase estendeu-se até a edição "105, quando Peter o abandonou oficialmente, mas não definitivamente. Acontece então a reação contrária: seções de cartas agora imploram para que ele não aposente a aranha branca. Que, ao menos, o alterne com o clássico. E de vez em quando ainda o vemos com um dos visuais mais bacanas já criado para um herói.

O fato é que, com um personagem criado na década de 60, com tantos outros criados com características semelhantes, na mesma época e compartilhando cenários e contextos praticamente idênticos, inovação com os mesmos ingredientes com mais de 4 décadas de fermentação passa a ser trabalho possível apenas com pacto demoníaco, no mínimo. Mesmo com as atualizações conjunturais e de contexto – globalização, política regional e/ou geral, amadurecimento de argumentos e roteiros para um público que também amadureceu, artifícios gráficos mais realistas, liberdades de expressão etc – é impossível não fazer o personagem incorrer em revisões do mesmo tema sem alterá-lo. O uniforme negro foi uma tentativa. Personagem ficava mais dark, facilidades com a "roupa viva" criavam situações inovadoras e ainda deram um vilão carismático, mas desperdiçado com o tempo. Particularmente, já há alguns anos venho pensando que os heróis, por mais identificados que sejam com o público, têm que morrer (e permanecerem mortos). Só assim o conceito que ele carrega pode ser reeditado em novo alter ego, mas com alterações que não fazem os fãs reclamarem, já que é, em tese, outro personagem. Vejam, por exemplo, Batman Beyond, Ultimates e Supreme Power.


Só que matar um personagem é muito complicado. A opinião pública ruge e sua volta urge (eca!). Então só uma mente muito criativa para tentar reavivá-lo. E voltamos então para o contexto do novo uniforme do Aranha. Na verdade, a tentativa de revitalização do personagem vem bem antes do novo uniforme. Começa uns 2 ou 3 anos atrás quando Straczynski assumiu o título. Entre altos e baixos, acho que ele acertou muito mais do que errou – e certamente ousou muito mais do que seus antecessores mais recentes. Re-contextualizou sua condição aracnídea que, mesmo com os já citados altos e baixos, apresentou produtos muito bons. Morlun, por exemplo, é um dos personagens mais interessantes já criados como antagonista. Assim foi Ezekiel. O problema destes dois personagens é que eles são perecíveis, ou seja, são interessantes, suportam e dão sustância ao cenário em que está imerso o personagem, mas suas motivações de existência rapidamente se extinguem. E Straczynski os mata. Morlun, diga-se de passagem, é fisiológico, básico, elementar. Seu propósito é raso, mas justamente por isto sua aparição nos dá as porradarias mais honestas que Peter poderia participar. O pau come solto, sem freios, sem consciência, sem preocupações a não ser a própria sobrevivência - o resultado é impressionante (claro, contribuem bastante John Romita Jr, na primeira ocasião, com sua arte de dinamismo raro e Mike Deodato, na segunda ocasião, em sua fase realista). A revitalização contou também com o reforço do lado pessoal do personagem, ao colocá-lo como professor em um colégio. Sacada de mestre, mesmo que tenha sido desperdiçada com o tempo.

Difícil ver Peter se soltando deste jeito. Clique sobre a imagem
para ver maior. A conclusão da luta está aqui

Mesmo assim, com 2 ou 3 anos no cargo e obrigações impostas ao personagem por títulos paralelos e fora de seu domínio (Avengers Disassembled, New Avengers), o próprio Straczinsky deve ter percebido que as linhas estavam convergindo demais e logo cairia no lugar comum. Surge então a saga The Other. Foi coisa grande. Apesar de cumprir um período comum para arcos de heróis, 4 meses, tomou conta de 3 publicações distintas (Amazing, Friendly Neighborhood e Marvel Knights) deste período. A coisa toda oscilou entre o muito bom e o muito ruim. As linhas gerais, parece, foram definidas por ele, bem como o roteiro/argumentos da Amazing, mas esta função foi delegada a terceiros nas outras publicações, o que explica a oscilação de qualidade. Viagens no tempo, Wakanda e Tia May/Mary Jane com armaduras do Homem de Ferro foram de doer, mas se esquecermos estas partes, o todo fica legal. Ele tentou ali remodelar o personagem com um renascimento. Novos poderes, destruição de passado que não fosse importante etc. A relação dele com as capacidades de uma aranha foi fantástica – o ferrão, a visão no escuro, o sensor de vibrações em sua teia – é realmente o alcance total do que o conceito original previa. A forma como ele foi conhecendo suas novas características trouxe consigo nostalgia poderosa, fazendo quem lê rememorar como ele descobriu os poderes originais lá nos idos de Stan Lee. Entretanto, tão logo acabou The Other (diga-se de passagem, a melhor luta que já vi nos últimos tempos do Homem-Aranha está aqui), estas novas características não foram novamente abordadas, assim como a vida de professor quase não é vista mais. Creio que seja pela prioridade dada a Civil War, mas espero ver como isto desenvolver-se-á após a saga.

O último artifício da recriação do herói foi o novo uniforme. Seu "funcionamento" é forçado demais, mas suas possibilidades são inúmeras, criando novamente um lastro de combinações de roteiro até que nova revolução se faça necessária. Claro, na minha opinião as outras "pernas" da aranha são toscas, mas os outros elementos "funcionam" bem. Até ressuscita características clássicas e abandonadas como as teias embaixo das axilas que permitem planar e o simbionte que poderia simular qualquer vestimenta – inclusive o uniforme convencional.

O importante nisto tudo é que a revolução dos elementos do conceito existe. Mas a essência do personagem permanece.

Que as mudanças sejam bem-vindas!


Artigos Anteriores Relacionados:
Artigo 1 - Ultimates Cartoon - 02/03/2006
Artigo 2 - Ultimates v2, parte 2 - 16/01/2006
Artigo 3 - New Avengers - 15/01/2006
Artigo 4 - Ultimates v2, parte 1 - 14/04/2005
Artigo 5 - Avengers Disassembled - 28/01/2005
Artigo 6 - Homem-Aranha - Jean DeWolf - 15/06/2005
Artigo 7 - Ultimates v1 - 07/06/2004

sexta-feira, 21 de abril de 2006

LOST IN TRANSCRIPTION


Mudando mais uma vez de assunto, resolvi escrever sobre uma das coisas que são bem competentes em roubar meu tempo de vida religiosamente toda semana: Lost. Não costumamos falar de séries aqui, mas nem por isto estou sendo original, já que o chefe já andou escrevendo sobre 24 Hs. De qualquer forma, pode ser que mencione alguma coisa no texto que seria entendido como spoiler. Leia por conta e risco.

A série não é mais novidade para ninguém. Teve seu hype forte à época do lançamento, entrou em velocidade de cruzeiro, deu uma aumentadinha na popularidade e expectativa junto àqueles que não tem TV a cabo quando ganhou o Globo de Ouro e, finalmente, re-experimentou o sentido de novidade quando a Globo passou toda a primeira temporada numa tacada só, inclusive com o último episódio sendo exibido praticamente na véspera em que a AXN lançava a segunda temporada. Fui arrebatado logo de cara. Comecei acompanhando na Net e depois via torrent, já que odeio ser escravo de programação, e a forma como o roteiro brinca com o sentimento é um tormento, mesmo que em alguns momentos este sentimento tenha mais a ver com o ritmo da série do que com os conflitos dos personagens.


A primeira temporada foi irretocável. Apresentou cada indivíduo, construiu suas personalidades, abusou dos flashbacks para montar seus backgrounds, motivações, reações e recheou de mistérios seu principal personagem: a Ilha. Tudo parecia muito bem amarrado e o fato de não termos pistas sobre o que estava realmente acontecendo parecia parte do jogo, para não falar das situações vividas naquele microcosmo que dão muito pano para manga. Entretanto, veio a segunda temporada e em vários momentos – pelo menos até o décimo-segundo ou décimo-terceiro episódio – tive a sensação de que J.J Abrahams estava calçando os sapatos de Chris Carter quando, em Arquivo X, percebi que planejaram menos do que a audiência pedia e esticaram mais do que em minha paciência cabia, perdendo completamente o controle sobre o rumo da história. Dramas já explorados na primeira temporada haviam retornado, a coisa estava meio que morna e o ponto alto do período foi a apresentação do segundo grupo de sobreviventes que caiu do outro lado da ilha e tinham em seu cast dois personagens interessantíssimos: Ana Luzia – Michelle "Kate Mahoney" Rodriguez e seus olhares de mulé má – e Mistereko (ou Mr Eko, como alguns escrevem por aí, mas acho pouco provável que ele se referiria a si próprio como Mr) – personagem que acabou se transformando num dos mais interessantes da série. Achei pouco em relação ao que me acostumei na temporada anterior e já estava sentindo cheiro de enrolação. Ledo engano, gafanhoto! Daí para frente o caldo tomou forma e agora, faltando cinco episódios para o fim da temporada, a chapa ta quentíssima, criando raízes para a certeza de que o leme está bem seguro nas mãos de J.J.

Não vou revelar muito sobre o que vejo nos torrents, mas quem acompanha pela AXN já viu o que tem dentro da escotilha, o que tira parte da aura mística dos eventos, mas não diminui o mistério. Dadas as variadas formas em que os absurdos ocorrem no local: curas milagrosas, ursos polares, materializações de pessoas mortas, monstros gigantes, fumaça assassina e mais algumas que serão vistos nos capítulos do porvir, minha lógica limitada já tinha cansado de tentar entender o que poderia estar a ocorrer com o gajos, ora pois. Já deixava rolar no automático, até porque assim seria mais fácil de ser surpreendido no futuro. Eis que surge em minhas mãos o livro Presa (Michael Crichton, 2002, 472 páginas). Crichton já é renomado por suas obras de transcendência de estados/situações, vide Runaways: Fora de Controle e Jurassic Park, e este livro não foge à regra. Aqui ele aborda aquilo que a comunidade científica já vem alardeando com brilho, esperança, expectativa e medo: o cruzamento perigoso e cada vez mais próximo da nanotecnologia com a informática e engenharia genética. Fala de um analista de sistemas especializado em sistemas de agentes – programas independentes que reagem entre si como rede – baseados em comportamentos de diversas comunidades biológicas existentes na natureza, dentre elas as relações entre formigas, cupins, abelhas e a relação presa/predador de leoas, hienas e afins. Seus sistemas trabalham dentro desta lógica, enquanto sua mulher é alta executiva de uma empresa de produção na área de nanotecnologia que anuncia a quebra da barreira intransponível: há tempos a ciência sabe como construir nano robôs, mas o processo fabril era impossível. Claro, se o livro é de Crichton, isto tinha que dar zebra, então os nano robôs produzidos pela empresa para o exército e operados segundo a lógica do programa predador/presa do protagonista saem de controle e se espalham na natureza. O que acontece daí para frente? Curas milagrosas, materializações de pessoas mortas, fumaça assassina. Déja vu? Também tive esta impressão. Até as reações da fumaça às situações são idênticas. Não bastando, o protagonista cético chama-se Jack, mas temos também os arquétipos de Kate, Sawyer, Hurley, Locke, Michael e Walt, pelo menos até onde identifiquei. É tudo muito parecido com o que vem ocorrendo e bem mais coerente do que o hoax sobre a entidade do folclore brasileiro que habitaria a ilha, além de ter sido publicado alguns anos antes da série.


Mas não é só isto, em conversa com um amigo, dias atrás, ele destacou que os arquétipos da série também são idênticos aos dos personagens da Caverna do Dragão. Na época concordei, mas pensando bem, se nos enveredarmos nesta linha, estes entretenimentos que existem por aí possuem 90% dos mesmos perfis. Ser original, hoje, é bem difícil e torna-se inevitável cruzar com o que já existe. De qualquer forma, não vejo isto como demérito algum. Pouco me importa se elementos já foram usados, contando que a história seja boa e inovadora na forma de usar estes elementos. Assim foi com o primeiro Matrix, assim é com Lost. Se pensar bem, praticamente todas as séries que curto hoje em dia são revisões de algo já feito: 4400 é um Arquivo X reloaded e The O.C é um Barrados no Baile/Melrose Place pervertido.

Em tempo: toda semana escrevo um resumo do episódio visto para alguns amigos que não se importam com Spoilers. Claro, o site da série também tem isto, mas é formal e in english. Se alguém quiser entrar na lista, avisa nos comentários e coloco o nome nas próximas mensagens.


TODO MUNDO REALMENTE ADORA UMA TEORIA DA CONSPIRAÇÃO


Recebi por empréstimo de um amigo e já comecei a ler As Sociedades Secretas e seu Poder no Século XX. É um calhamaço de papel de 489 páginas escritas em 1993 por Jan Van Helsing, um pseudônimo escolhido pelo alemão Jan Udo Holey provavelmente como alusão ao caçador de uma lenda que sugava a vida da humanidade. Se tem uma pessoa que gosta mesmo de uma teoria de conspiração, esta pessoa é ele. Este livro trata todas as comunidades ditas secretas que existiram nos últimos séculos e como elas afetaram este que passou; dos Sábios de Sião (ou Priorado) até os Illuminati, passando pela família Rothschild, a sociedade de Caveiras e Ossos (Skull & Bones), 666, guerras mundiais, Vaticano, FMI e uma infinidade de outros assuntos interessantes (tem um texto sobre o símbolo da Procter et Gamble, dizendo que o dono teria afirmado na Tv em 1984 que "concluiu um pacto com Satã, tendo vendido sua alma em troca de expansão econômica").

O curioso é que as publicações do autor foram banidas da Alemanha e da Suíça por serem consideradas anti-semitas. Além disto, o livro, apesar de ter ISBN (ISBN 3-89478-816-x), não existe para compra.

Bacana? Sim.

Interessante? Também.

É para levar a sério? Claro que não... se levarmos isto a sério, é capaz de enlouquecermos, mas que é bacana, não tenha dúvidas! E é ótimo para papo de bar! Mais detalhes aqui.

O livro para download aqui. Outros livros tão esquizofrênicos quanto (ou mais) aqui. Divirtam-se.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

O CÓDIGO DAN BROWN


Lá no começo do texto falei sobre abordar um foco passional e outro oportunista. O passional já foi, o oportunista vem a seguir. Um dos maiores best sellers da atualidade está prestes a ganhar as telas de cinema. Daqui a um mês O Código Da Vinci (Da Vinci Code, 2006) dá razão ao meu oportunismo de resolver falar sobre as obras de Dan Brown (acho que vou aproveitar a onda oportunista e escrever sobre Superman e X-Men 3... ). A oportunidade é tão boa que, mesmo abordando simplesmente livros, dá para contrariar a regra sobre dificuldade de arranjar imagens em texto sobre brochuras. Qualquer livro dele, se analisado, implora por imagens dos locais visitados, mesmo que careça dos protagonistas das histórias nestas imagens.

Não há como negar, ele é espertíssimo. Descobriu um roteiro de "como escrever livros em X passos" e seguiu à risca. Fez o primeiro, apostou no segundo e teve que arriscar no terceiro para tirar a sorte grande. O Código veio e arrebatou meio mundo (ou mundo e meio), arrancou seu lugar na tela do cinema a cotoveladas e lotou seu bolso de dinheiro. E o que é o Código senão uma revisão nos ganchos usados em livros de suspense e mistérios de outrora com uma aura de "caramba... isto pode ser verdade"? Quem leu ficou com aquela necessidade de debater o livro como quem tem o afã de exaurir um brinquedo novo. Claro, falo da maioria que gostou, não da minoria que diz que não gostou para ser "do contra" e dizer que tem opinião... ou dos que não gostaram legitimamente mesmo.

O caminho normal de quem gosta de uma obra é procurar mais produtos do autor e assim o fiz... fui atrás de suas obras pregressas e ganhei a que veio após. Não negal a 'paternidade' e continuam com o magnetismo próprio do ritmo e da receita de bolo, mas também criam um pouco do sentimento de "já vi isto com outros atores e cenário" - mais do mesmo, já que a receita de bolo, ao invés de ser um instrumento narrativo, é tão presente que vira praticamente uma personagem.

Percebemos claramente o amadurecimento do autor desde seu primeiro romance – Fortaleza Digital – até seu último – Ponto de Impacto, mas os roteiros, como já dito, podem até ser tabelados: um mistério normalmente vinculado a algum conceito polêmico e com enigmas revelados aos poucos; sociedades ou grupos com apelo cult ou misterioso; casal de protagonistas com tensão amorosa, perseguidos durante todo o livro e que se acertam no final; uma série de informações interessantes-porém-de-utilidade-duvidosa-mas-que-rendem-ótimos-papos-de-bar, locais turisticamente interessantes ao redor do mundo descritos com riqueza de detalhes – o que dá uma aura de legitimidade ao que é escrito - , algumas mortes e um final interessante. Além disto, e creio que seja a maior qualidade dos livros de Brown, percebi que em todos os casos há uma questão que permeia o todo e que basicamente pode ser definida como "Os fins justificam os meios?", com posicionamentos bem estruturados de ambos os lados – e mesmo sendo o lado bom e o lado mau, os argumentos não seguem o mesmo maniqueísmo (a melhor argumentação que vi em seus livros na defesa de uma opinião - argumentação com a qual concordo na sua definição do papel da fé em nosso mundo, ou o papel que deveria ter - está em Anjos e Demônios e pode ser lida aqui). Todos estes ingredientes são levados a fogo alto em caldo de dinamismo, pois são escritos como se já almejassem a tela grande (Stephen King's way of writing), intercalando sempre duas ou três frentes de ação em capítulos curtíssimos, mantendo o sentimento de tour de force depois que as apresentações de personagens se dá por satisfeita.

Ahhh... e tem o toque sacana que não pode deixar de faltar. Já mencionei que, para ornamentar o todo, as descrições de locais são riquíssimas, a lista de documentos mencionados e informações históricas são cuidadosamente trabalhadas, o que dá uma aura de veracidade ao livro. Aura esta que é reforçada pela informação de que todos os "monumentos, documentos e locais descritos no livro são factuais". Não discordo disto, mas ele não diz, por exemplo, que a interpretação dos "fatos" é dele. É uma alegoria que segue o tal roteiro padrão e se aproveita daqueles leitores de primeira viagem e/ou desinformados e/ou levianos e/ou loucos por uma conspiração para ter seu sucesso espalhado como rastro de pólvora, seja no boca a boca ou em qualquer dos zilhões de mídias de que fez uso. Enfim, de algumas de suas várias frases interessantes, creio que a que mais o orienta na construção de suas histórias é que "todo mundo adora uma teoria de conspiração". Estamos então às vésperas do lançamento deste filme-evento com um elenco estelar e direção competente. Espero que o filme, um dos responsáveis por me levar à falência nos cinemas no mês que vem, mantenha todo o climão do livro e abra espaço para adaptação de outros livros, principalmente Anjos e Demônios. Afinal, a repetição de fórmulas não é privilégio de Dan Brown; o cinema já se repete há tempos... se pelo menos for divertido, pagarei ingresso feliz!

TORNA-TE QUEM TU ÉS


Este local aqui não é muito usado para este tipo de texto, mas, como não deixa de ser uma mídia e definitivamente é veículo de cultura e entretenimento, vou falar sobre livros. Como todas as coisas, abordar este "negócio" tem um/vários lado(s) ruim(ns) e um/vários lado(s) bom(ns). Ruim pois é mais difícil inserir imagens com adesão satisfatória ao que se aborda, algo que textos sobre quadrinhos, música e filmes tem em abundância. Ruim também porque as imagens dão ritmo a textos longos – característica deste blog - , como pontos de descanso em uma trilha. E bom, pois, como não há precedentes por estas bandas, as reações ao texto são inteiramente novas, assim como novas pessoas podem surgir pelos comentários se o assunto falar mais ao pé d'ouvido.

Falar sobre as paixões que os livros criam, bem como a magia intrínseca à excitação das idéias causada apenas pelo velo das palavras e o desvelo da imaginação é chover no molhado, então vou abordar dois outros focos, um passional e outro oportunista.

O passional vem através de uma obra que se esconde por trás da frieza de uma lápide de racionalidade, mas olha enviesado para o calor da emoção fundamental; a aceitação pela convivência. Trata-se de "Quando Nietzsche Chorou" (When Nietzsche wept - Yalom, Irvin D.; 1992). O livro traz para o mundo da ficção o relacionamento de pessoas reais e relevantes na história de nossa sociedade: Friedrich Nietzsche – filósofo prussiano do século XIX, Josef Breuer – médico vienense e mentor de Sigmund Freud – "pai" da psicanálise. A relação de mentor e discípulo entre Breuer e Freud foi factual, mas Nietzsche (pronuncia-se "Nitch", mas sempre que falo assim, sou forçado a apelar pro Niétch para reconhecerem de quem falo) nunca encontrou com ambos.

Resumidamente, Nietzsche sofre de doenças terríveis e é convencido, através da ação da única mulher foco de seu amor recalcado, a tratar-se com o renomado Dr. Breuer. Até aí parece que é um livro maçante, mas a forma como a relação entre estes dois homens evolui é inapelável, além de contar com vários coadjuvantes de peso, bem como arranha a porta da aurora da psicanálise.

Não é qualquer livro que, focado em diálogos, consegue fazer alguém sentir-se em um liquidificador de emoções. Os diálogos que travam Nietzsche e Breuer são inebriantes, os duelos retóricos apaixonantes, as diferenças de personalidades praticamente saltam do livro, tomam vida, e o desfecho é um ensinamento. Não um ensinamento como estes filmes edificantes e redentores que surgem por aí, mas, ao menos para mim, um ensinamento cuja clareza chega a cegar, dado o espectro de situações que ambos vivenciam até chegarem às suas conclusões. Especifico o "ao menos pra mim", pois, cético que sou, nunca li palavras que estivessem tão ligadas à minha forma de pensar, quase fazendo-me sentir como se fosse minha própria mão, conduzida por algumas entidade mais esclarecida, que escrevera alguns trechos do livro. As tormentas que cada um deles passa são tão reais quanto às suas ou às minhas, mas exaustivamente, - e nem por isto arrastadamente - interpretadas. Sabe aquele sentimento que às vezes temos aqui dentro, mas não conseguimos verbalizar? Neste livro todas estas sensações são detalhadas, quase como se fosse um manual para quando sentirmos os sintomas de nossas angústias e quisermos nomeá-las. O real sentido de amizade sofre abordagem tão honesta quanto a forma como o escudo intransponível da razão dá lugar à sólida, mas permeável, emoção.

Não satisfeito, o livro é um manancial de frases-verdade; destas incontestáveis por quem entende que a vida é menos romântica do que se pensa. O que dizer, por exemplo, da frase "as pessoas, em verdade, amam o desejo e não a pessoa desejada"? Na minha fase de maturidade, não vejo verdade mais absoluta. A busca pelo desejar é arrebatadora, as pessoas desejadas são transitórias. E o "Transforme o 'assim se deu' em 'assim eu quis', caso contrário, não viverás uma vida, pois se não escolhes seu destino é a vida que te vive. Deseje o necessário e ame o que desejar. Amor Fati". Claro, são retórica e, por vezes, podem estar longe demais do que sentimos, pois falam à razão. Mas até isto o livro sabe e, para não permanecer imparcial, trabalha a conversão do discurso para a mente em discurso para o sentimento de forma natural, aproximando as palavras pensadas das palavras sentidas.

Na foto acima, à direita, temos Lou Salomé, Paul Rée e Nietzsche em foto cuja importância é bem destacada no livro.

Há tempos não leio algo tão bom, tão envolvente e com tanta mensagem, pois "bom" e "envolvente" vários são, mas também são rasos de significado. Li emprestado, vou comprar. E as obras de Nietzsche estão na mira, certamente, até porque após pesquisar sobre o cara na net, a wikipedia fez-me passear por conceitos impossíveis de se ignorar.

terça-feira, 11 de abril de 2006

QUE PAÍS É ESTE


"Estamos em 1988 agora. Margaret Thatcher está entrando em seu terceiro mandato e falando confiante de uma aliança inquebrantável dos Conservadores no próximo século. Minha filha mais jovem tem sete anos, e um jornal tablóide está circulando a idéia de campos de concentração para pessoas com AIDS. Os soldados das tropas de choque usam visores negros, bem como seus cavalos, e suas unidades móveis têm câmeras de vídeo rotativas instalados no capô. O governo expressou o desejo de erradicar a homossexualidade e as pessoas já ficam especulando contra qual outra minoria irá legislar. Estou pensando em reunir a família e deixar o país nos próximos anos. Este lugar está virando uma terra fria e hostil, e eu não gosto mais daqui."
Alan Moore, março de 1988

Anos após a publicação original de V de Vingança, Alan Moore ainda penava com o cenário político de sua terra natal. Fascismo imperialista de extrema direita ditando as regras do jogo, em plena Guerra Fria. Reagan e Thatcher caminhando juntos e antevendo um futuro em chamas. Era desse futuro que tratava V, obra clássica que Moore desenvolveu ao lado do desenhista David Lloyd. Apesar de ainda em início de carreira, Moore discorre com maestria sobre temas não-usuais como favorecimento político, massificação e manipulação da mídia (isso te lembra alguma coisa?). Outro ponto que sempre me interessou em V, foi a opção do autor em observar de perto o impacto dessa repressão extrema sobre o cidadão comum. Mais ainda, sobre os próprios agentes do autoritarismo. O tal "elemento humano" que a Máquina é incapaz de processar com exatidão.

V apresentava um naipe de personagens complexos, tridimensionais, cada um enfrentando o seu próprio drama particular. Além de estarem de alguma forma ligados ao status quo, a única relação entre eles era a conseqüência das ações de um terrorista auto-entitulado V (ou "Codinome V"). Nada se sabe a respeito do indivíduo, apenas o que ele mesmo faz questão de deixar claro: travestido de Guy Fawkes (genial idéia de Lloyd, Moore odeia admitir), V faz de sua estréia um tributo ao mesmo e explode as casas do Parlamento britânico. Momentos antes, ele havia trucidado três agentes do governo (policiais à paisana, denominados "homens-dedo") para salvar a desesperada Evey Hammond da morte certa. Isso, logo nas primeiras páginas da graphic novel. A partir daí, Moore traça um painel amargo do que pode acontecer quando as pessoas erradas estão no poder. E faz questão de lembrar que a diferença pode sim ser feita por uma pessoa - ou uma idéia.


Agora, fãs da clássica Vendetta, vamos dar as mãos: que susto levamos, hein. Adaptação cinematográfica hollywoodiana feita no controle remoto por Matrix's Larry & Andy Wachowski? E quando soltaram aquele trailer japonês cheio de caratê e música tecno? Brrrr... gotas frias de suor caindo com efeito bullet-time. Po-rém... pensando friamente, os caras têm sim uma boa experiência no quesito "No Future/Fuck The System" - talvez sejam os profissionais top de linha no assunto atualmente - o que é, sem dúvida, indispensável para dar vazão à abordagem emputecida que Moore impregnou no texto original. E o diretor James McTeigue se mostra um controle remoto daqueles do tipo "universal", hiper-versátil. É dono de uma bela folha de serviços em blockbusters, como diretor de 2ª unidade e diretor assistente (em dois episódios de Star Wars e nos três, oohh... Matrixes), o que, categoricamente, não quer dizer porra nenhuma.

Mas nem tudo foi baixa expectativa. Acho humanamente impossível algum admirador de V não ter comemorado a inclusão de Natalie Portman no cast. Quase não consigo imaginar outra atriz melhor no papel de Evey (quase). A aura inocente, a jovialidade (aparentemente eterna), o olhar mezzo estarrecido mezzo intrigado, e, claro, sua beleza natural irresistível, seja pra homem, mulher ou GLS (desafio qualquer um a não ser um natalieportmanssexual). E ela ainda tem um background interessante com esta motivação em particular. A primeira vez que vi Natalie foi em O Profissional, aquela belezura de filme em que ela, ainda molequinha, fazia um mix de mocinha-em-perigo com sidekick de uma força da natureza ambulante, encarnada pelo Jean Reno. Juntos, eles enfrentavam a personificação de um sistema caótico e corrupto - o melhor papel de vilão do Gary Oldman. E ela roubou a cena dos dois. Perfeita. Já estava preparada para este papel desde aquela época. Tá contratada.

"Não há carne ou sangue dentro deste manto para morrerem. Há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas."
Codinome V

Uma pequena confissão: após meses acompanhando os percalços da produção, não sei porquê cargas d'água, acabei entrando no cinema sem a mínima idéia de quem interpretaria V. Incrível. Pode ter sido apenas uma monumental falta de atenção, mas prefiro acreditar que foi influência direta da revista, que minimizava ao zero absoluto a importância individual neste caso (afinal, ele representava, antes de tudo, "uma idéia").

Corta pra hq novamente (pulem esta parte, desafortunados que ainda não leram V... há spoilers aqui):

Quando li V pela primeira vez, eu já estava tão embriagado por aquele ideal libertário, que cheguei a torcer para que Evey não retirasse a máscara de V, já moribundo. No começo, é claro que estava curioso pra saber como ele era. Mas depois de toda aquela dicotomia revolucionária e subversiva, - e já totalmente "convertido" - fiquei com medo de virar a página e me sujeitar à uma desmistificação abrupta daqueles conceitos - que passei a tomar como preciosas informações. Ou que isso acarretasse o fim daquela viagem (cacete... Moore e seus argumentos que transcendem o final físico da história. Espero que este legado esteja sendo bem rateado por aí, pois de uns dias pra cá ando pensando muito nisto).


Hugo Weaving talvez não tenha o timbre de voz que eu imaginava (detalhe que, neste personagem, leva uns 90% do carisma). Pra mim, seria algo mais suave e melodioso. Em todo caso, até pelo tom áspero e o fôlego filhadaputa, a já conhecida mis-en-scene vocal do ator garantem a diversão (pô, a caricatura que ele fazia com o Agente Smith era demais)... e insólita, diga-se. Recitar riminhas complicadas pouco antes de deitar uns seis na mãozada é digno daquela reprise de Laranja Mecânica. Ultra-violência shakespieriana! Felizmente, as cenas de luta são filmadas de maneira digna, sem muitas novidades modernosas. Aqui não há nenhum pulinho, seguido de loop em 360º e chutinho que joga algum infeliz pra longe. As lutas são honestas, as facas são altamente letais (e estavam na hq... são faquinhas super-idôneas!) e as coreografias são decentes (a melhor foi a da fuga na estação de TV). Pero hay que endurecerse... a seqüência final foi inegavelmente matrixiana. Não que eu vá ignorar o que isso tecnicamente ofereceu de bom até certo ponto, mas ver as faquinhas girando em slow-motion-querendo-ser-bullet-time me irritou sobremaneira. Preciosismo altamente dispensável.

O produtor Joel Silver andou falando que Alan Moore só ficaria satisfeito com o roteiro se cada palavra do texto original fosse transcrita. Quem dera. Mas o trabalho de adaptação foi respeitoso em relação ao conceito, e, ao mesmo tempo, pra lá de ousado. O resultado foi bastante funcional. Os puristas vão engasgar com a pipoca devido ao efeito impiedoso da condensação e com a semi-inversão na ordem dos acontecimentos (disto eu gostei muito). E os cortes? O supercomputador Destino não aparece, assim como a obsessão do Líder Sutler (o grande John Hurt, desperdiçado). Também não aparecem personagens-chave que fizeram toda a diferença, como a ambiciosa Helen Heyes e a vitimizada Rosemary Almond. O assassinato de Lewis Prothero - ex-"Voz do Destino", rebatizado "Voz de Londres" - foi relegado à uma seqüência padrão que passa longe daquela maravilha ritual vista na hq (aquilo sim era uma vendetta!). Já Gordon Deitrich não pega Evey (muuuuito pelo contrário...), justamente pra não ofuscar uma infeliz opção do roteiro quase na reta final. E Stephen Rea, um ator que eu admiro muito e também nem imaginava que estaria em V, caiu como uma luva no papel de Edward Finch - papel este que seria memorável, caso não tivesse um final tão alterado.


Mas o que aparece transposto literalmente chega a ser emocionante. O processo de "purificação espiritual" a que Evey é submetida ficou uma beleza (e prova que Natalie Portman fica bonita até azul com bolinhas amarelas). As cenas e os flashbacks relacionados à carta sufocante de Valerie ficaram perfeitas, talvez o auge dramático do filme. Ótimas as seqüências de V despachando a amargurada Doutora Delia e o repugnante Bispo Lilliman. Irretocáveis.

Eu defendo até a atualização da geopolítica envolvida. Muito se fala que as referências ali são ao W. Bush way of life, e são mesmo. Fazer o quê, se a Inglaterra andou importando alguns mal-costumes de sua ex-colônia (vide a co-autoria na invasão ao Iraque e o caso Jean Charles)? Não que isso vá acontecer com eles mais pra frente... não apenas com eles. Hoje, esta não é apenas uma visão do futuro da Inglaterra, mas do mundo. Inclusive nós aqui. Sem querer soar condescendente... estamos num país onde milhões de dólares são saqueados de cofres públicos e políticos assumidamente corruptos se beneficiam de acordos para evitarem a cassação, enquanto uma doméstica desempregada fica cinco meses na cadeia por roubar um pote de manteiga. Não se engane, neste exato instante, vivemos no universo de V. Mas em breve teremos mais uma chance de mudar algo - não através da força, ainda bem.

"O povo não deveria ter medo do seus governos. Os governos deveriam de ter medo de seu povo."
Codinome V²

Temos muito o que aprender aí, com todos estes acontecimentos e informações disponíveis, com este filme e seu final apelativo e populista. O pedido por indignação e contestação se confirma quando os créditos sobem ao som do clássico stoneano Street Fighting Man - uma ode ao cara que vai às ruas lutar pelo que acredita. A palavra de ordem não é mais "acorde", e sim "reaja". Nada mal em se tratando de uma mega-produção hollywoodiana.

A revolução definitivamente não será televisionada.

quinta-feira, 6 de abril de 2006

ALTAR BOYS & THE ATOMIC TRINITY


Quatro amigos passam os dias vivendo (ou, na maior parte do tempo, bolando) grandes aventuras, enquanto encaram, cada um à sua maneira, o turbilhão da adolescência. A primeira vez que assisti Conta Comigo (Stand by Me, 1986), foi identificação no ato. Mesmo levando em conta a enorme diferença, sei lá, "existencial" entre eu e os personagens do filme, a sensação de que minhas memórias poderiam se encaixar perfeitamente dentro daquele contexto era quase tangível. O sentimento e a busca por adrenalina era o mesmo. O filme me fez lembrar que também fui revoltado como o Teddy, fútil como o Vern, escapista como o Gordie e que ao menos 1% da minha consciência me mandava fazer as coisas certas, igual ao Chris. Isso sem contar a narração intrigante e a breve participação de Richard Dreyfuss, e a linda Stand by Me na trilha, além do verniz suave que deixava a história acessível - ao contrário do ótimo-mas-pesadão Vidas Sem Rumo, de 83. Tudo muito distante dos bacanas e estereotipados Goonies (lançado um ano antes), dos maconheiros de Picardias Estudantis (nunca nem pitei) e do super-herói Ferris Bueler (Save Ferris!). Claro... cada um com a sua viagem, mas Conta Comigo tinha um apelo universal. Esse filme foi um divisor de águas e efetivou um estilo todo próprio de se contar uma história, até hoje revisitado à exaustão.


...talvez só encontre paralelo no ótimo Clube dos Cinco (Breakfast Club, 1985), disparado o melhor filme de John Hughes - mas ainda assim tem um target muito mais preciso.


Depois desse tributo aos deuses, já dá pra falar sem reservas de Meninos de Deus (The Dangerous Lives of Altar Boys, 2002), filme já bem rodado nas locadoras. Estrelado e produzido por Jodie Foster para sua Egg Pictures, o filme é a estréia de Peter Care na direção de um longa. Até então, ele havia dirigido vídeos do R.E.M. e Depeche Mode, entre outros. O título em português parece nome de filme sobre a vida de Joseph Mengele, mas tem lá a sua justificativa (detalhe inédito, visto que as distribuidoras nacionais sacaneam os títulos por hobby). A tradução literal seria "A Perigosa Vida dos Coroinhas (Estrelando Michael Jackson no papel de Padre Jacko)". Pegava mal pra uma certa instituição religiosa patrocinadora das Cruzadas (sabe aquelas revistinhas da Ediouro?).

Nos Estados Unidos, apesar das pressões, a jagunça Jodie Foster sacou a peixera da liberdade artística e manteve o título original - o mesmo do livro no qual é baseado, escrito por Chris Fuhrman, falecido pouco depois de terminá-lo.


O filme se passa em meados dos anos 70 e é protagonizado por dois amigos, Tim (Kieran Culkin, de Sempre Amigos) e Francis (Emile Hirsch, o vacilão morde-fronha de Show de Vizinha). Ambos cursam o ginásio de uma escola católica e auxiliam o Padre Casey (Vincent D'Onofrio!) como altar boys, digo, coroinhas. Ao lado de mais dois colegas, eles vivem armando trotes sem-noção, tipo aqueles do Delinqüente, Inconseqüente & Demente, e têm como alvo principal a severa e implacável Irmã Assumpta (Jodie Foster). Enquanto o grupo está próximo de aplicar o seu maior trote, Francis se apaixona pela doce Margie (Jena Malone).

O roteiro, adaptado por Jeff Stockwell e Michael Petroni, segue por uma linha aparentemente simplista, mas guarda várias surpresas, em sua maioria muito positivas. Os quatro amigos andam de bicicleta, bebem, fumam, enfim... curtem adoidado aquela fase de suas vidas, mas têm em comum uma paixão em especial: histórias em quadrinhos. Eles discutem sobre personagens, poderes, inventam super-heróis calcados neles mesmos (criam um supergrupo chamado "Trindade Atômica", ignorando um dos colegas, que desenha mal pra chuchu) e rabiscam sem piedade as páginas de seus cadernos de escola. Quem curtiu hq nessa idade, pode se preparar para um déjà-vu daqueles.

Destaque também para os temas abordados ao longo do filme. Alguns bem pesados para o consumidor acostumado à produções mainstream, mas que conferem toda aquela pecha alternativa heróica, típicas do circuito independente (além de serem únicas, artisticamente falando).

Uma boa sacada ficou por conta das intervenções animadas, que funcionam como uma metáfora ao momento que o grupo de amigos atravessa no mundo real. Ali, a Trindade Atômica ganha vida e, com o tempo, o ponto de vista vai se centralizando em Francis (o filme gira sob a ótica dele). Assistindo aos desenhos, fica mais clara a influência da Tragédia Grega no mito do super-herói. A dramaticidade é exagerada ao extremo, tanto nas posturas e ações físicas, mas sempre mantém uma analogia única com a realidade cinzenta. Outro detalhe bacana é que Francis é fã do Monstro do Pântano e sua contraparte animada por acaso é um ser vegetal chamado Samambaia - cuja trajetória acaba incluindo uma versão "guerreira" de sua namorada Margie (mais déjà-vu).


A inspirada animação ficou a cargo do businessman Todd McFarlane, notório criador do herói Spawn. Como de praxe nessa área, ele fez mais um bom trabalho, anos-luz à frente de tudo que já produziu nos quadrinhos (vide o excelente clip da música Do The Evolution, do Pearl Jam). Ficou tão legal que os extras do dvd trazem essas seqüências na ordem, compondo um único desenho independente do filme. Aliás, só soube agora que McFarlane abocanhou um cobiçado prêmio Emmy, pela série do Spawn produzida pela HBO.

Algumas pequenas falhas pipocam na narrativa, mas nada muito grave. Os dois amigos de Tim e Francis, p.ex., apresentam uma certa personalidade, mas acabam se tornando invisíveis ao longo da história. O filme chega a descartá-los por uma boa parte do tempo e quando eles voltam, a boa caracterização do início já evaporou. Francis, por sua vez, ganha a interpretação sempre relutante de Emile. Isso, diante do carisma agressivo de Kieran Culkin, é praticamente um suícido cênico. No entanto, soam absolutamente naturais em seus diálogos, o que salva a química de ambos. É fácil ver que os dois também são amigos longe das câmeras, facilitando a proposta do roteiro. Já o tal grande trote final tem uma tendência tão forte a dar numa merda sem tamanho, que arrisca seriamente a condição de "heróis-contra-o-sistema" dos garotos. Por fim, o momento em que Francis vê o espírito de uma mulher na casa de Margie fica em aberto, e nada mais é dito a respeito após a cena.

Por falar em Margie, ela é, de longe, a personagem mais complexa do filme. Jena Malone (a namorada do Donnie Darko e a versão jovem de Jodie Foster, em Contato) prova que é uma das melhores atrizes de sua geração, conferindo sutileza, introspecção e amargura à nuance mais densa e hardcore do filme. Quanto à Jodie Foster... puxa vida... desnecessário descrever o seu nível de atuação infinitamente superior ao da maioria dos colegas de profissão. Resta observar, humilde como um gafanhoto diante de seu mestre shaolin, o que ela pode fazer com uma personagem que é um dos estereótipos mais antigos do cinema. Não muito, pra falar a verdade. Nos extras, ela mesma explica que não poderia fazer a típica vilã caricatural, pois destoaria da atmosfera realista do filme. Na mesma entrevista, ela ainda dá uma bela alfinetada no roteiro por representar uma irmã de um modo tão maniqueísta. Jodie é foda.

Meninos de Deus está longe de ser perfeito, mas, antes de tudo, é bastante humano e cativante na medida certa. E é incrível como um filme independente, com orçamento pra lá de modesto, consegue ser muito mais criativo do que esses blockbusters barulhentos de verão. Viva a independência!

Ah... o Vincent D'Onofrio. Há uma "certa" tensão no olhar de seu personagem, o Padre Casey. Ecos do Recruta Pyle?



CINCO


Finalmente estréia na sexta-feira a adaptação cinematográfica de uma das hqs que mais me marcaram na vida. É até estranho dizer "foram os quadrinhos que eu mais curti" (essas coisas não se decidem assim, pois dependem do estado de espírito no momento), mas se me entendessem mal e ficasse por isso mesmo... tranqüilo pra mim. Anos após a primeira leitura, as idéias desenvolvidas em V de Vingança até hoje me assombram com a mesma intensidade. Principalmente sendo eu um brasileiro vivendo no Brasil, neste momento em específico. Talvez esta seja a explicação de tanta empatia.

Sem querer menosprezar os vindouros X-Men: O Conflito Final e Superman - O Retorno, esse é o filme mais aguardado do ano por este que vos escreve. Após tantas CPIs, absolvições, caso Celso Daniel, quebras ilegais de sigilo bancário, corrupção ativa e passiva... eu preciso deste filme. Com Joel Silver, Wachowski Brothers e tudo.


dogg... assistindo FHC no Jô Soares e pensando em dar à distinta Câmara do Congresso a mesma decoração que Codinome V deu ao Parlamento inglês.