"O trabalho do diretor é não atrapalhar os atores". Essa costuma ser a tag-line de Clint Eastwood quando está por trás das câmeras. Foi uma das lições que ele aprendeu durante a convivência com velhos mestres como Don Siegel e Sergio Leone, e uma das marcas registradas em seu estilo refinado de direção. Em seu novo filme, Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), ele segue adiante em sua constante evolução como diretor, trazendo uma premissa bem simplista. O detalhe aqui - e o que difere Eastwood da maioria dos profissionais da área - é a condução emocional que ele imprime em suas produções. A despeito de sua paixão pelo jazz, seus filmes são quase analogias àquele sentimento predominantemente blue e introspectivo. Há muito Eastwood desenvolve sua técnica atual (que, por incrível que pareça, já era perceptível no divertido pastelão Bronco Billy, de 1980), e, nesse sentido, Menina de Ouro está um passo à frente do demonstrado em Sobre Meninos e Lobos, seu trabalho anterior.
O filme conta a trajetória de Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), uma garota que sonha em entrar para o circuito profissional de boxe feminino. Mesmo exibindo uma força de vontade inabalável e potencial suficiente para fazer uma bela carreira no pugilismo, ela é solenemente ignorada pelo veterano treinador Frankie Dunn (Eastwood), que se recusa a treinar garotas. Em sua longa carreira profissional, Frankie já experimentou o sabor amargo da derrota, personificada por seu melhor amigo, Eddie Scrap (Morgan Freeman), que perdeu a visão de um olho após uma luta fatídica. Por esse motivo, Frankie mantém um perfil quase paternalista como treinador, o que lhe custa uma fama de turrão e um saldo bancário nada generoso.
Frankie, aliás, poderia ser uma daquelas figuras que romantizam cegamente o esporte, não fosse a maturidade adquirida por uma vida calejada na área. Já Scrap funciona como uma espécie de voz ativa e sensata da consciência de Frankie, pois o passar dos anos fez ambos compartilharem a mesma visão do mundo que escolheram viver. Scrap ainda representa os olhos do espectador, apenas intervindo em pequenas situações que possam desencadear grandes conseqüências. E Maggie...
White-trash interiorana, sem qualquer perspectiva, Maggie só tem ao seu favor a sua garra e boa-fé quase quixotescas. Seu background extremamente desfavorável não fica nada a dever a qualquer atleta brasileiro nascido em periferia. Sua relação com Frankie se desenvolve em um ponto de partida brusco, sem futuro proeminente, mas acaba desembocando em uma comunhão única, inédita tanto para ela (uma iniciante), quanto pra ele (que se arriscou a fazer algo diferente pela primeira vez em muito tempo). Chega mesmo a transcender uma mera relação pai/filha (apesar de ter toda a condição sê-lo), pois a partir de certo momento, os dois se tornam silenciosamente cúmplices em busca de um objetivo único. Tal química é rara, talvez só aconteça uma ou duas vezes durante toda uma vida. Frankie e Maggie já podem contar com ao menos uma.
Não vou me referir à qualidade das interpretações dos Atores Clint Eastwood, Morgan Freeman e Hilary Swank, pois estas são absolutamente indescritíveis. Não tenho capacidade de fazê-lo sem diminuí-los com palavras. Talvez Veríssimo, Sabino... eu não.
Menina de Ouro tem uma trajetória tortuosa. É enaltecedor, espirituoso, maduro e realmente devastador quando acha por bem. Mas antes de tudo, é Humano, com tudo o que a vida oferece no pacote. E de nada mais se precisa, no final das contas.
SPOILER:
Infelizmente, o filme tem sido alvo de críticas ferozes por parte da imprensa e de órgãos internacionais. Apesar de solidário com o problema existente, sou totalmente contrário ao equívoco que houve em relação à possível "mensagem" do filme - pois esta é, de fato, inexistente, como já afirmou Eastwood, em entrevista recente. Me limito a dizer que tenho a mesma opinião de Roger Ebert, crítico do The Chicago Sun-Times. Para saber mais, leia esta matéria. Mas cuidado, pois o próprio título da mesma pode ser considerado um spoiler.
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