domingo, 3 de maio de 2009

BLAME CANADA


Não parecia uma má ideia. De um lado, Gavin Hood, diretor oscarizado escolhido a dedo. De outro, o astro Hugh Jackman e o expoente mais popular de uma trilogia que já ultrapassou há tempos os nove dígitos. Pra garantir, uma publicidade massiva em ritmo spammer despejando na mídia toneladas de teasers, trailers, spots e promos diversos - era impossível abrir browser que seja nos últimos meses sem ser cutucado por seis garras de adamantium. Nem precisaria tanto: qualquer um com residência fixa no planeta Terra já ouviu falar no baixinho invocado canadense, que completou em abril 35 anos de existência. Hoje, Wolverine é tão ou mais conhecido que Jesu... o Homem-Aranha. Sendo assim, não é exatamente uma surpresa que X-Men Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine, EUA, 2009) se revele um filme de ação absolutamente genérico. O que surpreende mesmo é o afinco com que os realizadores se apegam a esta fórmula batidaça, como se a história do personagem não fosse extraordinária o suficiente.

É sintomático que o nome de Jackman conste também nos créditos de produção. Durante todo o filme nota-se o tremendo esforço em defender aquela sua (boa) versão que já conhecemos através de X-Men, X2 e do subestimado X-Men: O Confronto Final. O galã alto com a fuça do jovem Eastwood, notadamente mais sociável que o Taz violento e beberrão dos quadrinhos. Aquele carcaju que aprendemos a aceitar, como diria um desalinhado amigo meu.

Créditos à parte, quase tudo que é demais cansa. E, pra mim, o filme atingiu essa cota com menos da metade de projeção.


O início é muito bacana. Sintetizou a saga Origem, de Paul Jenkins e Andy Kubert, com competência, esmero dramático e boa caracterização dos personagens. As contrapartes jovens de Logan e Victor Creed (Troye Sivan e Michael-James Olsen, respectivamente) fazem por merecer mais tempo de tela, bem como seus pais, John Howlett e Thomas Logan (Peter O'Brien e Aaron Jeffery), perfeitos até na semelhança física. Em seguida, acompanhamos Logan e Creed (Liev Schreiber) através dos anos, se valendo de seus fatores de cura no front das maiores guerras da História, onde se destacam uma eficiente produção, zero de grafismo e a fraca trilha sonora de Harry Gregson-Williams. Normalmente, eu nem esquentaria com esse detalhe, não fosse o tipo da sequência em que a trilha, ao exemplo da intro de Watchmen, personifica "apenas" o coração das cenas.

Como era de se esperar, os dois acabam chamando atenção das esferas superiores do exército, representadas por William Stryker (Danny Huston, infelizmente sem inspiração aparente no marcante trabalho de Brian Cox, que encarnou o personagem mais velho em X2). Logo, ele os convoca para integrar um grupo mutante black ops. Além deles, participam da equipe Wade Wilson (Ryan Reynolds), o Agente Zero (Daniel Henney), o eletrocinético Bolt (Dominic Monaghan, de Lost), John Wraith (o rapper will.i.am) e o irremovível Blob (Kevin Durand). Durante uma missão ligeiramente hardcore na Nigéria, as coisas saem do controle, para a tristeza de Logan e felicidade do psicopático Creed.

Contrariando Victor e Stryker, Logan decide pendurar as garras. Durante seis anos, ele leva uma vidinha pacata como lenhador nos cafundós do Canadá, ao lado da namoradinha Kayla (a fabulosa Lynn Collins, de True Blood). Até que um dia, Stryker dá as caras e avisa Logan que alguém está eliminando seus ex-companheiros de batalha. Quando o pior acontece, ele se vê obrigado a voltar a fazer o que sabe melhor.


É com esse script de Jeph Loeb's Comando para Matar que o filme se apóia, com direito a uma breve escala pela saga Arma X. Numa estrutura narrativa encontrada facilmente em qualquer filme do Van Damme, vê-se que os roteiristas David Benioff e Skip Woods beberam mais na fonte do baixinho belga que na do baixinho canadense do sr. Windsor-Smith. Até os fragmentos de lembranças de Logan mostrados ao longo da trilogia X foram mais fiéis. E sanguinolentos. Há algo muito errado quando um sujeito transtornado, com seis lâminas indestrutíveis nas mãos, sai por aí atrás de confusão e o máximo que consegue são umas gotinhas de sangue. Aí fica impossível ilustrar a extensão de sua natureza mutante.

No filme, Wolverine é soterrado por uma avalanche de toras e atropelado por um caminhão em alta velocidade, mas só o que contabiliza são leves arranhões no rosto. O fator de cura nem deve ter sido ativado. Só como um comparativo, nos quadrinhos, a mesma situação soa muito mais visceral.

Isso é particularmente prejudicial na cena em que Logan decide largar a equipe mutante. Pode me chamar de insensível, mas uma única morte inocente para mudar a cabeça um cara que participou de mais guerras que o deus Ares é muito, muito pouco. Sinceramente, até demorei em entender qual foi a bronca do herói ali, já que todo mundo escapou ileso e só um ficou caído. Quer impacto dramático de verdade numa situação de crise contextualmente similar? Pegue O Senhor das Armas, com Nicolas Cage. Melhor ainda: Hotel Ruanda, com Don Cheadle.

X-Men Origens: Wolverine é PG-13 ("intensas sequências de ação e violência, e alguma nudez parcial"), mas nem um terço do potencial dessa classificação é aproveitado. Ah sim, tem crianças assistindo. Deixa a violência pro playstation.

Pra piorar, a única nudez parcial mostrada foi a de um cara. As menininhas que acham o Wolvie "um gato" agradecem.


Não só a demora em acontecer algo realmente arrebatador incomoda, mas também os contornos de melô romântico que o filme vai adquirindo. E quando a ação chega, é uma cacofonia coreografada de qualidade duvidosa, com muitas poses, explosões e nenhuma criatividade. Lutas sem razão excedem o limite do razoável. Logan enfrentando Blob foi ridículo em motivação e concepção (mudança por mudança, seria muito melhor se deixassem o gordo com o visual Juggernaut do início) - cena piorada pela legendagem que se enrolou toda no trocadilho com o Blob-"bub". O mesmo acontece na treta gratuita com o Gambit (um desperdiçado Taylor Kitsch).

Sem qualquer sensibilidade com o material original ou com as possibilidades de uma série, Travis (James, nos quadrinhos) e Heather Hudson deixam seu posto no Departamento H para se tornarem um doce casal de velhinhos. Patologicamente simpáticos, eles acolhem Logan em circunstâncias bastante inverossímeis para os dias atuais. Nem a Tia May seria tão solidária.

Alguns cacoetes visuais são regurgitados ad nauseum e beiram o humor involuntário, como os sucessivos gritos de Logan para a câmera em plongée (de cima pra baixo) e a mania dele e Creed em iniciarem suas lutas se jogando um contra o outro - e confie em mim que o clicherômetro bate no mil quando dois personagens atravessam juntos uma janela que está logo atrás. Na hora lembrei da mesma cena em Blade Trinity. Ótima referência, hein?

Mas não é só!


Spoilers à frente.


Existem dois tipos de reviravolta final: aquela que muda toda a ótica do que sabemos, não raro nos deixando no lado oposto do que gostaríamos, e aquela que dá um gostinho de inutilidade a tudo o que aconteceu até ali. É o que acontece no filme. Nada de uma bela saga de redenção, altruísmo e sacrifício heróico, mas uma simplória e frustrante farsa, sugerindo que Stryker, além de proeminente insider militar, também é fã de um dramalhão mexicano. A cena em que Kayla se mostra viva, fitando Logan em silêncio, é estranhamente longa, como se quisessem potencializar o "choque" daquela revelação. Demora tanto que até pensei que a garota fosse um robô, um clone ou algo que o valha.

A luta final contra Deadpool/Agente XI é autosabotada. Primeiro, porque escalaram para o papel Scott Adkins, um dos pancadeiros mais impressionantes da atualidade. Segundo, porque colocam Wolverine e Dentes de Sabre juntos para esmerilhar o fulano na unha. Expectativas superando as escalas. E o que fazem? Levam a peleja para um espaço impraticável pra qualquer coisa, quanto mais pra uma coreografia marcial decente. Um caralho de uma borda lá nas alturas onde, providencialmente, as leis da Física impedem qualquer queda que não seja intencional. Haja paciência.

Aliás, se Wade era o Deadpool, porque chutaram Ryan Reynolds do clímax? Adkins não precisou fazer nada mesmo de excepcional naquelas cenas e Reynolds esteve excelente na sequência em que levou uma espada para um tiroteio.

Nem vou citar - já citando - a morte imbecil do Agente Zero. Com poderes que parecem saídos da adaptação de Procurado e uma técnica bacanuda à Gun kata, seria motivo de sobra para um mano a mano retalhador com o Wolvie. Mas acharam melhor botá-lo para brigar "de helicóptero" - treta concluída com o clichê mais constrangedor do filme. E toma ceninha de herói caminhando friamente de costas para uma explosão (fake, por sinal). Eu lembro quando isso já foi cool, lá pela década de 70.

E com tantos sketches de ação estereotipada, logo esquecemos o Oscar que enfeita a lareira do diretor Gavin Hood para lembrarmos de seu passado de ator - American Kickboxer, Kickboxer 5 e os clássicos Força Delta 2 e 3 te dizem alguma coisa?

Como se não bastasse, a reta final se aproxima perigosamente de Star Wars: A Ameaça Fantasma. Vide Logan dando cobertura à fuga dos prisioneiros enquanto encara o Agente XI, numa cena que praticamente reedita o aparecimento de Darth Maul para os jedi Qui-Gon Jinn e Obi-Wan. E também a conclusão dessa luta, com o vilão despencando de maduro e um pedaço de seu corpo se separando durante a queda.

Afe. Assim parece até que detestei totalmente.



Contudo, curti o filme em certos aspectos. Liev Schreiber, numa ótima performance, é Victor Creed até o olhar assassino. Os links com os eventos da franquia X são respeitados no limite do possível e até conferem uma nova dimensão àqueles filmes. Destaque positivo para as participações do jovem Scott Summers (Tim Pocock) e de Emma Frost (Tahyna Tozzi), sem comprometer a continuidade. O mesmo para a rápida aparição do Professor Xavier, eternizado por Patrick Stewart.

E Hugh Jackman, carismático que só, nos relembra o quanto é legal ver um ator se divertindo horrores com um personagem. Nada mais justo, já que sem o Wolverine, ele provavelmente ainda estaria criando ornitorrincos na Austrália.

Não, bub, não foi dessa vez. Mas, como bom leitor de quadrinhos, o amor aos personagens vem primeiro. Torçamos para que as bilheterias mantenham o ritmo avassalador e viabilizem mais e melhores continuações - o que não é assim tão difícil (LoL & perdão). Material pra tanto não falta, afinal, já chegamos ao Japão e Madripoor é logo ali. Quem sabe numa dessas, o carcaju possa realmente fazer o que sabe melhor.

Ps: atenção para o final pós-créditos.
Pps: saudações rubro-negras!

13 comentários:

Grimm disse...

Tou procurando um motivo para ir ver este filme na telona, pois até uma amiga (muito gata por sinal) desceu a ripa no filme via MSN e olha que ela disse que tinha ido só por causa do Jackman e tb comparou o filme aos Van Daimmes da vida.
Um coisa sobre o tal divertimento do jackman qunato ao filme: uns tempos após o Xis um ele cuspia no prato e ainda falava com um certo desprezo sobre a possível continuação da franquia.
Após o fracasso do Van Hellsing passou a defender com todas as garras (putz, que trocadilho infame) o personagem canadense.

SalKsz disse...

Filme podia ser melhor, mas é boa diversão e não compromete muito. Vai dar rios de dinheiro e mais filmes da marvel virão.
SAUDAÇÕES RUBRO-NEGRAS À TODOS!

Dr. Mandinga disse...

Gavin Hood ganhou o oscar por qual filme? Procurei no IMDB e não achei.

Luwig disse...

Melhor que Elektra? Confere? Pior que Motoqueiro Fantasma? Confere?

Pois é, fiquei com essa impressão comparativa. E falou e disse, qualquer "flash" (sem "back") da x-trilogia é melhor que todo aquele aguaceiro que foi o pré e o pós-operatório do implante de adamantium.

Aliás, que ferinha interior comportada, hein? Aguentou todo o tranco da experiência radical tão bem quanto possível, só mostrando um tiquinho de raivinha quando caíram na bobeira de falar na frente dele sobre mexer com suas lembranças.

Ridículo, preciso me desintoxicar com uma releitura urgente de Fusão do casal Simonsen e a Arma-X do Barry.

Aquele abraço.

samurai disse...

Eu me senti enganado. A unica coisa que achei bom foi sequencia pre-credito. Depois fiquei realmente com a sensaçao de .."ja vi isso antes"
Achei a lutas meia boca.
E realmente, cade a furia do Wolverine. Cade o cara que pode falar um troço como:
- Ainda bem que eles (cães dobermans) foram embora...detesto retalhar animal. Ser humano ? Bom aí já eh outra coisa.."

O GH levou oscar por Tstosi.

Abraços
Alessandro

doggma disse...

É, cambada, pelo andar da carruagem (158 mi US$), o carcaju terá mais uma oportunidade num futuro próximo. Oremos!

Grimm, me apresenta essa sua amiga. Ela parece ser o meu número! :)

SalKsz: e assim falou Joe Quesada.

Dr. Mandinga, como o Samurai informou aí, ele ganhou o Oscar por "Tsotsi" (aqui, "Infância Roubada"). Ótimo filme, por sinal.

Luwig: e nem comentei sobre os efeitos especiais. São os mais irregulares dos últimos tempos. Pra cada um bacaninha, pipocam quatro à Chapolim Colorado voando.

Vou me desintoxicar também, mas vou pegar lá do início, com o baixinho caindo na porrada com Hulk e o Wendigo!

Samurai, que lutas? Não vi nenhuma ali. E bela tagline, hein? :P

Kalunga disse...

Doggma!!!

eu ainda não vi o filme e parei de ler teu texto a partir dos spoilers. Mas o que você escreveu aqui foi uma síntese detalhada de uma obra que, também pela opinião de outros que conheço que são fãs das saga dos X-Men (eu sou um mero leigo), padece de uma falta de ousadia temerosa de acontecer como foi em Watchmen, que pegou pesadíssimo no cinema ao ponto de receber censura 18 anos e amargou maus resultados de bilheteria - arte foi em primeiro lugar, mas o bolso ficou vazio.

Luwig disse...

Finalzinho da noite de ontem topei assistir um tal de 'O Suspeito' (Rendition, 2007) na HBO, e sabe, que filmaço e que surpresa... Créditos finais vêm, créditos finais vão e quem dirige a bagaça? O nosso carcajuzinho de araque que muito ladra e nada morde, o Gavin Hood.

Sério, depois dessa, aí é que fiquei sem entender o espírito dessa bagaça.

Wandeck disse...

Eu saí do cinema meio frustrado... As tais "Origins" do título ficou só nas cenas iniciais (rápidas, e não fiel ao gibi)... e a origem da "Arma X" não teve nada a ver com o gibi "Arma X"... Se fizessem fielmente um mix da metade do gibi "Origens" e do resto do "Arma X" seria um filmaço....

Gostei da coreografia das cenas da invasão do prédio e parte da moto x helicóptero, o Gambit do filme tá muito legal... mas não é o Wolverine que eu gostaria de ver nos cinemas (muito provavelmente devido a classificação etária x bilheteria)...

Nessa o Homem de Ferro se saiu bem melhor !

QUEIROZ disse...

Eu ouvi um papo muito divertido no nerdcast 160, apontando todos os erros ridículos do filme. Abaixo alguns pontos:

O primeiro: O que Wolverine fazia naquela equipe especial além de olhar indignado as atrocidades daquele grupo?

Pq não colocar cenas de ação dentro de um contexto de roteiro? Cenas do Blob e Gambit inúteis. O cotovelada foi de f#der a alma.

Projeto secreto Arma X, 10 em romano. Que besteira!! E Wolverine só foi usado para fazer o Super Mutante, algo que apagaram da memória dele nas sequencias, pq um exercito de Deadpools na mão dava para chacinar todos os mutantes, melhor que um cérebro.

BALA DE ADAMANTIUM???? E pq? Mas porque? Não pode o Dentes de Sabre usar adamantium? Explica as coisas óbvias e as difíceis deixa para lá. Não dá!!

Prof. Xavier? Era ou não era CGI???

Cenas finais pós créditos: A mão do Deadpool toca na cabeça decepada e o Deadpool abre os olhos!!!! Tá de sacanagem!!! E a que vi a da birita; "Bebe para esquecer? Não bebo para lembrar". Antes fosse uma cena mostrando ele começando seu bico de luta livre naquela grade que aparece no X-men, O filme. Seria mais aceitável.

Enfim, o trailer dá de mil no filme, pois lá vimos todas as boas ideias não aproveitadas em câmera lenta.

Valeu!!!

p.s. Penso em boicotar os filmes da F#X, eles não tem respeito nenhum pelos cinefilos, fãs de quadrinhos ou quem seja.

SAUDAÇÕES RUBRO NEGRAS

doggma disse...

Fala Kalungaaa!! Cara, precisa entender muito de Wolvie não. Tenha em mente a cena da porradaria-monstro de Oh Dae-Su contra trocentos capangas, em Oldboy. Agora imagina ele com garras de adamantium. Pronto!

Luwig, sinal claro de que o diretor mesmo foi o staff executivo da Fox. Pelo menos, o G.Hood embolsou uma graninha pra bancar bons filmes como esse aí que você citou (que eu não assisti ainda). Sempre otimista, este sou eu!

Wandeck, realmente. Se saiu melhor de muito, mas muito longe.

Queiroz: "O que Wolverine fazia naquela equipe especial além de olhar indignado as atrocidades daquele grupo?"
- será que ainda dá tempo pra eu perguntar isso no post?

"Prof. Xavier? Era ou não era CGI???"
- definitivamente, não era CGI. Era massinha.

samurai disse...

Acho que ja vale uma resenha zombie sobre Star Trek...aquilo lá é origens

Abraços
Alessandro

Kalunga disse...

Pois é, sempre desconfiei que o Wolverine tinha algo do Oh Dae-Su - ou vice versa, hehehehehe...