sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A ESCOLHA DE SOFIA


Uma das características que sempre admirei no universo nonsense da DC é a liberdade periódica da editora para reafirmar a essência de seus principais personagens. Uma boa estratégia que funciona como uma reciclagem para impedir o desgaste destes (ou atualizá-los conforme as mudanças comportamentais e perceptivas de seu público-alvo). Daí a velha e conhecida premissa trazendo heróis envoltos em questões morais e existenciais. No período de 1986-1987, a DC publicava a saga Lendas, cujo objetivo era justamente resgatar o status icônico daquele universo e de seus personagens, zerados após a mega-reforma de Crise nas Infinitas Terras.

O plot era simples, de apelo universal. Concebido por John Ostrander, desenvolvido por Len Wein (co-criador do Monstro do Pântano e do Wolverine), desenhado pelo John Byrne no auge e arte-finalizado por Karl Kesel, a história mostrava Darkseid executando um plano para incitar a Humanidade contra suas lendas, os heróis. Para tanto, o vilão cria uma série de incidentes forjados que, entre outras coisas, faz o Capitão Marvel acreditar que matou um ser vivo - traumatizado, ele resolve abandonar seus poderes. Em seguida, entra em cena o Glorioso Godfrey, lacaio que Darkseid enviou à Terra, disfarçado de ativista anti-heróis. Godfrey manipula a opinião pública, criando um efeito dominó que leva o presidente Reagan a vetar todas as atividades meta-humanas no país. Tudo isto sendo testemunhado de perto pelo Vingador Fantasma, o Uatu da DC, convicto de que os ideais das lendas prevalecerão no final.

Este crossover épico exerceu muita influência nos anos seguintes - inclusive sobre a concorrência e suas guerras civis - e teve papel fundamental no cast heróico da editora (a LJA de Giffen/DeMatteis e a Força-Tarefa X, p.ex, vieram daí). Como todo mega-evento quadrinhístico, a série gerou ramificações nos principais títulos da DC na época, desenvolvendo subplots essenciais para a uniformidade da trama.

Com o relançamento da saga pela Panini Comics, via encadernado Grandes Clássicos DC #10, percebe-se o quão essenciais eles foram.


Lendas, em formatinho da Abril: confiabilidade de um whisky paraguaio

A história de Lendas no Brasil começou em junho de 1988, com seu lançamento pela Editora Abril. A mini foi editada em formatinho de seis edições com a inserção estratégica de algumas das tramas paralelas, publicadas originalmente em revistas regulares (mais precisamente, Superman, Firestorm, Blue Beetle e Action Comics). Num lampejo de visão e bom-senso, o pessoal das "Publicações Infanto-Juvenis" preservou a estabilidade narrativa do roteiro com essas inclusões (apenas as que foram necessárias para tal). Porém, a Abril sempre se sabotou com antigos vícios.

Apesar de já ter esses formatinhos há anos, a verdade é que só fui ler Lendas há pouco tempo, pelo encadernado bonitão da Panini. Com o ponto de vista de alguém que desconhecia o argumento, suas nuances e resistência ao tempo, mergulhei no TPB, começando pela belíssima introdução de Mike Gold, ex-editor da DC.

Quando parti para a saga de fato... mal pude conter minha decepção ao me deparar com uma história frágil, superficial e repleta de falhas estruturais (buracões mastodônticos no roteiro!). Onde foi parar a ½ Liga soterrada pelo demoníaco Enxofre na página 45? Como foi que o Besouro já tinha capturado Cronos na página 118? E o mais absurdo: o Superman mencionando que foi "seqüestrado por Darkseid hoje cedo", sem que nada atestasse o fato. Não era possível. Aquele desastre era a lendária Lendas, com trocadilho infame e tudo?

Meio que querendo o replay de uma batida de dois caminhões-tanque, peguei os velhos formatinhos e destrinchei tudo pra ter certeza do que tinha lido. Só que havia um sabor diferente ali... a história tinha tensão, drama, impacto, coesão... logo vi que as tramas paralelas fizeram uma diferença crucial na experiência. É uma saga completamente diferente, fazendo justiça total à fama. Uma grande aventura, "heróica" como só a DC se permite ser, cujo clímax apoteótico abria caminhos para um futuro promissor.

Mas antes que eu pudesse demonizar o encadernado perneta da Panini, notei certas "virtudes" dele em relação ao formatinho da Abril. A página 89 do encadernado era inédita até então, visto que a Abril havia a decepado sem dó - juntamente com as páginas 99, 109, 120, 133, 134, 135, 151 e 152 (isso se eu não deixei passar mais). É público e notório que a fase da Coroné Abrir à frente das publicações Marvel/DC foi um banho de sangue editorial. O Greenpeace deveria agradecer de joelhos à editora, pela quantidade de árvores poupadas em toneladas de páginas não publicadas. Não importava se fosse uma grande história do John Byrne, do Frank Miller em sua fase mais criativa ou o excelente Demolidor de Ann Nocenti/John Romita Jr... a Editora Abril descia o facão.

Vendo as trapalhadas tanto do Bonde Civita quanto dos capos sicilianos da Panini, uma única coisa me vem à cabeça: monopólio é uma merda.

Na trilha: as fabulosas Runaways! As deusas Joan Jett (16) e Lita Ford (17) já batiam um bolão.

9 comentários:

Anônimo disse...

O Marvel deve ter ficado bastante traumatizado mesmo. Até porque, matar um ser morto deve ser bem difícil.

doggma disse...

Sem redundância no contexto. Até porque, era um ser artificial.

VAM! disse...

Vendo as trapalhadas tanto do Bonde Civita quanto dos capos sicilianos da Panini, uma única coisa me vem à cabeça: monopólio é uma merda.

Olá doggma, disse tudo.

Diante da disponibilidade dos arquivos digitais, a Panini poderia ter nos brindado com não apenas uma única edição imediatista de Lendas: Darkseid e sim uma saga completa e por assim dizer inédita em sua completude.

Ao meu ver falta a editora uma coleção como Arquivos Históricos DC:

http://vamilustrador.wixsite.com/batdeira/single-post/2015/12/28/JUSTI%C3%87A-EM-M%C3%9ALTIPLAS-TERRAS

Abs,
VAM!

doggma disse...

Quem dera, VAM! Eles podiam ter resolvido a parada toda em duas Lendas do UDC. Perderam a chance de editarem essa saga no Brasil como se deve, mais uma vez.

Outra oportunidade dessas só daqui a muitas eras. Se as tão comentadas comemorações do centenário do Kirby pela Panini já acho que sairão apenas protocolares...

Aliás, outra fantástica concepção sua, VAM! Fabulosa mesmo. Apesar de achar que qualquer coisa envolvendo Panini & boxes soe meio temerária, rs.

Abração!

VAM! disse...

Só duas? Imaginei que seriam até mais, doggma. Você está considerando somente os tie-ins mais relevantes não?

Em tempo, a Panini ainda poderia mandar um Lendas do UDC por John Ostrander.

Assim ainda preparava melhor o terreno pro Esquadrão Suicida dele, que dizem está sendo avaliado para publicação.

Abs,
VAM!

doggma disse...

Opa, pensei com a edição no esquema lwc. Na Lendas do UDC, com a gramatura do offset, ficaria mais ou menos na mesma proporção do Lanterna & Arqueiro de O'Neill/Adams: das 2 edições de Grandes Clássicos DC (em lwc), saltaria para 3 edições ou, no caso de "Lendas", até 4 no offset de LUDC com os tie-ins mais relevantes.

Fiz uma confusão do caramba, espero que entenda a mensagem, rs.

Ah, se Ostrander for laureado com um Lendas (Deus te ouça!), abriria um precedente promissor para autores mais, digamos, marginais. E penso logo no Mike Grell como o 1º da fila...

Abraços!

VAM! disse...

doggma, te faço aqui uma proposta de parceria criativa.

Que gerou bons frutos com o Leo > (CHM do Hulk e Oque Aconteceria Se...)

Que tal se você conceber uma coleção? O lay-out fica por minha conta.

Pela DC temos a série "Arquivos Históricos" e pela Marvel estreie ontem um título novo: "Marvel Icons"!

http://vamilustrador.wixsite.com/batdeira/single-post/2017/07/16/VIDA-LONGA-AO-REI---Parte-III

Ou então, uma série fora dessas duas editoras, como fiz com o Torpedo.
Mas teria que ser algo não lançado pela Panini ainda, pra gerar a expectativa (fantasiosa é claro)!

Pense a respeito e me mande e-mail pela Batdeira, assim a gente planeja melhor.
Abs,
VAM!

doggma disse...

E aí, VAM!

Aquelas coleções da sua parceria com o Leo ficaram demais. Para um marvete como eu, absolutamente essenciais! Tomara que elas inspirem os canais adequados.

Confesso que é tentador ficar imaginando que tipo de coleções poderiam ir ao ar. Espero que para confeccioná-las seja tão satisfatório quanto (mais trabalhoso com certeza é!). É muito material bacana e até mesmo subestimado que ficou pra trás...

Vou vasculhar nos confins da minha alma e entrarei em contato. Valeu pelo convite!

Abração!

VAM! disse...

"Espero que para confeccioná-las seja tão satisfatório quanto..."

Ser satisfatório é o principal motivador, caro doggma.

Basta dizer, que atualmente dedico muito mais do meu tempo livre aos projetos da Batdeira, do que a leitura de gibis.

Portanto já se revelando marvete convicto, fique a vontade na escolha de material.

Apenas tentando dar um foco, diante da vasta infinidade de opções, uma coleção/edição destinada a reunir material do Rudy Nebrez, desejada por você no tópico em homenagem a ele, pode ser uma boa opção. Já publiquei 3 projetos na Batdeira, focados no Buscema.

E te adianto, pela parceria que tive com o Leo, que oque ele mais curtiu foi selecionar cada história que comporia as CHM.

É isso, leve o tempo que precisar (afinal é pra ser divertido) e tendo novidade me fale.

Excelsior!
VAM!