quinta-feira, 12 de outubro de 2006

HAUTE T-TENSION










Caralho.

Delírio macabro de violência e desespero. Isto é Alta Tensão (Haute Tension, França/2003), um pacote de viagem completo para a versão mais sádica do inferno na Terra. Aqui, o Mal impera com arrogância, apronta das suas com uma indiferença aterrorizante. É preciso muito sangue-frio pra acompanhar esta... bad trip não, é muito pouco... esta forma de vida (sim, Alta Tensão, embora não seja uma criatura nada bonita, vive, respira e tem muito, mas muito sangue correndo nas veias), que ama e odeia com requintes de crueldade. O clima é tão denso que a atmosfera de perversidade jorra através da tela e afoga o espectador. Mesmo sem estar lá, a pressão sensorial é quase tangível.

Hannibal Lecter lamberia os beiços.

Alta Tensão é o terceiro filme do cineasta Alexandre Aja, e foi o seu divisor de águas. Graças à ótima recepção de estripados público de crítica, ele foi escolhido para realizar o polêmico Viagem Maldita, remake de Quadrilha de Sádicos, clássico B de Wes Craven.

Sempre fui muito curioso em relação aos trabalhos iniciais de artistas que começam a se destacar. Geralmente, é quando sua arte está menos infectada por questões tendenciosas e/ou comerciais. O que vemos ali é o resultado mais puro que sua genética criativa poderia produzir (inocência, raiva, simplicidade e despretensão são elementos primordiais inclusos). E neste filme você entra com tudo na cabecinha perturbada do menino Aja. É um abismo.


Marie e Alex são estudantes que caem na estrada pra passar um finde à base de livros e anotações. Grandes amigas, elas vão ficar na casa dos pais de Alex, localizada numa daquelas áreas rurais idílicas e bucólicas, intocadas pela urbanidade. À quilômetros de qualquer lugar, o ambiente parece mais que perfeito para mergulhar nos cadernos - imagem rapidamente destroçada por uma cena de trincar a espinha, na qual o vilão da trama é apresentado de uma maneira tão direta e brutal que chega a provocar mal-estar (é de arrepiar mesmo e saiba que aquela será a tônica do resto do filme). Se eu fosse um dos personagens e soubesse que meu possível algoz seria aquele, eu ia a nado pra ilha de Lost na mesma hora.

O título nacional não é por acaso. Desta vez eu defendo o standard. A tensão começa fina e pentelha e logo se estabelece uma contagem regressiva impressionista. É neste ponto aí que a bolinha de neve começa a rolar lá de cima da montanha.

Em Alta Tensão o silêncio faz barulho. Enquanto a fotografia claustrofóbica e sussurante sugere um megadeath iminente, Aja larga a tensão no último volume e vai embora. A sensação absurda de que algo vai acontecer atinge seu primeiro orgasmo - numa pusta triangulação de metáforas - logo na primeira noite em que as duas passam na casa, sugerindo que já chegamos a um suposto clímax. "Suposto", porque o caos chega varrendo o lugar impiedosamente como se não existisse amanhã e só se passaram, o quê, vinte e poucos minutos...? E ainda tem mais umas três sessões de sexo selvagem pela frente (calma, é outra metáfora) e uma senhora cravada final que te larga lá, estabacado no chão, com cara de "anotaram a placa...?"


A maior característica de Alta Tensão é sua habilidade em arrastar o espectador com tudo pra dentro do pesadelo. Ao acompanharmos os passos de Marie e Alex, somos atirados junto com elas naquela terra de ninguém. O fato do filme se valer de estética e premissa slasher, mas não ter nenhum freio funcionando (e muito menos seguro de vida), faz parecer que é só uma questão de tempo até o IML ficar abarrotado. Estratégia genial que Aja arquitetou para manter a "tensão alta"... o início nos soterra com a expectativa da chacina vindoura e inevitável; na metade, é um survivor from hell que sobrecarrega qualquer sistema nervoso; e o final... nó! Que final.

Tenho de agitar umas considerações aí. Nego de responsa nas parada' achou o final uma bela merda. Outros tantos acharam o Santo Graal Butcher das conclusões slasher. Eu achei do caralho. Até pelo fato de se estender de maneira over, desembocar numa cachoeira de hemácias deliciosamente gratuita e de preparar o terreno para uma última ceninha de quebrar o encosto do sofá. Sem contar que a porra do negócio estava mais do que... opa, parei. Quem quiser dissertar sobre, go to the comments. Use them!

Longe de mim levantar bandeira anti-imperialista, mas o fato do filme ser francês, e não hollywoodiano, já adianta para os mais escolados que a parada ali é realmente casca-grossa, não se rendendo a nenhum censorshit patrulhinha pra levantar bilheteria. O filme tá pouco se fodendo. E isto se aplica também ao elenco de primeira, anos-luz mais interessante que aquela panelinha teen que costuma cozinhar a paciência de quem procura um terror decente. O furacão assassino do filme aparece nos créditos como "Le tueur" (alguém?) e é encarnado pelo veterano Philippe Nahon com uma frieza que chocaria até Ted Bundy. No papel de Alex está a competente Maïwenn Le Besco, enquanto Marie recebe a performance surpreendente da bela Cécile De France (de Albergue Espanhol/Bonecas Russas). O que esta mulher faz é incrível.

O filme é gráfico ao extremo e cumpre até a beirola do que promete com precisão cirúrgica. Isto porque quem está lá no grotesque make-up é o velhinho Giannetto de Rossi, tradicional colaborador dos mestres do giallo, Mario Bava e Lucio Fulci. A produção também pode ser encarada como precursora desta leva de filmes anti-mochileiros que andam assolando o mercado (vide Abismo do Medo, Wolf "Eu Quero a Minha Mãe" Creek, O Albergue e o próprio Viagem Maldita) - pelo visto, o mais seguro hoje é fazer turismo na Antártida.


O mínimo que eu posso dizer, é que Alta Tensão te faz enxergar a vida com mais cautela. De repente, o barraco do Jason Voorhees parece mais seguro do que aquela rua deserta às duas da manhã. E a possibilidade de que qualquer coisa pode estar acontecendo enquanto você dorme profundamente só é menos assustadora do que acordar (ou ser acordado) e ter uma surpresa pra lá de desagradável. Assista o filme e veja sua paranóia subir 900 pontos percentuais para mais ou para menos.

Aja é mutcho loco e se continuar deste jeito, teremos ainda diversão redentora e primitivista por muito tempo (sim, ele nos faz reencontrar nossos ID's pré-civilização há muito adormecidos). Todo este do-it-yourself virulento e o filho da mãe é mais novo que eu. Seu próximo projeto, no entanto, é mais um remake - desta vez, do suspense sul-coreano Into The Mirror - programado pra 2007. Embora seja uma missão meio inglória, se existe alguém que ainda pode apavorar com remake de filme asiático, este é o cara.

Pra mim, até segunda ordem (ou até o próximo terror do Zack Snyder), Alexandre Aja é o sujeito mais punk do cinema atual.


Feliz Dia das Crianças. Melhor ainda... feliz Sexta-Feira 13. E na trilha: "Don't Talk To Strangers". Virou meu hino agora.

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