No começo de O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas, de 2003, John Connor mostra o quanto pode ser pesado o fardo de um predestinado. Ali, sabemos que ninguém viveu feliz para sempre desde o final de T2, pelo contrário. Num tom amargo e monocórdico, Connor, agora adulto, narra em detalhes o impacto que aqueles eventos tiveram em sua vida. O estrago foi profundo e irreparável. Mesmo anos depois, supostamente "livre" da responsabilidade de juntar os estilhaços que sobrarão da raça humana. Repetindo um lugar-comum na trajetória de vários líderes e messias ao longo da História, John Connor mergulhou no vazio e na obscuridade por um período. Tornou-se pária por opção, ou por falta de. Nada heróico, mas muito humano. É um dos momentos mais realistas e tristes da trilogia.
Confesso que esse início, bem mais dramático e intimista que o padrão da série, me desarmou em relação ao Nick Stahl. Não o conhecia, ainda não tinha assistido Carnivàle e era algo irregular a substituição de Edward Furlong. Em contrapartida, Furlong cresceu e seu estilo de vida junkie estava estampado bem na cara. Embora John Connor ainda não fosse um personagem de intensidade física, tínhamos de ver alguma raiva ardendo por trás daquela melancolia solitária. Stahl convence, adicionando ao contexto um tanto de relutância, perplexidade e inconformismo pelo inevitável.
Não era lá um papel muito fácil. Não havia catarse e era uma história de transição. Connor tinha que aceitar e abraçar o seu próprio legado - o filme é sobre o processo que o leva a isso. Apesar das sequências retumbantes de ação (a perseguição inicial é pra levantar e fazer uma ola), na maior parte do tempo A Rebelião das Máquinas trafega ao largo das convenções do gênero e, por extensão, das convenções estabelecidas pelo próprio James Cameron para a franquia. Há poucas tomadas noturnas, a fotografia gélida dos filmes anteriores agora dá lugar a um visual sóbrio à luz do dia. A dinâmica e o crescimento moral dos personagens têm mais importância do que o ritmo frenético, o que não é uma proposta muito comercial vindo de um blockbuster.
Mas há algumas verdades incontestáveis a respeito deste filme: é, em essência, um caça-níqueis, tramado pelos produtores Mario Kassar e Andrew Vajna desde a falência da Carolco em 1995; e não se compara aos dois anteriores por simples inferioridade cinemática, por mais que eventualmente tenha acertado.
E acertou. Não o tempo todo, mas o suficiente - pra mim e até para o Cameron, maníaco perfeccionista e detrator do filme durante sua produção.
Desta vez, o único link com o futuro pós-apocalíptico de Salvação (pauta/objetivo dos últimos posts, só pra esclarecer) se dá na forma de um pesadelo de Connor. A cena soa mais como obediência a uma tradição da série do que qualquer outra coisa, mas é de encher os olhos. Começa acompanhando o voo de alguns hunter killers aéreos até uma unidade de exterminadores avançando em uma zona de combate. Embora os modelos reais de Stan Winston ainda sejam imbatíveis, foi uma das raras vezes em que um emprego de CGI me soou convincente - e, de certa forma, até inevitável. Por mais que seja entusiasta dos animatronics e dos efeitos rústicos da velha escola, não há outra maneira disso ser feito nessa escala.
Também em T3 as distorções temporais têm suas variações mais significativas. O "the future is not set" de John Connor entra em rota de colisão com o "Judgment Day is inevitable" do T-850. Ainda que sutis, houveram sim alterações na linha do tempo. Por conta dos eventos de T2, o exterminador não se identifica mais como um modelo Cyberdyne Systems, citada até por Kyle Reese como parte da sua realidade no futuro. A Skynet não é mais uma linha de superprocessadores criada por Miles Dyson baseada no CPU do primeiro exterminador (olha o loop aí de novo). Com a destruição de seu centro de pesquisas, a Cyberdyne quebrou e seus projetos foram adquiridos pela Força Aérea dos EUA e desenvolvidos por seu setor de tecnologia, a CRS (Cyber Research Systems Division) - incluindo o da Skynet, que "reencarnou" como um software de defesa estratégica.
O destino deu seu jeito, mas como se vê, não é totalmente imutável. Como diria o Farraday, de Lost, é preciso um número considerável de variáveis para alterar uma constante.
Os modelos robóticos que aparecem em T3, ainda primários, dão uma noção melhor da evolução dos exterminadores. Curioso ver HKs aéreos em dimensões bem menores, alguns exterminadores T-1 fazendo as primeiras vítimas humanas da Skynet e até o que parece ser um protótipo humanóide dos robôs (no canto à esquerda). Infelizmente, não foi dessa vez que vimos um HK Centurion em ação no front de batalha.
E, claro, a T-X, exterminadora de exterminadores que é uma evolução do T-1000 com endoesqueleto metálico, arsenal generoso e altíssima capacidade de infiltração. De longe, é a que parece mais humana entre os exterminadores - e com direito a reação orgástica quando na iminência de atingir seu alvo primário. E eu morreria feliz. Ah, Kristanna Loken...
Mas não dá pra comentar sobre o filme sem mencionar o que ele teve de mais surpreendente. Os cinco minutos finais de T3 me pegaram no contrapé. Não esperava mesmo e a partir dali o que perigava ser apenas uma aventura eficiente e derivativa, ganhou peso e substância. E refletiu em tudo o que eu havia visto até ali, expandindo seu significado bem diante dos meus olhos - alterando até, como uma boa viagem no tempo. Sequência final bela, aterradora e emocionante, de longe a mais recompensadora da série.
T3 forneceu a base perfeita para Salvação. E tão importante quanto John Connor finalmente acreditar em si mesmo naquela conclusão, é o fato de me fazer acreditar também.
Até segunda ordem, pelo menos.
4 comentários:
"John Connor mergulhou no vazio e na obscuridade por um período. Tornou-se pária por opção, ou por falta de. Nada heróico, mas muito humano"
pois é, este início tbm me surpreendeu. Mas tem algo na construção do personagem de John Connor em T3 que me incomodou bastante. Ele se transformou meio que num ser assustado e traumatizado, nada do que você imaginaria ser um líder no futuro pós-apocalipse. Tudo bem, deu uma fugida do óbvio com esta mudança. Mas o que o faria ser o personagem mais firme e decidido que parece ser o de T4 (que estréia hoje, mas só vou ver semana que vem)? Será que o T4 explica isso? Não estou querendo respostas bem mastigadinhas, mas apenas espero uma dose mínima de coerência.
Enfim, no geral também achei o T3 um baita de um caça níqueis. Por mais sexy que fosse a nova exterminadora, me soou um déjavu do T2, não mostrou muita novidade e a caça ao Connor e seus asseclas perdeu um pouco a graça soando repetitiva e cansativa, ao meu ver.
"Os cinco minutos finais de T3 me pegaram no contrapé. Não esperava mesmo e a partir dali o que perigava ser apenas uma aventura eficiente e derivativa, ganhou peso e substância. "
pois é Doggma, compartilho de mesmo sentimento quanto ao final de T3. Pra mim o T3 estava naufragando na sua autoindulgência, até que o pior para a humanidade REALMENTE acontecia. Nada pôde ser feito para evitar o holocausto nuclear. Um filme que surgiu como um notório caça-níqueis como o T3 teve um fim negativo, no que poderia se configurar um entrave para que o público de blockbusters ávido por histórias contadas em tatibitati e finais felizes realmente saísse satisfeito do cinema. Isto sim eu valorizo!
A verdade é que a história da série Terminator é negativa, trata da do fim da humanidade eminente ao domínio das máquinas. Produzir um final feliz para qualquer filme da série até então seria incoerente. Até porque, como seus vários textos (inclusive o de 2005) indicaram, o público fã da série queria realmente ver as máquinas quebrando tudo pela frente, ainda que torcêssemos pelo Connor, rsrsrsrsrs.
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to vendo teu playlist ali do Last FM, você andou ouvindo muito industrial clássico. Será um insight ao clima das cenas do futuro dominado pelas máquinas de Terminator? Mussolini Headkick (Luck Van Acker rules!) e Cyberaktif remetiam, pra mim, diretamente àquele clima mecânico e opressor quando colocava pra rolar, hehehehehe...
De arrepiar mesmo. Eu sinceramente, acho que o mal desse filme foi não ter sido realizado no ano seguinte ao T2. O Arnoldão estaria ainda com seu vigor físico, não deixando claro que o tempo já havia passado e muito. Acho que o T3, não é um filme ruim, só é mal feito, sabe, não há nele em termos de diálogo e ação, algo com James Cameron fez. Acaba sendo uma imitação do T2, como alguns elementos interessantes, que a tal da novelinha da "Sarah Connor", não passa nem longe. A gente acaba no fim das contas sabendo algo muito importante na conversa no treiler(carro) que John Connor morreu antes de completar sua missão que a nova Lider da Revolução é a esposa dele.
Agora vem minha pergunta, será que em T4, vão levar esse fato em consideração, ou vão deixar para um discursão mais tardia nas sequencias.
Bem, qunado vir o filme poderei saber.
Kalunga, T4 explica essa transformação do Connor de forma implícita - o cara teve 14 anos de treinamento num mundo em guerra. O bastante pra acabar com qualquer relutância.
O playlist: puro industrial old school... esse foi o clima! :D
Queiroz, T4 pega bem no começo da virada da Resistência. Ainda falta muito pra chegarem até esse lance do assassinato. Agora, se me perguntassem, eu preferiria que o Connor usasse essa informação pra se precaver...
"Sempre achei curioso o fato de Cameron, quebrador de convenções que é, apenas reprisar o ponto de partida anterior. Nada de soldados invadindo uma base da Skynet, provavelmente em missão suicida, e enviando o T-800 hackeado momentos depois da partida do T-1000. Ah, essas sequências imaginárias..."
Ai eu acho agora o caminho lógico para Terminator 5. Afinal o Reese e Connor estão juntos, irão se tornar amigos e acredito a batalha para enviá-lo ao passado será o plot do proximo filme, tendo no sexto o envio do T-850 (tanto para 1992 quanto para 2003) ou pelo menos uma citação de que isso foi feito já - que talvez seja até melhor. deixanod assim espaço para desenvolver a batalha final Homens-Maquinas.
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